Segundo a lógica proposicional, a forma correcta, válida, do silogismo condicional Modus Tolens é a seguinte:
a àb
~b
Logo, ~ a
Nota: lê-se: a implica b; não b (negação de b); por conseguinte, não a (negação de a)
E, segundo Russell e os seus seguidores, a forma inválida desse tipo de silogismo é:
a à b
~a
Logo, ~b
Vamos demonstrar que esta segunda forma não é necessariamente inválida. Vejamos o seguinte exemplo:
Se estou em Lisboa, visito a Torre de Belém, .
Não estou em Lisboa .
Logo, não visito a Torre de Belém .
Este silogismo é válido. Não enuncia apenas verdades mas o seu modo de raciocínio é correcto, ainda que segundo a lógica proposicional de Russell seja inválido. De facto, a torre de Belém está contida na área geográfica de Lisboa e, não posso, obviamente, sem estar em Lisboa visitar a torre de Belém.
Não partimos do abstracto para justificar e legitimar o concreto, mas procedemos de forma inversa: é da lógica informal, concreta, empírico-ideal, que fala de estrelas, de Sócrates, de Torre de Belém, de Lisboa, etc, que extraímos a lógica formal, as variáveis a,b,c, etc, que representam proposições ou predicados, consoante as lógicas. Impor a ditadura do formal, do abstracto, ao concreto é um erro de esquematismo cometido por Bertrand Russell e muitos outros lógicos.
Assim a fórmula
a à b
~a
Logo, ~b
é válida sempre que o nome predicativo do sujeito ou o complemento circunstancial ( no caso acima, complemento de lugar : Lisboa ) do antecedente da primeira premissa englobar o nome predicativo do sujeito ou o complemento circunstancial (no caso acima, complemento de lugar: Torre de Belém) do consequente.
Ora isto anula um dos pressupostos da lógica proposicional que é o de considerar em bloco uma proposição (por exemplo: Visito a torre de Belém é designado, na lógica interproposicional, por uma única letra : a ), sem analisar os seus componentes análise interna que a lógica de predicados faz. Ver as ligações externas entre as proposições sem atender ao conteúdo interno, excepto no carácter de afirmação ou negação da proposição, é o método erróneo da lógica proposicional. O exemplo que demos acima de um modo tolens inválido para eles, os russelianos (negação do antecedente) mas de facto válido, prova que é indispensável levar em conta o conteúdo concreto dos termos de cada juízo e proposição para determinar a sua validade, a sua verdade.
Ou seja: de um modo geral, não se pode inferir a partir do abstracto a validade de um raciocínio, é indispensável conhecer o conteúdo concreto, os referentes, dos seus termos.
A lógica proposicional está, pois, errada, na sua estrutura geral e não constitui um método seguro de pensar bem.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Em artigo no jornal português "Público", escreveu Desidério Murcho, este semifilósofo do regime capitalista neoliberal, construído, em parte, pelos favores dos media:
«Confunde-se muitas vezes a filosofia com discursos pretensamente inspiradores. Transfigura-se a filosofia e não se trata de discutir ideias livre e cuidadosamente, mas antes de usar a autoridade ilusória dos filósofos mortos para alimentar as aspirações mais palermas. Descobriu-se que não estamos no centro do universo e que o Deus bíblico não fez o mundo em sete dias? Ah, mas a marca de Deus está nas nossas aspirações humanas indeléveis, de suprema importância lógica. Aceitamos que Deus morreu? Ah, mas substitui-se isso pelo Ser e desatamos a perorar contra a lógica e a racionalidade, as culpadas de todos os males da humanidade.» ( Desidério Murcho, Filosofia e aspiradores, Público de 20 de Maio de 2008).
Duas falácias são empregues por Murcho na sua argumentação: 1. A de que é irracional admitir a existência de Deus ou Deuses; 2. A de que a filosofia deve derrubar as teorias dos filósofos mortos porque estas abusam da autoridade.
NÃO É IRRACIONAL ADMITIR A EXISTÊNCIA DE DEUSES, AO CONTRÁRIO DO QUE MURCHO SUSTENTA
O obscurantismo não é apenas o da Inquisição medieval ou de cultos religiosos sádicos e punitivos em alto grau: assume, numa das suas vertentes modernas, o carácter de ateísmo totalitário. Vimo-lo historicamente em regimes marxistas-leninistas, como a Albânia, em que as igrejas foram fechadas e transformadas em armazéns. Na guerra civil de Espanha de 1936-1939, os meus "camaradas" anarquistas cometeram, por força das circunstâncias é certo, actos de totalitarismo anti-religioso tradicional como a violação de freiras, queima de templos e exumação de cadáveres, etc.
É certo que um filósofo pode e deve proclamar-se ateu, se o entender. Mas é apenas uma visão metafísica particular. O problema de Deus ou dos deuses permanecerá sempre em aberto como um espaço residual para a reflexão filosófica. Na verdade, quem pode demonstrar que é palermice, irrealidade, a existência de Deus? O ateísmo de Desidério é uma petição de princípio (falácia): Deus não existe porque não se vê ou não se manifesta físicamente. Mas o mesmo sucede com certos tipos de átomos, ou com as partículas sub-atómicas, nas quais Desidério, supostamente crê, por força do condicionamento mental a que se submeteu.
É possível demonstrar a irracionalidade, a assistematicidade da divisão que Desidério Murcho fez, com os seus amigos (Aires Almeida, Pedro Madeira, Célia Teixeira, Paula Mateus, etc) das correntes sobre livre-arbítrio e determinismo no manual de 10º ano de Filosofia "A arte de pensar", imitando Simon Blackburn : determinismo radical, determinismo moderado ou compatibilismo, indeterminismo, libertarianismo. Já em artigo deste blog mostramos o magma de confusão do pensamento destes autores. Onde está aqui na "Arte de Pensar" a racionalidade que Desidério invoca? Não existe, ou existe mutilada. Um filósofo ateu pode ser estúpido e confuso, em certa medida; e um filósofo agnóstico ou mesmo um filósofo crente nos deuses pode ser inteligente superiormente, racional, luminoso. A crença ou não em Deus não é a pedra de toque da verdadeira racionalidade filosófica.
Não é possível provar a inexistência de Deus ou deuses. Aliás, Aristóteles e os cabalistas foram tão inteligentes na teorização de um Deus além de tudo, que o conceberam como pensamento puro, sem qualquer interferência no mundo material em que vivemos.
A FALSA QUESTÃO DOS FILÓSOFOS VIVOS CONTRA OS FILÓSOFOS MORTOS
A outra falácia de Desidério é dizer que combate a autoridade ilusória dos filósofos mortos, como se isso fosse a verdadeira filosofia. Mas Montesquieu, Rousseau ou Alexis de Tocqueville, teóricos da democracia liberal e da soberania popular, estão mortos. É isso motivo para condenar este regime? E Bertrand Russell, criador do atomismo lógico, da lógica proposicional que Desidério faz tanta questão de promover como a pedra de toque da verdade - lógica que tem vários erros formais, diga-se - está morto. Desidério defende portanto filósofos mortos - Bertrand Russel, McTagart, etc - contra outros filósofos mortos - Hegel, Platão, Heidegger, etc- mas esconde o facto.
É uma falsa questão opor os filósofos vivos aos filósofos mortos, porque as ideias filosóficas são perenes, reactualizáveis em qualquer época. Lembra os vendedores de aspiradores que proclamam que o modelo mais recente é melhor do que o modelo de há 2 anos ou de há 5 anos. No fundo, Desidério Murcho é um vendedor de "aspiradores teóricos": a sua teoria da preponderância da lógica interproposicional é uma aspiração metafísica, uma religião logicizada. Proclamando subversiva a filosofia, Desidério muito pouco tem de subversivo: o seu conservadorismo lógico, o seu desesperado agarrar-se à bíblia russel-fregiana da lógica, é expressão da insegurança de quem pensa pouco e, muitas vezes, mal, na galáxia da filosofia.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Um dos erros comuns a todos os manuais de Filosofia do 10º ano adoptados em Portugal - inclusive no manual de que é co-autor Desidério Murcho, o tal "pensador" que, com a habitual superficialidade que lhe é intrínseca, troça de Heidegger e das "filosofias do Ser" numa coluna no "Público" às 3ª feiras - é distinguir entre determinismo duro ou radical e determinismo moderado.
De facto, esta diferença não existe: há apenas determinismo, igual em intensidade, somente diferindo no campo de aplicação.
Assim, o determinismo "duro" é o determinismo sem livre-arbítrio. Mas ao contrário do que os autores de manuais em voga (Luis Rodrigues, Desidério Murcho, Aires Almeida, Pedro Galvão, Pedro Madeira, Amândio Fontoura, Catarina Pires, etc) sustentam, determinismo radical é diferente de fatalismo e não conduz ao fatalismo.
Isto porque os carris do deterninismo são relativamente largos e não excluem a possibilidade de descarrilamento de um "comboio" de acontecimentos, devido ao acaso que acompanha sempre o determinismo. O acaso é o «livre-arbítrio» possível da natureza, que introduz carácter aleatório nos factos encadeados entre si pelos fios do determinismo.
Exemplo: num mundo sem livre-arbítrio, uma trovoada intensa desencadeia-se sobre uma região; a queda de um raio, apesar de obedecer ao determinismo, tem algo de aleatório pois pode matar ou não um pastor que está no campo com as suas ovelhas; a morte ou não do pastor inflectirá, num sentido ou noutro, o destino da família do pastor, das ovelhas, etc. Assim,mesmo num mundo sem livre-arbítrio, não há destino absolutamente fixado (fatalismo). Este supõe, simultaneamente, a inexistência simultânea do livre-arbítrio e do acaso.
Por outro lado, o que os autores classificam de determinismo moderado - expressão ambígua - é apenas o determinismo coexistindo com o livre-arbítrio dos homens e animais.
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O Manual Filosofia 11º ano da Plátano Editora faz a seguinte crítica ao relativismo:
«2. O relativismo é contraditório. O relativismo é a teoria segundo a qual não há verdades universais e absolutas e e que, consequentemente, todas as verdades são relativas a indivíduos, a sociedades e a culturas. Uma forma rápida de colocar o relativismo em dificuldades é perguntar se esta afirmação é ela mesma relativa ou universal e absoluta. É que se é relativa, então é verdadeira apenas para os indivíduos, sociedades e culturas que a aceitam e falsa para todos os outros. Se pelo contrário, esta ideia não é relativa, mas universal e absoluta, então há verdades universais e absolutas. Em qualquer dos casos, o relativismo contradiz-se.» (Luís Rodrigues, Júlio Sameiro, Álvaro Nunes, Filosofia 11º ano, Plátano Editora, pag 182).
Como se desfaz o sofisma de Luís Rodrigues de que o relativismo é auto-contraditório? Distinguindo entre essência e existência do relativismo. A essência do relativismo - ou definição, diria Aristóteles - é absoluta. Mas a sua existência é relativa, isto é, varia de acordo com as épocas, lugares, povos, etnias, culturas, religiões, classes sociais, etc.
A definição de relativismo não faz parte do relativismo. É feita de fora. Logo, pode ser absoluta. Do mesmo modo que uma fotografia ( "absoluto imóvel") de uma pessoa não faz parte do corpo vivo, em movimento dessa pessoa (relativo), é feita desde fora.
O relativismo é contraditório na medida em que a vida, a realidade é em si mesma contraditória. Mas em si mesmo, no plano teórico, não há contradição alguma em professar o relativismo, este tem uma consistência fixa como definição, como ideia que engloba as variações.
As ciências empíricas e as ciências hermenêuticas são relativistas, isto é, postulam leis e casos que são verdades relativas, válidas apenas em determinado contexto. Por exemplo, a lei da gravidade terrestre é anulada a partir de um determinado ponto do espaço sideral em que a lei da gravidade lunar se faz sentir com igual intensidade: um corpo colocado nessa zona, em vez de cair para a Terra, começa a circular como um satélite em torno desta. Também as liberdades, direitos e garantias constitucionais de uma democracia liberal são suspensas ou suprimidas em caso de guerra ou ataque terrorista em larga escala ou revolução popular armada. Isto é relativismo político-jurídico. Onde está a contradição, senão na mudança de circunstâncias? Ser relativista na apreciação dos factos é uma obrigação de quem analisa a realidade com espírito de verdade.
O relativismo é o modo de ser das ciências. E se elas contêm algo de "absoluto", de fixo e imutável, esse "absoluto" só é válido dentro de certos limites. O Manual de Luís Rodrigues, Júlio Sameiro e Álvaro Nunes revela uma incompreensão sobre o carácter essencialmente relativista do conhecimento humano, em particular do conhecimento científico.
RELATIVISMO É COMPATÍVEL COM OBJECTIVISMO
No manual "Filosofia 11º ano", de Luís Rodrigues, afirma-se o seguinte sobre o relativismo:
«Não há factos filosóficos ou verdades objectivas em filosofia, mas unicamente interpretações (parece ser isto o que se entende por plurivocidade da verdade).» (Luís Rodrigues, Filosofia 11º ano, Platano Editora, pag 292).
Isto exprime a nuvem de confusão extraordinária em que flutuam Luís Rodrigues e outros autores da mesma escola de pensamento. Relativismo significa que a verdade objectiva varia conforme as épocas, lugares, mas não deixa de ser objectiva, isto é, igualmente patente a todos. Não há incompatibilidade nenhuma entre relativismo e objectivismo. Eis um exemplo: a côr do céu muda consoante as horas do dia ( relativismo) - rósea ou alaranjada ao nascer do sol, azul nas horas seguintes, rósea ou alaranjada ao pôr do sol- e no entanto, a cada hora, é objectivamente percebida por toda a gente com a mesma tonalidade (objectivismo.)
Luis Rodrigues confunde objectivismo com imutabilismo da verdade ou absolutismo gnosiológico. Mas objectivismo não se restringe a isso, inclui o relativismo científico e filosófico dogmático.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O Manual português "Um Outro Olhar sobre o Mundo" do 11º Ano de Filosofia contém um certo número de confusões conceptuais. Vejamos algumas.
O APRIORISMO CONSISTE EM PRODUZIR CONHECIMENTOS FORA DA EXPERIÊNCIA
«O apriorismo defende que os conhecimentos provêm da sensibilidade e do entendimento, capacidades a priori do sujeito que actuam numa matéria que lhes é exterior.» (Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34; o bold é nosso).
Eis uma confusa definição de apriorismo. Podemos dizer que o empirismo defende que os conhecimentos provêm da sensibilidade - ou da sensibilidade e do entendimento - mas isso não faz dele um apriorismo.
A priori quer dizer, antes da experiência e independentemente desta. Ora isto é omitido na definição. Não se percebe na definição a frase: «Capacidades que actuam numa matéria que lhes é exterior...» Os autores visavam, decerto, definir apriorismo a partir da teoria de Kant. Mas engendram confusão, nada mais que confusão.
DOGMATISMO : EMPIRISTA E RACIONALISTA
Diz ainda o manual:
«O dogmatismo considera que o homem tudo pode conhecer, mesmo em áreas em que não é possível a observação.» (Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34).
Esta é uma definição imperfeita do dogmatismo, teoria que afirma o conhecimento baseado em certezas. Há um dogmatismo racionalista e metafísico que se adequa à definição dada, mas há um dogmatismo empirista que dela fica excluído. O dogmatismo empirista, como por exemplo, o positivismo lógico não concebe que o homem possa conhecer tudo: a metafísica é um domínio incognoscível, «sem sentido» verificável.
DESCARTES E LEIBNIZ NÃO TENDEM PARA O DOGMATISMO?
Em um dos exercícios propostos neste manual pergunta-se o valor de verdade da seguinte frase:
«2. Descartes e Leibniz são pensadores com tendência para o dogmatismo».
(Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34; )
E na página 165 vem a resposta: assegura-se que a proposição "2" é falsa...
Então Descartes, sem embargo de gerar a dúvida hiperbólica, não tem tendência para o dogmatismo? Postular que o mundo se baseia em duas substâncias - res cogitans e res extensa - não é dogmatismo? É óbvio que é.
E Leibniz não foi dogmático, ao teorizar as mónadas, unidades indivisíveis dotadas de percepção, como os constituintes elementares da realidade? É óbvio que foi.
Então, ao contrário do que sustenta o manual, Leibniz e Descartes foram criadores de sistemas filosóficos dogmáticos, apesar de manejarem o cepticismo.´
Há demasiada superficialidade no modo como este manual concebe e utiliza estes conceitos filosóficos.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual português " A arte de pensar" para o 11º ano de Filosofia, da Didáctica Editora, tem os seus méritos e deméritos. Entre estes, avulta uma característica ideológica que percorre todo o manual: o seu antimarxismo e a censura que objectivamente faz sobre as filosofias de esquerda (marxismo, anarquismo, internacional situacionismo, parte do surrealismo, grande parte do ecologismo, etc) e as críticas destas à sociedade capitalista, ao conceito e ao ritmo de desenvolvimento tecnocrático-industrial e à ciência como expressão ideológica e política das classes dominantes.
Encontra-se algum texto de Marx, neste manual, que contenha a crítica à alienação política, económica, social e cultural dos trabalhadores sob a dominação capitalista e pré-capitalista? Encontra-se algum texto de Paul Feyerabend criticando a medicina alopática (química) erigida em "verdade única" no sistema de saúde, a arrogância dos físicos galardoados com o Nobel ao recusar discutir a influência possível dos astros na vida humana com os defensores da Astrologia?
Há milhares de textos excelentes para despertar a verve filosófica dos alunos na área da crítica da ciência, da ideologia dominante e do modelo social vigente- de Guy Debord, de Marx e Engels, de Paul Feyereband, de Michael Foucault, de Jean Baudrillard, etc- dos quais nem um só é citado pela "Arte de Pensar". Politicamente, este manual convém ao CDS, ao PSD e à ala direita do PS - e não se pense que estamos a exagerar, porque a política está subjacente aos programas de filosofia aprovados pelo ministério, aos manuais e seus autores. Só quem fôr ingénuo atendo-se ao lema de que "filosofia não tem a ver com política" discordará de nós.
A filosofia não serve essencialmente para transmitir a lógica proposicional que, por si mesma, é incapaz de ensinar a pensar correctamente. Serve para pensar em todos os domínios e ajudar a transformar o mundo ou, pelo menos, o indivíduo.
UMA VISÃO INCORRECTA DO QUE É O PRAGMATISMO
Um exemplo de confusão neste manual é o conceito que têm de pragmatismo e a crítica a esta teoria:
«Críticas à teoria pragmatista
1. Verdade e utilidade nem sempre se conjugam. Há acções baseadas em crenças verdadeiras que são manifestamente prejudiciais e acções baseadas em crenças falsas que, por acaso ou não, proporcionam resultados desejáveis. Além disso, do facto de ser frequentemente útil adoptar ideias verdadeiras, não se segue que elas sejam verdadeiras por serem úteis. Pelo contrário, parece que só podem ser úteis precisamente por serem verdadeiras.» (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia 11º ano, Didáctica Editora, pag 266; o bold é nosso).
Está presente aqui uma deturpação do conceito de pragmatismo, reduzindo-o à identidade verdade-utilidade. Ora para o pragmatismo, a verdade não engloba apenas utilidade empíricamente provada mas também a inutilidade empiricamente comprovada. Exemplo: muitos pragmatistas nunca concordaram com a "utilidade" definida pelo governo de Truman, dos EUA, de lançar duas bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasáqui, em 6 e 9 de Agosto de 1945; no entanto, aceitaram como verdadeiros esses factos, não só inúteis como terrivelmente nefastos para o povo japonês e a humanidade em geral.
Nunca os pragmatistas afirmaram que as ideias úteis se tornam ou são necessariamente verdadeiras. Se assim fosse, a metafísica religiosa, útil para a tranquilidade de milhões de pessoas, seria verdadeira, o que William James negou, colocando-a sob a cortina de nevoeiro do cepticismo.
O manual "A arte de pensar" obscurece ou ignora a faceta empírica do pragmatismo, destacando a faceta utilitarista ( que não é o mesmo que a empírica). Não compreendeu, pois, o que é o pragmatismo.
William James escreveu:
«El pragmatismo representa una actitud perfectamente familiar en filosofía, la actitud empírica; pero la representa, a mi parecer, de un modo más radical y en una forma menos objetable. (...) Se aleja de abstracciones e insuficiencias, de soluciones verbales, de malas razones a priori, de principios inmutables, de sistemas cerrados y pretendidos "absolutos" y "orígenes". Se vuelve hacia lo concreto y adecuado, hacia los hechos, hacia la acción y el poder. Esto significa el predominio del temperamento empirista y el abandono de la actitud racionalista. Significa el aire libre y las posibilidades de la Naturaleza contra los dogmas, lo artificial y la pretensión de una finalidad en la verad.» (William James, Pragmatismo, Folio, pag 49).
Não há aqui nenhuma identificação entre utilidade e verdade, tese não pragmatista contra a qual a "Arte de Pensar" esgrime lanças.
PRAGMATISMO CONDUZ AO RELATIVISMO (ANEXO A CEPTICISMO)?
E prossegue o manual "A arte de pensar":
«2. Conduz ao relativismo. O pragmatismo implica o relativismo, na medida em que, para algumas pessoas, pode ser útil acreditar numa coisa e, para outras pessoas, pode não ser útil acreditar nessa mesma coisa. Nesse caso, o que é verdade para uns pode ser falso para outros, o que não é fácil de explicar.» (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia 11º ano, Didáctica Editora, pag 266; o bold é nosso).
O pragmatismo implica o relativismo? Não necessariamente. O método pragmatista, isto é, da análise do mundo empírico e definição de soluções práticas, é compatível com o absolutismo de valores. Oliveira Salazar, por exemplo, era um político pragmático, movia o xadrez da sua política sem metafísica - é duvidoso que acreditasse em Deus, apesar do seu passado como dirigente do Centro Académico de Democracia-Cristã em Coimbra, na 1ª República Portuguesa - mas tinha valores absolutistas (para ele, «o bem corporiza-se nos regimes monárquicos ditatoriais, ou republicanos fascistas e o mal encarna nos regimes de democracia liberal ou de ditadura comunista ou anarquista e nos antitradicionalistas em geral»).
Seria, aliás, de precisar o que os autores de "A arte de Pensar" entendem por relativismo. E, já o sabemos de "A arte de pensar, 10º ano de Filosofia" , concebem relativismo como a teoria que sustenta que, uma vez que há diferentes posições sobre a mesma matéria (casamento, divórcio, religião, política, etc), todas valem o mesmo. Hilary Putnam, Richard Rorty e outros "notáveis filósofos" caem no poço do mesmo erro: definem relativismo desembocando em cepticismo... Ora há um relativismo em que todas as teorias têm diferentes valores entre si, o que os autores de "A arte de pensar" ignoram.
A frase: «o que é verdade para uns pode não ser verdade para outros, o que não é fácil de explicar" é de uma candura pré-filosófica tal que faz sorrir. Qualquer pessoa intui que os homens estão envolvidos em redes sociais que os opõem uns aos outros e que a "verdade dos "vencedores não é a "verdade dos vencidos"...
O PRAGMATISMO NÃO É UMA TEORIA SOBRE A NATUREZA DA VERDADE?
Terceira frágil crítica de "A arte de pensar" ao pragmatismo:
«3. Não é uma teoria àcerca da natureza da verdade. A teoria pragmatista não chega realmente a explicar-nos o que é a verdade, limitando-se apenas a indicar o que é verdadeiro. Por exemplo, apercebemo-nos que estamos perto de uma escola quando vemos crianças com pastas e mochilas, mas isso não quer dizer que "escola" signifique "local em que se podem ver crianças com pastas e mochilas». Ora, indicar o que é verdadeiro, sem nos esclarecer acerca da natureza da verdade é confundir o modo de descoberta da verdade - domínio da epistemologia - com a verdade - domínio da metafísica.(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia 11º ano, Didáctica Editora, pag 266; o bold é nosso).
É um erro dizer que o pragmatismo não é uma teoria sobre a verdade. É, de facto, uma teoria sobre o lado empírico da verdade, da verdade para nós, da manifestação sensorial e observável desta. O pragmatismo opta pela «verdade do lado de cá, visível» em detrimento da «verdade do lado de lá, invisível».
Ademais, a epistemologia não é meramente um modo de descoberta da verdade - é a verdade nos quadros da ciência - e tão pouco a verdade (em geral) é domínio da metafísica, mas sim a verdade última, profunda.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Há que notar que não se encontra aqui uma definição geral de fenomenologia mas várias definições, quase só nominais, entre as quais não se vislumbra claramente o denominador comum..Ademais, o termo fenomenologia realista é contraditório, no sentido ontológico: a fenomenologia supõe uma ontologia que não é nem realista nem idealista, mas um "intermédio" entre ambos. Se é realismo, deixa de ser fenomenologia e vice-versa.
Nenhum dos programas de filosofia no ensino em Portugal, e sobretudo nenhum dos manuais de filosofia para o ensino secundário publicados, consegue dar uma definição geral e correcta de fenomenologia. O que prova que não são os pensadores profundos quem comanda o aparelho mediático e editorial da filosofia ensinável em Portugal.
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O Dicionário Escolar da Plátano Editora, disponível na internet, define deste modo o argumento de redução ao absurdo: redução ao absurdo "Um argumento com a seguinte forma: "P; de P segue-se um absurdo; logo, não P". Por exemplo: "Eu não existo; mas se não existo, não posso estar a pensar isto, o que é falso, dado que estou evidentemente a pensar; logo, eu existo". O absurdo que se segue da primeira premissa pode ser uma contradição com a forma "Q e não Q" e na lógica formal tem de ser uma contradição. Mas na argumentação informal o absurdo pode ser apenas uma falsidade evidente, ou uma afirmação que de algum modo contradiz a primeira premissa: "Todas as verdades são relativas; mas isto é absurdo porque nesse caso essa mesma verdade seria relativa e, se for relativa, nem todas as verdades são relativas; logo, nem todas as verdades são relativas". D.M. (o bold é de nossa autoria)
Na verdade, pode suceder que todas as verdades sejam relativas, isto é, variem, em quantidade ou qualidade, na sua relação com coisas, ideias, juízos. Quem pode provar a existência do absoluto? É uma abstracção. Se tudo se move e se transforma, onde está o absoluto? É como a fotografia: fixa a forma de um rosto num dado instante mas 30 anos depois esse rosto transformou-se a ponto de não ser reconhecível na foto inicial.
Dizer que todas as verdades são relativas não contém nenhum absurdo. Aliás, uma coisa pode ser relativa a outras e absoluta em si mesma: o absoluto é o isolamento, a permanência isolada. O número um é uma verdade absoluta, em si mesma, e relativa na sua conexão com outros: um é metade de dois, é a quinta parte de cinco, é a trigésima parte de trinta, etc. O facto de todas as verdades serem relativas não significa serem relativas em todos os planos.
Há uma dimensão de absoluto em cada coisa e há dimensões de relativo nela. A existência de Deus como espírito universal sem corpo físico é relativa: Deus pode existir para os homens mas não para o mundo físico- e teríamos assim conciliado o espiritualismo e o materialismo. A existência da matéria é relativa: ela pode existir para a humanidade, que a percepciona sobretudo através da sensação de duro-mole, mas pode não existir para uma raça extraterrestre que a trespasse com a facilidade com que atravessamos a luz a cada momento - e teríamos assim conciliado o realismo e o idealismo..
A própria matemática pode ser relativa: quem garante que a operação 22+22 igual a 44 é real noutra dimensão e para outra raça cósmica? Porque não poderá haver uma raça que reduza todas as operações matemáticas a sete ou dez números apenas e exclua o infinito?
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Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica