Um dos melhores livros de filosofia do século XX é «O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos», de René Guénon. Aí se esgrimem as teorias platónica e aristotélica da forma e da matéria, com uma clareza dialéctica que hoje os filósofos da moda, anglo-saxónicos ou outros, não possuem. Guénon separa rigorosamente a forma ou essência da substância ou matéria. Subverte a terminologia aristotélica porque, nesta, o termo substância designa, em primeira mão e em regra, forma mais matéria. Embora invocando Tomás de Aquino, Guénon, numa posição platónica, desvia-se do Aquinate.
São Tomás sustentou que há cinco tipos de matéria:
1) A matéria-prima indeterminada, que é ser em potência, e não possui qualidade alguma. É uma matéria absolutamente abstracta, que ainda é nada. Só a forma actualizará esta matéria-prima (género) em matéria sensível e inteligível (espécie). Esta continuará em potência para a formação do indivíduo, da ousía (substância individual).
2) A matéria comum sensível que é a textura da espécie - o constituinte interno, a argamassa de algo, sem forma configuradora - (exemplo: a humidade e o grau de frio da água constituinte do conceito de água do mar; o calor do fogo, matéria constituinte do conceito de labareda). É a parte «informal» da essência ou espécie de algo. É uma matéria abstracta.
3) A matéria comum inteligível que é a textura das formas matemáticas como a superfície do círculo, o conteúdo volumétrico da esfera. É uma matéria abstracta .
4) A matéria individualizada, designada, ou matéria delimitada, isto é, o corpo físico que resulta da união entre o conceito (matéria comum inteligível: por exemplo, a ideia de homem) e a matéria física ( exemplo: Sócrates é este homem de carne e osso, com dimensões bem definidas, resultante da união da essência sensível-inteligível homem com o plano da matéria real). É o princípio da individuação. É a matéria concreta, palpável, visível.
5) A matéria inteligível individual, isto é, a forma individual de cada corpo, abstraindo da côr, som, cheiro, consistência,etc, que se encontra, a meu ver, no plano conceptual. Exemplo: «Esta forma do edifício do Mosteiro dos Jerónimos, antes de plasmar-se na matéria, forma diferente de todos os outros mosteiros, isto é, da espécie».
Ora Guénon, tal como Platão, «suprime» a matéria não-delimitada ou matéria comum sensível-inteligível, uma vez que a considera pura forma intelectual. Mas se o próprio São Tomás designa como matéria segunda a matéria física, deve existir uma matéria terceira que nem o Aquinate nem Guénon nomeiam desse modo, embora a intuam: a espécie, a textura ou componente interna do conceito específico, comum, de um ente material (como por exemplo: árvore, homem, casa), conceito que é a união da forma (matéria inteligível) e de uma matéria sensível comum (abstracta).
A matéria comum sensível e a matéria comum inteligível, que não são a matéria prima indeterminada pois, ao contrário desta, já possuem uma forma, são definidas com nitidez na seguinte passagem da Suma Teológica:
«Creyeron algunos que la especie del objecto natural es solamente la forma, y que la materia no es parte de la especie. Pero, según esto, no entraría la materia en la definición de los seres naturales.Hay que distinguir más bien dos clases de materia, a saber, la común y la determinada o individual. Es materia común, por ejemplo, la carne y los huesos; e individual, esta carne y estos huesos. Pues bien, el entendimiento abstrae de la materia sensible individual, no de la materia sensible común. Así abstrae la espécie de hombre de esta carne y de estos huesos que, como dice el Filósofo, no pertenencen a la esencia de la especie, sino son partes del individuo, no entrando, por lo mismo, en su noción esencial. No puede el entendimiento, en cambio, abstraer la especie de hombre de la carne y de los huesos.»
«Sin embargo, el entendimiento puede abstraer las especies matemáticas no sólo de la materia sensible individual, sino también de la común; aunque no de la materia inteligible común, sino solamente de lo individual. Se llama, en efecto, materia sensible a la materia corporal en cuanto sujeto de cualidades sensibles, como el calor, el frío, la dureza, la blandura, etc; y materia inteligible a la substancia en cuanto sujeto de la cantidad. Ahora bien, no cabe duda de que la cantidad le sobreviene a la substancia antes que las cualidades sensibles. Por eso las cantidades - como números, dimensiones y figuras, que son sus límites - pueden ser consideradas sin las cualidades sensibles, lo cual es abstraerlas de la materia sensible; mas no pueden concebirse sin referencia a la sustancia sujeto de la cantidad, lo cual sería abstraerlas de la materia inteligible común. Sin embargo, no es preciso la referencia a esta o aquella sustancia; lo que equivale a abstraerlas de la materia inteligible individual».
(Santo Tomás de Aquino, Suma teológica, CUESTION 85, Artículo 1; o bold é de minha autoria)
Está aqui explícita a súmula da teoria das qualidades primárias ou reais nos objectos(forma, tamanho, número) e das qualidades secundárias ou irreais nos objectos(côr, cheiro, sabor, dureza, frio/calor, etc) que Descartes e John Locke (re)formularam séculos mais tarde.
A MATÉRIA DESIGNADA É A MATERIA SECUNDA ?
Criticando a imprecisão do conceito de matéria dos físicos modernos, René Guénon escreveu:
«Podemos perguntar agora, pondo de parte a pretensa "inércia da matéria", que no fundo, não passa, de um absurdo, se essa mesma "matéria" dotada de qualidades mais ou menos bem definidas que a tornariam susceptível de se manifestar aos nossos sentidos, é a mesma coisa que a materia secunda do nosso mundo tal como a entendem os escolásticos. Podemos já duvidar que uma tal assimilação seria inexacta se repararmos que, para ter um papel relativamente ao nosso mundo análogo ao da materia prima ou da substância universal relativamente a qualquer manifestação, a materia secunda não deve, de modo nenhum, ser manifestada neste mundo, mas servir exclusivamente de "suporte" ou de "raíz" ao que se manifesta nele, por conseguinte, as qualidades sensíveis não lhe podem ser inerentes, mas procedem, pelo contrário, de "formas" recebidas em si, o que mais uma vez significa que tudo o que é qualidade deve ser posto em relação com a essência.» (René Guénon, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, Publicações Dom Quixote, pag 23; o bold é nosso).
Isto parece-nos racional: a matéria secunda como, por exemplo, as essências fogo, água, madeira, pedra, existe no abstracto, como potência para a "materialização" deste fogo aceso que queima, desta água onde molho as mãos, desta pedra e desta madeira que toco. Mas Guenón nega qualidades sensiveis a essas essências ao passo que Tomás de Aquino teorizou a matéria comum sensível, isto é, essências ou espécies dotadas de côr, som, cheiro, dureza. Há aqui uma contradição terminológica: o sensível existe na essência supra-física ou apenas na matéria física?
Guenón sustenta que São Tomás classificou a matéria física designada, (matéria signata) como materia secunda:
«A materia secunda não deve, no entanto, ser desprovida de determinação, porque se assim fosse confundir-se-ia com a própria materia prima na sua completa indistinção...É necessário, pois, precisar qual a natureza desta determinação, e é o que faz Tomás de Aquino ao definir a materia segunda como materia signata quantitate » (René Guénon, ibid, pags 23-24).
Será deveras assim? A nosso ver, a matéria designada na quantidade (exemplo: este corpo de 1,80 metros de altura, mãos finas, rosto pálido e olhos azuis com X medidas...) é a matéria terceira, não a segunda.
São Tomás escreveu:
«Por isso há que ter em conta que a matéria é princípio de individuação, não tomada de qualquer maneira mas só como matéria designada (signata). Chamo matéria designada à matéria enquanto considerada sob certas dimensões. Esta matéria não entra na definição de homem , mas entraria na definição de Sócrates se Sócrates tivesse definição. Na definição de homem põe-se a matéria não designada;assim, não pomos na definição de homem estes ossos e esta carne, mas sim ossos e carne em geral, que são a matéria não designada do homem....(São Tomás de Aquino, Sobre o ser e a essência; o negrito é nosso)
Aparentemente, há uma falha de numeração na hierarquia da matéria. E note-se a ambiguidade do termo matéria: ora é a substância não física, ideia (matéria comum, sensível ou inteligível) ora é a substância física, palpável e visível (matéria signata, designada, determinada ou delimitada). Para a terminologia de hoje, a linguagem de Aquino que, sem embargo, é um magnífico pensador, suscita a confusão entre os conceitos de matéria ( género ou materia prima e espécie ou materia secunda) e a matéria real existente (materia designada ou delimitada e, a nosso ver... materia tertia).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
René Guénon distinguiu dois polos da existência: o polo essencial, superior, das formas puras, e o polo substancial, da matéria-prima indeterminada. Segundo Guénon, o mundo da Tradição (até ao final da Idade Média) situava-se no polo essencial ao passo que o mundo Moderno, iniciado com o Renascimento, e prosseguido com a Idade Moderna de Descartes, o Século das Luzes e os últimos dois séculos de industrialismo, materialismo e individualismo, centra-se no polo substancial.
Guénon opõe como contrários a qualidade (essência) à quantidade (substância) - numa antinomia que não é perfilhada por escolásticos de ascendência aristotélica como São Tomás de Aquino que incluía a substância dentro da essência. O próprio Aristóteles sustentava a posição de que a substância é um composto de essência (forma comum) e de matéria-prima, informe, o que não coincide com a posição de Guénon. Escreveu este:
«É necessário fazer uma distinção nítida entre dois pontos de vista que estão ligados respectivamente aos dois polos da existência: se se diz que o mundo foi formado a partir do "caos", é porque se encara unicamente sob o ponto de vista substancial, e então é preciso considerar este começo como intemporal, porque, evidentemente, o tempo não existe no "caos", mas só no "cosmos". Se quisermos, pois, referir-nos à ordem de desenvolvimento da manifestação que, no domínio da existência corporal e pelas condições que a definem, se traduz por uma ordem de sucessão temporal, não é deste lado que devemos partir, mas pelo contrário, do lado do polo essencial, cuja manifestação, de acordo com as leis cíclicas, se afasta constantemente para descer até ao polo substancial. A "criação", enquanto "resolução" do caos, é, de certo modo, "instantânea", e é propriamente o Fiat Lux bíblico; mas o que está verdadeiramente na origem do "cosmos", é a própria Luz primordial, isto é, o "espírito puro" no qual estão as essências de todas as coisas; e, a partir daí, o mundo manifestado só pode efectivamente baixando cada vez mais até à "materialidade".»
(René Guénon, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, Publicações Dom Quixote, pag 80).
O ponto de vista de Guenón é, obviamente, o de Sócrates e Platão, segundo os quais o Espírito é a causa do mundo, opondo-se às filosofias de Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Anaxágoras e outros que afirmam um ou vários princípios materiais (água, ar, fogo, terra, etc) como causa do universo.
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Heidegger negou a verdade como correspondência entre um sujeito e um objecto:
«El proferir una proposición es un "ser relativamente a la cosa", al ente mismo. Y¿que és lo comprobado por la percepción? No otra cosa sino que el ente es el mismo ente que estaba mentado en la proposición. Lo verificado es que el "ser , profiriendo una proposición, relativamente al "objecto" de la proposición" es un mostrar el ente; lo verificado es que tal ser descubre el ente relativamente al cual es. Comprobado es el "ser descubridor" de la proposición. En el proceso de la comprobación, el conocer se refiere constante y únicamente al ente mismo. En éste transcurre, por decírlo así, la verificación. El ente mentado mismo se muestra tal como es en sí mismo, es decir, muestra que él es en su identidad tal como en la proposición referida se muestra, se descubre que él es. No se comparan representaciones, ni entre sí ni en referencia a la cosa "real". La comprobación no entraña una concordancia del conocer y el objecto, ni menos de lo psíquico y lo físico, pero tampoco entre "contenidos de consciencia" unos con otros. La comprobación entraña únicamente el "ser descubierto" del ente mismo, él en el "como" de su "estado de descubierto".» (Martin Heidegger, «El Ser y el Tiempo», pags. 238-239, Fondo de Cultura Económica, Madrid, 2001; o destaque a negrito é acrescentado por nós).
Que significa proferir uma proposição é um ser relativamente à coisa?
Significa, pelo menos duas coisas, na nossa interpretação:
1º) A proposição leva dentro o ser. Exemplo: ao dizer "a folha de couve é verde" , o ser está contido ou implicado no é.
2º) A proposição é ser descobridor de ser, isto é, funde-se com a própria verdade do ser e não pode errar. É um ser verbal que mostra o ser e o ente não verbais - note-se que ser e ente, em Heidegger, não significam o mesmo; por exemplo: as árvores, o céu e as casas são entes mas não são "o ser", integram-se ou são abrangidas na «malha» do ser. Desaparecem assim a ontologia realista, baseada no dualismo sujeito objecto - base da teoria da correspondência da "mente" e do "objecto exterior"- , e a ontologia idealista, baseada no dualismo ideia/ mente percepcionante. No fundo, é a pretensão fenomenológica de fundir o sujeito com o objeto exterior à consciência de modo a fazer desaparecer a representação, a correspondência entre o objeto e a sua imagem na consciência-espelho.
Mas o carácter de "ser descobridor de ser e do ente" não existe em todas as proposições. Se existisse, não haveria doutrinas erróneas. Só existe nalgumas.
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René Guenón (1886-1951), filósofo da Tradição contra o espírito do Mundo Moderno, sustenta, na linha de São Tomás de Aquino, que é a quantidade que permite a materialização das essências ou formas espirituais.
Tomás de Aquino distingue a matéria prima - potência pura, a substância indeterminada inexistente em acto - e a forma (por exemplo: o homem, em abstracto), por um lado, da matéria determinada ou designada (materia signata quantitate, que é o composto, na filosofia aristotélica. Por exemplo: este homem, com 1,80 metros de altura, nariz aquilino, ombros largos é matéria designada (informada) que resulta da união entre a forma (imaterial) e a matéria indeterminada (inexistente), por outro lado. É pelo número que a forma se plasma na matéria mas há dois conceitos de número:
«Outra questão se levanta ainda : a quantidade apresenta-se-nos de modo diferente, nomeadamente a quantidade descontínua, que é propriamente o número (2), e a quantidade contínua, que é representada principalmente pelas grandezas de ordem espacial e temporal; qual é, de entre estes modos, o que constitui mais precisamente aquilo a que poderemos chamar a quantidade pura? Esta questão também tem a sua importância, tanto mais que Descartes, base de boa parte das concepções filosóficas e científicas especificamente modernas, quis definir a matéria pela extensão, e fazer desta definição o princípio de uma física quantitativa que, se ainda não era "materialismo", era, pelo menos, "mecanicismo"; é que poderíamos ser tentados a concluir que a extensão, porque é directamente inerente à matéria, representa o mundo fundamental da quantidade.»
Nota 2) « A noção pura do número é essencialmente a do número inteiro, e é evidente que a continuação dos números inteiros constitui uma série descontínua; todas as extensões que esta noção tem recebido e que deram lugar à consideração dos números fraccionários e dos números não mensuráveis, são verdadeiras alterações e, na realidade, representam unicamente os esforços que foram feitos para reduzir o mais possível os intervalos do descontínuo numérico, a fim de tornar menos imperfeita a sua aplicação à medida das grandezas contínuas.»
(René Guénon, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, Publicações Dom Quixote, pag. 24-25, o bold é da minha autoria).
Deve ter-se em conta o facto de na concepção pitagórica do mundo, o número não ser meramente aritmético mas também geométrico: o Um designa o ponto, o Dois a recta, o Três o plano e o Quatro o tetraedro. Há pois, um aspecto qualitativo-formal na noção tradicional de número.
Nota de rodapé: As reflexões de René Guenón nesta matéria estão muito acima das vulgaridades de um Fernando Savater, de um Neil Warburton, de um James Rachels, de um Peter Singer que são, hoje, os filósofos da moda para a grande maioria dos professores de filosofia nas escolas públicas dos países da Europa ocidental e central ou dos EUA.
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Para Levinas, a representação, isto é, o conhecimento empírico («A paisagem que vejo, a música de Bach que ouço») e empírico-racional (exemplo: «A conceptualização da pele da pessoa que vejo, da circulação de fluido nos vasos sanguíneos e a caveira que imagino que tem dentro») dá-se no instante presente, fora do tempo, utilizando a memória de experiências passadas.
« A representação é a espontaneidade pura, embora aquém de toda a actividade. De maneira que a exterioridade do objecto representado se apresenta à reflexão como o sentido que o sujeito representante empresta a um objecto, ele próprio redutível a uma obra de pensamento.» (Emmanuel Levinas, Totalidade e Infinito, Edições 70, Lisboa, 1988, pag. 110).
«No próprio momento da representação, o eu não é marcado pelo passado, mas utiliza-o como um elemento representado e objectivo. Ilusão? Ignorância das suas próprias implicações? A representação é a força de uma tal ilusão e de tais esquecimentos. A representação é puro presente. A posição de um puro presente sem ligação, mesmo tangencial com o tempo, é a maravilha da representação. Vazio do tempo que se interpreta como eternidade. E, certamente, o eu que conduz os seus pensamentos devém (ou, mais exactamente, envelhece) no tempo em que se desenrolam os seus pensamentos sucessivos, através dos quais pensa no presente. Mas o devir no tempo não aparece no plano da representação: a representação não comporta nenhuma passividade. O Mesmo que se refere ao Outro rejeita o que é exterior ao seu próprio instante, à sua própria identidade, para reencontrar no instante, que a nada se deve pura gratuidade tudo o que tinha sido rejeitado, como «sentido emprestado», como noema.» (ibid, pag110).
Assim, para Levinas, a representação actual - o que vejo, sinto, sem pensar, neste mesmo instante- encontra-se fora do tempo, na medida em que está «isenta» de sucessão de momentos, oferece-me a plena realidade. O tempo surge então como reflexão, pensamento. É muito discutível. Aparentemente, Levinas substituiu no dualismo de Bergson - o espaço exterior, quantidade pura / o tempo interior, qualidade pura - o espaço e os corpos materiais nele inscritos pela representação. Ou no triadismo de Platão, substitui o mundo superior das ideias pela representação, imóvel, pura, separada do mundo do Semelhante, onde o tempo e os movimentos dos astros subsistem.
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Para designar realismo natural ou ingénuo, isto é, doutrina segundo a qual a mente humana apreende sensorialmente o mundo exterior da matéria tal como ele é, alguns epistemólogos empregam o termo «realismo directo».
É o caso de Dancy, que escreveu (o negrito é nosso):
«O realismo directo defende que na percepção dos sentidos estamos directamente conscientes da existência e natureza do mundo físico que nos rodeia. Todos os realistas directos concordam acerca disto, do carácter directo das coisas. Diferem, todavia, no grau de realismo que estão dispostos a abraçar. O realista, no nosso sentido presente, defende que os objectos físicos são capazes de existir e retêm pelo menos algumas das propriedades que apreendemos terem, mesmo quando inapreendidos. A frase crucial é «pelo menos algumas» , e a questão é saber exactamente quais. Distinguiremos dois tipos de realismo, o ingénuo e o científico; dependendo da natureza do caso, contudo, pode haver muitas posições intermédias possíveis.»
«O realista directo ingénuo defende que os objectos inapreendidos são capazes de reter propriedades que apreendemos terem. Com isto, ele quer dizer que um objecto inapreendido pode ainda ter não só uma forma e tamanho mas também ser quente ou frio, ter uma cor, um gosto ou um cheiro, ser rugoso ou liso e fazer barulho ou ser silencioso. A ingenuidade desta posição está na palavra «todos». A posição torna-se menos ingénua à medida que «todos» se reduz a «quase todos» e depois a uma «maior parte» e assim por diante, mas é para nós mais simples vê-la no caso mais completo e mais extremo.»
«Oposto à forma ingénua de realismo directo, está o realismo directo científico. Esta versão científica considera que a ciência demonstrou que os objectos físicos não retêm, quando inapreendidos, todas as propriedades que apreendemos terem; pois a existência dessas propriedades depende da existência de um sujeito percipiente. Assim a cor, o gosto, o som e o cheiro não são propriedades independentes do objecto que ele possa reter inapreendido. O objecto só as possui em relação ao sujeito percipiente. O realista directo científico aceita o carácter directo da nossa percepção do mundo, mas restringe o seu realismo a um grupo especial de propriedades.»
«A distinção elaborada está próxima da distinção de Locke entre qualidades «primárias» e secundárias (ver J.Locke, 1961, Lv. 2, cap. 8). Locke defendia que as qualidades primárias da forma, tamanho, textura molecular e movimento têm um status diferente das qualidades «secundárias» como a cor, o calor, o cheiro, o gosto, etc (poderíamos chamar a estas propriedades «sensoriais»). ( Jonathan Dancy, Epistemologia Contemporânea, Edições 70, pag. 186-187).
O problema de Dancy é o de falta de espírito de síntese, de uma arquitectónica de pensamento dialéctica: aquilo que designa por realismo directo científico não é directo, mas indirecto porque é científico, isto é, porque descobriu que a cortina das cores, sons, cheiros, etc, não permite ver directamente o objecto físico exterior que é despido destas qualidades secundárias. Ele mesmo afirma que o realista científico «restringe o seu realismo (directo, subentende-se) a um grupo especial de propriedades» - por outras palavras, é um realista indirecto.
O mais grave é que Dancy duplica as definições a partir de diferenças milimétricas que, de facto, não existem: fala em realismo directo, ingénuo e natural; e em realismo indirecto, ingénuo e natural. É uma obscuridade de pensamento disfarçada num vasto entrançado de definições, com bifurcações que nunca mais acabam. Um exemplo de catedrático erudito, muito comum nas universidades, que subjuga os alunos pela monumentalidade da sua verborreia, das suas infinitas classificações mais ou menos desconexas Monumentos não de pedra mas de cartão, facilmente desmontáveis por um pensamento lúcido e crítico.
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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