O exame Nacional de Filosofia de 10º/11º anos de Escolaridade, prova 714, realizado em Portugal em 18 de Junho de 2007, espelha a tomada de poder , na esfera do ensino público português, pelos formalistas antifilosóficos.
Quase tudo o que é o cerne do pensamento filosófico - a definição e correlacionação recíproca dos conceitos de realismo (natural, crítico), idealismo ( subjectivo, objectivo; natural, crítico), fenomenologia (natural, crítica), empirismo, racionalismo (inatista ou não); a relação entre o uno e o múltiplo, entre o espírito e a matéria, nas filosofias pré-socráticas, platónica, aristotélica, estóica, ockaniana, cartesiana, kantiana, hegeliana, husserliana, heidegeriana, etc- foi banido pura e simplesmente do teor desta prova de exame, como das de 2006. Os apologistas da lógica proposicional que dominam o mercado editorial de livros escolares em Portugal e inspiraram, ou mesmo redigiram, este exame 714, sabem muito pouco daqueles temas. Poderia dizer-se, sem exagero, que esta prova de exame abarca, no que se refere ao 11º ano, somente um terço do programa, isto é, a unidade III -Racionalidade Argumentativa e Filosofia, deixando de parte a unidade IV-O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica e a unidade V-Unidade final-Desafios e horizontes da Filosofia.
Agora, sob o império dos «novos senhores» da argumentação «válida e inválida», - um terceiro Reich «filosófico» que coloca os alunos nos campos de concentração das «tabelas de verdade» e do «inspector de circunstâncias», das «regras de Morgan»! - não se pensa criativamente: aplica-se as leis do silogismo e da lógica proposicional. Os aspectos formais sobrelevam-se claramente aos aspectos substanciais da filosofia.
Nesta prova de exame, que obedece em larga medida ao sistema norte-americano das respostas de cruz e contém diversos erros, não há questões conteudais sobre o positivismo lógico do círculo de Viena, o falsificacionismo e conjecturalismo de Karl Popper, o descontinuísmo epistemológico de Thomas Khun, o anarquismo epistemológico de Paul Feyerebend, o racionalismo crítico de Gaston Bachelard e outros, matérias que 90% dos professores de filosofia abordam, melhor ou pior, nas suas aulas de 11º ano. E tudo em nome da «desmemorização positiva» dos alunos que «não devem memorizar conceitos» como «mundo inteligível e sensível de Platão» ou «caos sensorial, formas a priori, fenómenos e númenos em Kant», «ser em si, ser fora de si e ser para si em Hegel», «ek-stases em Heidegger e Sartre» ... Memorizar, não, excepto claro as banalidades de John Searle sobre determinismo e liberdade e as regras da lógica proposicional, suposto garante da «ortodoxia filosófica»!
A tese em voga dos mentores deste exame é de que «não importa o conteúdo do que os filósofos escreveram mas sim o modo como pensam». Isto é erróneo, uma vez que não pode dissociar-se a forma do conteúdo. Estes senhores, nascidos quase todos nas décadas de 60 e 70, que não estudaram a dialéctica de Hegel e Marx, Politzer ou Althusser na década de 60-70 como nós, não possuem chaves essenciais para o pensar filosófico.
A prova de exame 714 está dominada, obsessivamente, pela questão da argumentação, do modo como exprimir e fazer triunfar as suas ideias e convicções, obscurecendo o conteúdo, a essência dessas ideias e teses e a arquitectura especulativa que delas nasce inevitavelmente.
Lembra um pouco o caso de vendedores de produtos médicos ou alimentares que tiram cursos de marketing para vender os seus produtos mas que desconhecem o conteúdo e as potencialidades reais desses produtos (as vitaminas, as proteínas, os oligoelementos, os efeitos terapêuticos sobre a diabetes, o cancro, etc) e não reflectem para além da argumentação.
A inteligência filosófica foi substituída por um raciocínio mecanicista-formalista, simultaneamente antimetafísico e anti intuição empírica. Esta, sim, é a «era do vazio». Da morte da filosofia e do triunfo do esqueleto descarnado: a lógica proposicional, com os seus ossos das regras de inferência.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Vários autores da área da lógica sustentam que o conceito de absurdo se situa fora do eixo verdadeiro-falso.
Eis o que se lê num manual de filosofia português para o 10º ano de escolaridade:
«Há ainda frases declarativas que não são nem verdadeiras nem falsas - não têm valor de verdade - são absurdas.
Exemplos:
«A saudade é amarela.»
«O infinito está deitado.»
(in Filosofia 10º ano, Areal Editores, de Maria Margarida Moreira, revisão de Álvaro dos Penedos, página 30).
Em primeiro lugar, não é absurdo sustentar que a saudade é amarela. Os sentimentos podem exprimir-se através de cores invisíveis como dizem os místicos que, supostamente, vêem a aura de cada ser humano. É provavelmente falso, ou provavelmente verdadeiro, que a saudade seja amarela mas não é absurdo.
Deverá dizer-se, com rigor, que o conceito de absurdo, isto é, ilógico, contrário à razão ou à ordem da natureza, encontra-se ora no campo do falso ora no campo além do dilema verdadeiro-falso comprovado, ou seja, no terreno do provável (verosímil-inverosímil).
Ao contrário do que sugere este manual, o absurdo é, frequentemente, uma modalidade do falso confirmado e, nos restantes casos, uma modalidade do provavelmente falso.
Exemplos de absurdo como falso comprovado: «Quatro é igual a doze vezes doze»; «aquele fardo de palha era um cavalo há minutos atrás».
Exemplo de absurdo como provavelmente falso: «O infinito nasceu do nada e este nasceu do infinito».
O absurdo pertence sempre à qualidade do falso, em acto ou em potência. Do mesmo modo que o conceito de validade pertence sempre à noção de verdade, em acto ou em potência. Logo, aqueles que propagam a tese de que «os argumentos são válidos ou inválidos mas nunca verdadeiros ou falsos» e que dizem que «validade está totalmente separada da verdade, situa-se além desta» lavram em erro: validade é verdade formal,
abstracta, esquemática, potencial e verdade (substancial) é realidade comprovada.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica