A questão dos universais - conceitos ou realidades gerais que abarcam multidões de indivíduos da mesma natureza - notabilizou a Idade Média na Europa.
De acordo com o grego Aristóteles, um mestre simultaneamente brilhante pela vasta erudição e, por vezes, confuso pela hiper-análise, há a substância primeira, o indivíduo (por exemplo: «Aristóteles»), que se integra na espécie (por exemplo: homem) e esta no género (por exemplo: animal).
Apesar de os universais, para Aristóteles não incluirem a espécie (um grupo intermédio a que pertence o indivíduo, por exemplo: «o grupo dos filósofos gregos em que Aristóteles se integra») mas sim o género ( o grupo maior que engloba o indivíduo e a espécie; por exemplo: «o grupo dos homens, em que se inserem Aristóteles e os filósofos gregos»), a translação desta temática para a Idade Média fez com que espécie e género fossem classificados como universais.
Existem os universais? Ou são erros do pensamento? Se existem, onde existem? Na matéria? Em um mundo de arquétipos áparte desta? Na mente humana?
Estas foram questões correntes na disputa medieval dos universais.
José Reis, professor catedrático de Filosofia na Universidade de Coimbra - a meu ver, um dos poucos académicos portugueses de Filosofia que pensam com profundidade, num mundo universitário recheado de pequenos «pensadores», mais ou menos eruditos, ciosos dos seus títulos de «mestres» e «doutores»- postulou que os universais existem na matéria, constituem as essências gerais dos seres materiais e distinguem-se dos singulares porque são pura qualidade, ao passo que estes são qualidade adicionada de quantidade, de números. Ouçamo-lo:
«E eis tudo: o universal é uma pura qualidade, isto é, uma qualidade sem a determinação numérica, e o singular, essa qualidade com a determinação numérica. Sem esta, a qualidade diz só o que uma coisa é, não diz ainda os casos em que ela existe; ela é precisamente o aberto em relação aos seus casos. Com a determinação numérica, ela é ainda imediatamente cada caso e, como tal, não é mais o aberto mas o fechado a qualquer outro, e em relação ao universal, que é o aberto por definição.» (José Reis, Nova Filosofia, Afrontamento, Porto, 1990, pag 150).
E comentando o facto de, na tradição filosófica, o universal ser um duplo do singular, continua José Reis:
«As razões que assim o fizeram nascer foram aquelas: já a tendência que advém da simples abstracção, mas sobretudo o não se ver que a multiplicidade das coisas não está na sua própria realidade, antes está na diferença numérica. Esta a razão profunda por que, embora Aristóteles e depois S. Tomás ponham o singular no número, afinal logo o percam reduzindo-o à matéria; e essa a razão por que Husserl, embora dizendo claramente que o singular está no hic et nunc, logo o esqueça por completo e diga, impressivamente, que se a casa arder não arde o seu universal. Agora, porém, é claro que, se o universal é a pura qualidade e o singular a sua diferença numérica, a sua situação, o universal não é mais duplo nenhum. E então, não sendo senão justamente a própria realidade dos singulares (só que unificada), ele é função de todos os seus casos e já arde na exacta medida em que um deles arder; se arderem todas as casas, pura e simplesmente não há mais o respectivo universal. Este é só e exclusivamente do mundo sensível; ele não é senão o mundo sensível sem as suas diferenças numéricas» (ibid,pag 157).
O texto de José Reis é brilhante: coloca a numeração, e não a matéria, como princípio de individuação, tem um sabor neopitagórico. Para Pitágoras de Samos, as essências dos entes são os números-figuras, isto é, as quantidades-qualidades: o 1 designa o ponto (qualidade espacial), o 2 traduz-se na recta (qualidade espacial), o 3 exprime-se no plano (qualidade espacial) e o 4 entifica-se na pirâmide de três lados (qualidade espacial). Contabilizando estes quatro números físicos primordiais nos diversos entes, Eurito de Crotona, um pitagórico, definiria o homem pelo número 250 e as plantas pelo número 360. A sugestão-objecção neopitagórica que coloco à teoria de José Reis é a seguinte: a qualidade não é senão quantidade «arredondada», não discriminada numericamente aos nossos sentidos.
Tomando o exemplo do universal Casa, coloco a questão, numa perspectiva de recorte neopitagórico, do seguinte modo: a ideia ou essência de Casa exprimir-se-ia, por hipótese, pelo número 55 milhões (55 000 000) e cada casa singular por um número oscilando entre 55 000 000 e 55 999 999. Assim haveria uma casa singular A, situada em Montalegre, cuja essência se exprimiria pelo número-figura 55 232 856, e outra casa singular B, situada em Alcalá de Henares, cuja essência se consubstanciaria pelo número-figura 55 654 321. A essência comum de ambas seria o 55 000 000, a qualidade Casa, com o correspondente número idiossincrásico, diferentemente do que postulou José Reis, que separa a qualidade da quantidade e parece não admitir, por conseguinte, que o universal Casa contenha,em si, um número.
Para a Física contemporânea, a côr vermelha, uma qualidade, é ou equivale a um comprimento de onda de 6200 angströms. A côr verde, outra qualidade, possui o comprimento de onda de 4120 angströms e a côr azul, também uma qualidade, tem o comprimento de onda de 4750 angströms. Toda a qualidade exprime um conjunto de quantidades combinadas de uma determinada maneira.
A quantidade é intrínseca à qualidade e não extrínseca - embora no texto de José Reis pareça correcta a
dissociação entre a qualidade como essência e a quantificação desta desta nos existentes. Se a quantidade não fosse intrínseca à qualidade, como poderia esta dotar-se de quantidade e variar segundo a quantidade? Um triângulo equilátero não é aquele em que cada um dos ângulos mede 60º de arco? E isto nãoé quantidade dentro de uma essência que é qualidade ou forma?
Separar, pois, a qualidade da quantidade na determinação do universal é, a nosso ver, um equívoco antidialéctico, na linha de Kant, Bergson, Husserl e Heidegger.
f.limpo.queiroz@sapo.pt
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Acreditar e saber são coisas distintas, como sustenta a generalidade dos manuais de Filosofia?
Se digo «acredito que o átomo existe» não é o mesmo que dizer «sei que o átomo existe»?
Alguns responderão: «Não! Saber é certeza e acreditar é incerteza.»
Respondo que há duas formas de acreditar, duas formas de crença: dogmática, como no caso das teses científicas (exemplo: «A fórmula do ácido sulfúrico é H2SO4») ou vivenciais directas (exemplo: « A exposição ao sol, em excesso, no verão, queima-me a pele descoberta»); não dogmática, probabilística (exemplo: « Vou jogar nos números 2, 17, 24, 35, 47 porque acredito poder ganhar, talvez, o euro-milhões hoje»).
Acreditar e saber só se distinguem, de forma circunstancial, se o acreditar designar esta ou aquela crença não dogmática, na probabilidade de algo ocorrer(exemplo: «Acredito que um dia os seres humanos serão imortais») e o saber fôr interpretado como algo de definitivo, dogmático, absolutamente certo (exemplo: «Sei que todos os seres humanos morrem, inexoravelmente»).
No resto, acreditar e saber é o mesmo. Quem acredita sabe sempre algo, duvidoso ou certo.
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(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Os erros de hiper-análise - fragmentar, dissociar em partes isoladas ou duplicar artificialmente uma ideia ou essência una - atravessam toda a história da filosofia ocidental.
Platão equivocou-se em certa medida ao distinguir entre crença verdadeira ou opinião verdadeira (alethès doxa), por um lado, e conhecimento ou ciência (epistéme) , por outro lado, dizendo que só o segundo possui Logos (Razão).
Atente-se nos argumentos desenvolvidos neste excerto do «Teeteto» (as palavras em itálico correspondem a outra tradução que não a da Inquérito):
«SÓCRATES- Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de factos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses factos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma opinião (crença) verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de ciência (conhecimento), embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correcta? »
«TEETETO- Com certeza. »
« SÓCRATES- Mas, meu amigo, se a opinião (crença) verdadeira dos juízes e a ciência fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma opinião correcta sem ciência (conhecimento). A verdade, porém, é que se trata de duas coisas diferentes.»
«TEETETO- Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a opinião (crença)verdadeira acompanhada de razão (Logos) é ciência e que, desprovida de razão, a opinião (crença)está fora da ciência (conhecimento)e que as coisas que não é possível explicar são incognoscíveis ( é a expressão que empregava)e as que é possível explicar são cognoscíveis». (Platão, Teeteto, Editorial Inquérito, Lisboa, 1990, pags. 158-159).
O exemplo que constitui o argumento de Platão para distinguir entre crença/opinião verdadeira e conhecimento/ciência é falacioso: os juízes raciocinaram bem e sentenciaram bem, com base em um testemunho do crime, que ignoram ser falso, e isso seria a «opinião verdadeira» mas não o «conhecimento» porque lhes teria faltado.. o Logos(Razão).
De facto, se reflectirmos, o Logos não faltou aos juízes, ao contrário do que Platão, pela voz de Teeteto, sustenta: faltou-lhes sim, a Empeiria (a Experiência Sensorial Directa) do crime. Os juízes tiveram conhecimento da versão da testemunha; não tiveram conhecimento das circunstâncias reais em que se deu o crime. Contudo, pensaram bem, de um ponto de vista lógico ideal. Obtiveram o conhecimento de um cenário, teoricamente possivel, mas que não teve lugar, e da correspondente sentença.
Dizer que o conhecimento é a adição do Logos à crença verdadeira é, ao menos neste exemplo, um erro do pensamento mecanicista, hiper-analítico. O Logos está presente, com gradações diversas, em todas as formas de pensamento. Decerto a distinção «crença verdadeira» (alethès doxa) e «ciência» (epistéme) tem fundamento se consideramos a primeira como o realismo natural (exemplo: o tampo desta mesa é liso) e a segunda como o realismo crítico (exemplo: o tampo desta mesa parece liso mas não o é, está cheio de espaços vazios entre os átomos, imperceptíveis à vista e ao tacto).
Se Platão errou ao exemplificar acima a distinção entre conhecimento de opinião verdadeira, como não haveríamos de esperar estas enormes confusões dos Manuais de Filosofia em voga que dizem enormidades analíticas como os postulados «acreditar e saber são coisas distintas» e «saber e conhecer não é o mesmo»?
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f.limpo.queiroz@sapo.pt
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Uma das características predominantes deste heterogéneo movimento designado por filosofia analítica é a tendência para deslocar o carácter intuitivo-racional da verdade do mundo empírico para o mundo da lógica pura, caindo na hiper-análise.
Por hiper-análise entendo a tendência de separar em fragmentos as partes inseparáveis de um todo.
Uma das teses analíticas mais expendidas nos Manuais de Filosofia no Ensino Secundário é a de que «o conhecimento implica três condições, que são a crença, a verdade e a justificação».
Ressalta de imediato a existência de dois erros nesta formulação: a separação entre crença e conhecimento e a separação entre crença e verdade.
Quem crê, acredita em algo. Crer é designar uma «verdade» para mim, para nós ou «em si». Portanto, a verdade, no seu aspecto de ser apreendida subjectiva ou intersubjectivamente, faz parte da crença, não está fora desta. Classificar crença e verdade como condições separadas é um erro de hiper-análise.
É seguir as pisadas de Descartes, ao formular o «Cogito» («Eu penso«) como uma cápsula fechada, vazia. O «penso» é sempre «penso algo, um barco, os meus amigos, o átomo, o céu, etc», é sempre uma «representação do mundo ou verdade», como Husserl mostrou.
Aliás, toda a crença é conhecimento, entendendo que há vários níveis de conhecimento: o conhecimento factual, «indiscutível», da verdade, seja sensorial (exemplo: «a neve é fria»), empírico-racional ou racional (exemplo: 12+12=24); o conhecimento provável, metafísico-religioso (exemplo: «Deus criou o universo físico») ou metafísico-científico (exemplo: «O Big Bang originou o universo»), incerto, discutível, de uma «verdade» impossível de objectivar; o conhecimento ilusório ou «superado» de que parte da humanidade se desembaraçou ( exemplo: a teoria geocêntrica de Aristóteles e Ptolomeu, a crença no «mau-olhado», etc).
O conhecimento é a superfície de contacto entre o sujeito cognoscente, pessoal ou transpessoal, e a «realidade-objecto», seja esta física, psíquica, racional, metafísica ou de outra natureza.
Esse contacto possui uma dupla vertente: verdade e erro, que, em larga medida, se transformam dialeticamente um no outro.
Assim, parece-nos errónea a seguinte formulação do conhecimento num Manual de Filosofia:
«O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.»
«Dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode saber que algo é falso. As duas coisas são distintas. Vejamos os seguintes exemplos:»
«1. A Mariana sabe que é falso que o céu é verde.
«2. A Mariana sabe que o céu é verde.
«1 e 2 são muito diferentes. O exemplo 1 não viola a factividade do conhecimento. Mas a afirmação 2 viola a factividade do conhecimento: a Mariana não pode saber que o céu é verde, pois o céu não é verde».
«Dizer que o conhecimento é factivo é apenas dizer que sem verdade não há conhecimento».
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag.96).
A afirmação de Maria de que «o céu diurno é azul» seria factiva, segundo estes autores. Mas como classificar a afirmação dos filósofos e físicos, que perfilham a teoria das qualidades primárias e secundárias dos objectos físicos, de que «o céu diurno não tem cor, o azul que lhe atribuimos apenas existe no nosso cérebro»? Ambas são afirmações factuais, derivadas de perspectivas diferentes: empírica versus epistemológica. E ambas podem ser postas em dúvida, a partir de outras perspectivas de raciocínio. Alguma delas é "factiva", deveras?
Se o conhecimento fosse factivo, no sentido em que os autores do texto o definem, isto é, impedindo a falsidade, então não haveria progresso no conhecimento do mesmo tema científico: se consideram factivo que «o céu é azul» ou que «o número de massa do hidrogénio é um» ou que «os átomos têm órbitas circulares com electrões» estas asserções deveriam permanecer como «verdades imutáveis» por toda a eternidade.
Ora, isto não é assim. O conhecimento, na sua grande vastidão, é revisível, mistura, na sua essência mutável, a verdade com o erro. Se há conhecimento factivo, no sentido de indiscutível, limita-se às operações da matemática, a princípios lógicos e a intuições empíricas fundamentais (exemplos: «Estou neste lugar; O azeite a ferver queima-me se saltar sobre a minha pele»).
Há, no entanto, muito mais conhecimentos, além destes, que não são indiscutíveis, factivos - a teoria de Darwin é um conhecimento e, em boa parte, não factivo; a teologia cristã ou islâmica é um conhecimento metafísico de seres míticos, não factivo para centenas de milhões de pessoas; a teoria da democracia liberal mundial como a melhor das sociedades possível também não é "factiva", etc.
Na Idade Média europeia, a crença em que a Terra estacionava no centro do universo com o sol e os planetas a girar à sua volta era o conhecimento científico possível. Depois essa teoria geocêntrica foi substituída, no século XVII, pela teoria heliocêntrica: deixou de ser um conhecimento científico, sociologicamente falando, e passou a ser um conhecimento pré-científico, um conhecimento superado. E ainda hoje, no século XXI, o geocentrismo continua a ser conhecimento, de uma «verdade superada» ou ilusão.
Portanto, conhecimento não implica obrigatoriamente verdade - verdade objectiva, consensual, universal - mas tão somente «verdade para mim» ou «verdade para nós», «verdade» provável ou plausível, «verdade superada» ou erro.
Falar de «verdade» em geral como condição do conhecimento e não distinguir entre «verdade objectiva, universal» e «verdade subjectiva» ou «verdade intersubjectiva» nem distinguir entre «verdade provável» e «verdade indiscutível, definitiva» é falsear a noção de conhecimento. Em última análise, o conhecimento não é factivo: poderá ser tendencialmente factivo. Factiva é a realidade a que ele se refere, realidade que se encontra em um dos extremos desse "segmento de recta" chamado conhecimento ou, melhor, que é tangente a esse extremo.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
À primeira vista, a filosofia «é» mais «a priori» -isto é, anterior à experiência, isenta de experiência - do que a ciência.
Assim pensam alguns autores como os do Manual de Filosofia do 11º ano português A Arte de Pensar que, no texto seguinte, fornecem uma distinção confusa entre a filosofia e a ciência (o negrito é nosso):
«O perspectivismo fraco apoia-se na diversidade de actividades cognitivas, que estudam diferentes aspectos da realidade. Assim, por exemplo, a filosofia procura a verdade sobre problemas de carácter mais básico e mais geral, consistindo num estudo a priori, enquanto a ciência procura também a verdade, mas sobre problemas de carácter empírico ou formal. A natureza dos objectos da filosofia e da ciência é, portanto, diferente. Temos resultados diferentes mas esses resultados são acerca de diferentes objectos.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag. 222-223).
Salta à vista um primeiro equívoco neste texto: o conhecimento a priori opõe-se decerto a empírico mas não se opõe a formal, pelo contrário, inclui este. A filosofia, pela lógica que lhe é inerente, possui uma forte dimensão formal. E não é verdade que a filosofia se abstenha de buscar a verdade sobre problemas de carácter empírico e que estes sejam exclusivo da ciência, como o texto quer fazer crer. Os problemas da legitimidade do aborto voluntário, da censura na internet e na imprensa em geral, da dicotomia capitalismo/ comunismo, da industrialização versus preservação ecológica, etc, são problemas empíricos e filosóficos. Sustentar que a filosofia consiste apenas num «estudo a priori» é truncá-la, reduzi-la a uma gramática do pensamento.
O conhecimento a priori é o conhecimento obtido sem recurso directo ou indirecto à experiência sensorial. Em princípio, a sua fonte preexiste à vida biológica: as ideias inatas postuladas por Descartes - segundo este, ao nascer, já teríamos gravados na nossa mente as ideias de alma, Deus, corpo, números, figuras geométricas - são conhecimentos a priori.
Podemos, no entanto, admitir que enquanto se vive, isto é, enquanto nos banhamos permanentemente no mundo empírico, na experiência sensorial, exista no nosso espírito um compartimento escuro, hermeticamente fechado à experiência, no qual se processa o conhecimento a priori ( exemplo: conceber um triângulo, conceber que à diversidade de determinações subjaz uma unidade essencial). Seguramente, Kant partilhava este ponto de vista.
Kant escreveu (o negrito é nosso):
«A matemática fornece o exemplo mais brilhante de uma razão pura que se estende com êxito por si mesma, sem o auxílio da experiência.» (Kant, Crítica da Razão Pura, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 581).
«Assim, construo um triângulo, apresentando o objecto correspondente a um conceito, seja pela simples imaginação na intuição pura, seja, de acordo com esta, sobre o papel, na intuição empírica, mas em ambos os casos completamente a priori, sem ter pedido o modelo a qualquer experiência» (Kant, ibid, pag 580).
«O conhecimento filosófico considera, pois, o particular apenas no geral, o conhecimento matemático, o geral no particular e mesmo no individual, mas a priori e por meio da razão, (...)»
«É nesta forma que consiste, por consequência, a diferença entre estes dois modos de conhecimentos racionais e não é sobre a diferença das matérias ou objectos que repousa.» (Kant, ibid, 580)
Kant postula que tanto a filosofia como a matemática são conhecimentos à priori.
A filosofia não é, a nosso ver, mais «a priori» do que a lógica e do que a matemática, ciências formais. Definir filosofia como «conhecimento a priori» é defini-la como lógica e como dialética mas não como epistemologia ( a filosofia pensa sobre as noções de átomo, vacina, infraestrutura e superestrutura, id, ego e super-ego, etc) , ética, estética, gnosiologia.
A filosofia é, em larguíssima media, conhecimento a posteriori, obtido com base na experiência sensorial, articulado com conhecimento a priori. O seu objecto é rigorosamente o mesmo que o da ciência: a «realidade», «a verdade objectiva». Diferem apenas no grau de dogmatismo e de positividade.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Perspectivismo surge, com frequência, definido sem clareza em livros e manuais de Filosofia. Eis um exemplo, extraído de um manual de Filosofia do 11º ano em Portugal (o itálico no texto é colocado por nós):
«Diz-se, por vezes, que a beleza está nos olhos de quem a vê. Será que a verdade também depende da perspectiva que se adopta? Esse é um dos sentidos da expressão «plurivocidade da verdade».(...)»
«Podemos distinguir dois tipos de perspectivismo:»
«O perspectivismo fraco é a ideia de que podemos olhar para diferentes aspectos da realidade e concluir correctamente diferentes verdades.»
«O perspectivismo forte é a ideia de que podemos olhar para os mesmos aspectos da realidade e concluir correctamente verdades diferentes e incompatíveis.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 222).
Não é claro este texto. O conceito de perspectivismo foi delineado por Nietzchze em "A gaia ciência" e não comporta «concluir correctamente diferentes verdades» mas apenas uma «verdade», a sua, ver o mundo não de todos os ângulos . Desse perspectivismo deriva, dialecticamente, um antiperspectivismo, um cepticismo relativo, a que Nietzschze chama fenomenalismo, que se limita a reconhecer que o conhecimento teórico se reduz a interpretações, a probabilidades de se alojar na verdade:
Citemos Nietzschze (o negrito é colocado por nós no texto):
«Todos os nossos actos são bem, no fundo, supremamente pessoais, únicos, individuais, incomparáveis, certamente; mas desde que a consciência os traduz na sua língua, deixam de parecer assim...Eis o verdadeiro fenomenalismo, eis o verdadeiro perspectivismo, tal como eu o compreendo: a natureza animal faz com que o mundo de que nos podemos tornar conscientes não passe de um mundo de superfícies e signos, um mundo generalizado, vulgarizado» (Nietzsche, A gaia ciência, Guimarães Editores, Lisboa 1977, pag 251; a letra negrita é da minha lavra).
Apesar da sua genialidade, Nietzsche não é inteiramente claro no pensamento acima. Não distingue de forma explícita o perspectivismo - posição metaética subjectivista - do fenomenalismo - posição céptica objectivista.
Escreveu ainda Nietzsche:
«374- O nosso novo «infinito»- Até onde vai o carácter perspectivo da existência? Possui ela mesmo outro carácter? Uma existência sem explicação, sem «razão», não se torna precisamente uma «irrisão»? E, por outro lado, não é qualquer existência essencialmente «explicativa»? É isso que não podem decidir, como seria necessário, as análises mais zelosas do intelecto, as mais pacientes e minuciosas introspecções: porque o espírito do homem, no decurso destas análises, não se pode impedir de se ver conforme a sua própria perspectiva e só pode ver de acordo com ela. Só podemos ver com os nossos olhos; é uma curiosidade sem esperança de êxito procurar saber que outras espécies de intelectos e de perspectivas podem existir; se, por exemplo, há seres que sentem passar o tempo ao invés, ou ora em marcha para diante, ou ora em marcha para trás (o que modificará a direcção da vida e invertirá igualmente a concepção da causa e do efeito). Espero, contudo, que estejamos hoje longe da ridícula pretensão de decretar que o nosso cantinho é o único de onde se tem o direito de se possuir uma perspectiva. Muito pelo contrário, o mundo, para nós, voltou a tornar-se infinito, no sentido em que não lhe podemos recusar a possibilidade de se prestar a uma infinidade de interpretações.» (ibid, pag 287; a letra a negrito é posta por mim).
Como se detecta nestas citações, Nietzsche define perspectivismo como a filosofia que reconhece que o homem é incapaz de conceber o mundo, a «realidade», fora da sua perspectiva pessoal. Ora a consideração racional das múltiplas interpretações ou perspectivas, todas diferentes de indivíduo para indivíduo, - isto é o holismo, o anti-perspectivismo ou multi-perspectivismo- torna impossível atingir uma verdade objectiva, consensual, dado que a psique de cada um interpreta, subjectiviza o real e não consegue compreender todas as outras perspectivas.
Não existe perspectivismo fraco nem perspectivismo forte, ao contrário do que se sustenta no manual «A arte de pensar». Existe perspectivismo.
O perspectivismo, em regra, tem a pretensão de atingir a verdade «em si», mas tal não acontece com o fenomenalismo (conhecemos o lado aparente, a superfície do mundo, não a sua estrutura ou essência oculta).
Por isso não é pertinente a seguinte objecção ao perspectivismo:
«Outro problema com o perspectivismo é o seguinte: ao considerar que todas as perspectivas são igualmente verdadeiras, o perspectivismo esvazia toda e qualquer discussão racional acerca do que quer que seja. Se todas as perspectivas são verdadeiras e se todos os filósofos dizem a verdade, ainda que do seu próprio ponto de vista, de que serve discutir as suas teorias?»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 222; o negrito é posto por mim).
Ora esta não é a posição do perspectivismo, mas sim do anti perspectivismo, de um certo ecletismo (teoria segundo a qual a verdade se compõe de teses e ideias contrárias entre si que podem ser conciliadas num todo heterogéneo). O manual A arte de pensar confunde, pois, perspectivismo com anti perspectivismo, com ecletismo e com fenomenalismo.
Nietzchze era ele mesmo um perspectivista e, usando a razão a-teórica que preconizava, tomou posição, por instinto, a favor de uma «verdade»: a moral aristocrática contra-revolucionária, que nega a igualdade universal de direitos humanos, a democracia liberal e o socialismo e preconiza a guerra, a fruição plena da vida pela elite anti-cristã dos «bons», a expansão da vontade de poder dionisíaca de uns poucos, o lazer e a recusa do trabalho industrial e obrigatório desses «bons» nobres.
Portanto, pode ser-se perspectivista e afirmar, por pragmatismo, uma «verdade», a que mais convém ao indivíduo.
É ambíguo afirmar o seguinte sobre o perspectivismo "forte":
«Afirmar que tudo depende da perspectiva obriga-nos a aceitar acriticamente todos esses comportamentos. Assim como nos obriga a respeitar teorias como o nazismo, que considera que matar judeus é correcto. O simples facto de não estarmos dispostos a aceitar isso mostra que há algo errado com o perspectivismo forte.»
«O que se passa é que o perspectivismo forte confunde a verdade com o que acreditamos ser a verdade».
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 222).
O perspectivismo - e não o suposto «perspectivismo forte» - confunde, de facto, verdade com crença na verdade. Ser perspectivista não implica reconhecer necessariamente a multiplicidade de perspectivas filosóficas e científicas sobre o mundo e não conduz à neutralidade ou a valorar por igual todas as teorias nesta matéria: hierarquiza-se, escolhe-se sempre um ponto de vista, uma posição, ainda que se possa ou não reconhecer haver outros com certa plausibilidade.
f.limpo.queiroz@sapo.pt
(Direitos de Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Um dos modos do ser, na filosofia de Heidegger, é o ser-aí (Dasein), um dos conceitos chave do famoso livro «Ser e Tempo» deste filósofo alemão.
Na versão brasileira da editora «Vozes», a tradutora Márcia de Sá Cavalcante opta por substituir a expressão «ser-aí» por «pre-sença» na tradução da palavra Dasein:
«Pre-sença não é sinónimo de existência e nem de homem. A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade.»(M. Heidegger, O Ser e o Tempo, parte I, Nota N1 de Márcia de Sá Cavalcante, pag 309).
Ao contrário do que sustenta Márcia Cavalcante, o ser-aí (que ela traduz por...pre-sença) designa o ente homem, a julgar pelo que Heidegger escreveu:
«As ciências têm, enquanto modos de o homem se comportar, a forma de ser de este ente (o homem). A este ente designamo-lo com o termo "ser-aí". (Martin Heidegger,El Ser y el Tiempo, versão espanhola, Fondo de Cultura Económica, Madrid, pag 21).
«O ser que se aloja neste ente no seu ser é, em cada caso, meu. O "ser aí" não pode tomar-se nunca ontologicamente, portanto, como caso e exemplar de um género de entes "diante dos olhos" (na tradução brasileira: ser-simplesmente dado). A estes entes o seu ser é-lhes indiferente, ou vista a coisa exactamente, "são" de tal forma que o seu ser não pode ser-lhes indiferente nem o contrário. A menção de "ser aí" tem que ajustar-se ao carácter do "ser em cada caso meu", que é característico deste ente, indicando ou subentendendo ao mesmo tempo sempre o pronome pessoal: "eu sou", "tu és".» (Heidegger, ibid, pag. 54).
Ser-aí é, pois, sinónimo do ser em cada caso meu, isto é, da minha pessoa, da tua, da dele. Não é uma estrutura alheia ao homem universal nem tão pouco ao homem singular, como sustenta Márcia de Sá Cavalcante. O ser-aí é o homem, cada homem singular. As árvores, as montanhas e os animais são entes «diante dos olhos», destituídos de ser-aí.
Certamente, Heidegger reconheceu que os gregos identificaram o ser (to ón; einai) com a presença constante:
«Para os gregos, "ser" quer dizer o mesmo que presença constante. Constância e presente são, porém, caracteres do tempo. Ente é para os gregos aquilo que permanece, o permanente nas coisas que existem, o que, na mudança do estado das coisas (por exemplo, tornar-se maior ou menor) resiste na mudança das qualidades. (Martin Heidegger, Lógica, A pergunta pela essência da linguagem, Fundação Calouste Gulbenkian, Pág. 218).
Note-se que Heidegger erra ao restringir constância e presente ao âmbito do tempo. A constância e o presente são esfera comum ao tempo e ao ser - entendido este último como forma geral e matéria, o que Heidegger não precisa, na sua ambiguidade . A citação de Heidegger acima não legitima que Márcia Cavalcante traduza ser-aí, Dasein, por «presença». No máximo, poderia traduzir Dasein por «esta presença minha, aí», o que não é o mesmo que «presença». O ser-aí (Dasein) é uma excrescência do ser (Sein) que é muito mais vasto, é um fauno guardião da floresta que é o ser, projectado na clareira desta...
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Diversos autores em filosofia, em especial na lógica, dissociaram os conceitos de validade e verdade, de maneira antidialéctica. Ora a dialética repousa num primeiro pilar holístico, a lei do uno: no universo e no pensamento, tudo se relaciona e interpenetra, nada está isolado.
Vejamos um exemplo desta dissociação artificial num manual de Filosofia:
«Em lógica e filosofia chama-se válido a um argumento que tem certas propriedades , independentemente de as suas premissas serem verdadeiras ou falsas. O termo «validade» não se aplica a proposições.E os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos.»
«Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem falsos.»
« As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas». (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18; o negrito é posto por nós).
Esta oposição entre verdade e validade estabelecida neste excerto de um manual de Filosofia para o ensino secundário em Portugal é, a nosso ver, errónea. É fruto da hiper-análise, isto é, a visão separada das coisas, sem a intuição da sua identidade essencial.
De facto dizer «É verdade que 2+5 =7» é o mesmo que dizer «É válido que 2+5=7». E dizer «é verdade que a Terra gira em torno do sol» é o mesmo que dizer «é válido que a Terra gira em torno do sol».
O que os autores do citado texto designam por validade pode ser designado como verdade formal, verdade a priori, num plano meramente lógico. Por exemplo a inferência lógica « se a >b e b>c , então a>c» é simultaneamente válida e verdadeira. Logo esta proposição é verdadeira e válida, ao contrário do que sustentam os autores acima dizendo que «as proposições não podem ser válidas nem inválidas».
A noção de validade é extraída da noção de verdade e nunca se liberta da determinação desta. Metaforicamente, talvez se pudesse dizer, numa certa perspectiva, que a verdade, em sentido ideal-material, é a carne com os ossos, e a validade, em sentido de verdade formal, lógica, é os ossos que subjazem à carne.
O que faltou definir no citado texto são as várias acepções do termo verdade: verdade material (obtida pela intuição empírica directa conjugada com o raciocínio); verdade ideal (obtida pelo raciocínio trabalhando sobre os conceitos empíricos armazenados na memória ou na imaginação, sem verificação prática; muitos autores também a designam como verdade material porque tem conteúdo concreto); verdade formal ou lógica pura ( que o manual citado designa por validade).
No mesmo manual de Filosofia, incorre-se no erro de dissociar argumento e proposição como se fossem conceitos absolutamente extrínsecos entre si:
«Como vimos, as premissas e a conclusão dos argumentos são proposições. Portanto, os argumentos contêm proposições e as proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso. Um argumento não pode ser verdadeiro nem falso.»
«Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio argumento é uma proposição. Um conjunto de pessoas não é uma pessoa.»
«Os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos porque não são proposições; e não são proposições porque nada afirmam sobre a realidade. Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam coisas sobre a realidade.»
«Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia-a-dia, é suficiente.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18; o negrito é posto por mim).
É evidente que um argumento pode ser verdadeiro ou falso, ao contrário do que no Manual acima transcrito se sustenta. Vejamos o seguinte exemplo: «As vacinas infectam o sangue humano porque são, em si mesmas, constituídas pelo pus de cavalos, macacos, bois e outros animais doentes».
Este argumento anti-vacinação exprime-se numa única proposição, que inclui dois juízos: tem, portanto, valor de verdade ou falsidade. É um argumento verdadeiro ou falso. A isso não se pode fugir. É também evidente que um argumento afirma algo sobre a realidade, ao contrário do que exprime o texto transcrito do citado Manual.
Nos casos em que argumento não é uma única proposição, é um conjunto de proposições encadeadas de forma lógica e também nesse caso será verdadeiro ou falso. Vejamos um exemplo de um argumento anti-capitalista: «O capitalismo baseia-se na apropriação pelos capitalistas, da mais-valia que os operários produzem. Essa apropriação, fundada na propriedade privada das fábricas, das terras, lojas e armazéns e bancos, gera desigualdades sociais. Para acabar com estas, é imprescindível suprimir a propriedade privada dos meios de produção e troca, isto é, instaurar a auto-gestão no quadro de um Estado operário».
Este argumento, composto por diversas proposições, cada uma delas verdadeira ou falsa, é verdadeiro ou é falso no seu todo. Não é possível suprimir a dicotomia de valores verdadeiro/ falso no todo - o argumento - existindo esse valor em cada uma das partes.
Os autores do Manual A Arte de Pensar confundem argumento (encadeamento de juízos e raciocínios visando provar ou refutar uma tese, uma ideia) com conexão lógica do raciocínio, isto é, com mecanismo formal estruturador do argumento. Confundem o bolo (o argumento) com a forma metálica em que foi produzido (o esqueleto formal do pensar) Esse é o risco de alguma filosofia "analítica": ver a árvore e não ver a floresta.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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