Wittgenstein, o grande pioneiro da moderna filosofia analítica, na linha de Parménides e de Zenão de Eleia, talvez os verdadeiros fundadores da filosofia analítica, negou realidade ao devir do tempo, isto é, ao movimento inerente a este:
«6.3611 Não podemos comparar um processo com a «marcha do tempo» - que nem sequer existe mas apenas com um outro processo (tal como a marcha do cronómetro). »
«Assim só é possível descrever a passagem do tempo apoiando-nos em um outro processo». (ibid, pag 134). (Ludwigg Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico; Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, Gulbenkian, Lisboa, 1987, pag 134; a letra negrita é posta por mim).
Wittgenstein já se aproximara, tangencialmente, da definição certa de tempo ao escrever:
«Espaço, tempo e cor (coloração) são as formas dos objectos.» (Ludwigg Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico; Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, Gulbenkian, Lisboa, 1987, pag 33; o negrito é posto por mim).
O tempo não é a forma do objecto mas a duração e a sucessão das formas do objecto, isto é, a permanência (stásis, em grego) e alteração (alloíosis, em grego) destas. Se isolarmos a forma do objecto num dado instante não temos o tempo, mas o quid (o quê é, a forma), a essência do objecto, num fragmento do tempo, mas não temos o tempo no seu fluir, no seu todo. No primeiro pensamento acima exposto, Wittgenstein fez isso: isolou o tempo como forma do objecto num dado momento mas retirou-lhe o fluxo, a coluna vertebral, a sucessão e, por isso, caiu no erro de dizer que "a marcha do tempo não existe". O mesmo erro daquele que, observando entre as mãos as milhares de fotos na fita de celulóide de um filme afirma que «o filme não existe, é uma ilusão.» Ora, o filme existe e transporta realidade. O tempo não é a forma, enquantofilosofia analítica , mas a existência da forma.
Mais: a marcha dos ponteiros no cronómetro é tempo, é um dos múltiplos aspectos da marcha do tempo, uma vez que é transformação das formas geométricas - os ângulos - realizadas pelos ponteiros do relógio ou indicadas por números nos relógios digitais. E também a marcha aparente do sol no céu e a rotação aparente da esfera celeste são tempo uma vez que alteram a forma da luz, dos campos electromagnéticos, dos objectos físicos num dado lugar e em todos os lugares. O relógio é apenas, juntamente com o movimento dos astros na esfera celeste, o meio mais fácil de o tempo se exprimir mas há muitas outras formas: as alterações imperceptíveis na nossa pele que vão fazendo surgir rugas e outras formas corporais, o crescimento das plantas e animais, etc, são tempo e indiciam o tempo.
A filosofia analítica tem este poder mágico de isolar determinações essenciais de um fenómeno para captá-las e, com isso, a par de obter belíssimas «fotografias» do pensamento, acaba, com frequência, por fragmentar o fluxo daquele e da realidade, que inclui pensamento, sentimento, sensação.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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