A relação entre forma e conteúdo é um dos problemas filosóficos de sempre. Guy Besse e Maurice Caveing, discípulos do filósofo marxista Georges Politzer, escreveram:
«Os biólogos demonstraram experimentalmente a ligação existente entre a forma e o conteúdo. Se uma pequena parte da matéria de um ovo em desenvolvimento fôr transportada para outra parte do ovo, ver-se-á por exemplo, desenvolver uma pata onde, normalmente, não deveria estar; ter-se-á criado artificialmente um monstro. Ora, no momento da operação, as diversas partes da matéria do ovo não se distinguem umas das outras a não ser por suas propriedades químicas, pela natureza das substâncias que ali se encontram. Este mesmo conteúdo do ovo se diferencia sob o efeito de condições externas (por exemplo, o calor) e à base de suas contradições internas. É, pois, a natureza bioquímica das substâncias dos ovos das diversas espécies que determina, em úktima análise, a forma do corpo do animal: é o desenvolvimento do conteúdo que precede o desenvolvimento da forma. Não há nenhuma «pre-formação» ideal, não há nenhuma «forma em si» predeterminada. Se assim fosse, todos os indivíduos de uma espécie seriam rigorosamente idênticos!»
«Para o materialismo dialético, a forma não pode existir sem o conteúdo, sem um conteúdo determinado, e reciprocamente, o conteúdo não pode existir sem a forma, sem uma forma determinada.» (Georges Politzer, Guy Besse, Maurice Caveing, Princípios Fundamentais de Filosofia, pag 124, Editora Hemus; o destaque a negrito é meu).
Esta é uma visão algo errónea do materialismo dialético sobre forma e conteúdo. O que é o conteúdo, senão um conjunto de microformas em um caldo mais ou menos homogéneo? A oposição de Politzer a Aristóteles é evidente; o grego antigo defendia que a forma é ingénita, existe desde sempre e preside a todo o movimento ou conteúdo ulterior no ente. Se as formas não estivessem já no conteúdo do ovo - e as diferentes substâncias no interior do ovo são diferentes formas - este não originaria sempre a mesma espécie animal: daria origem a uma árvore ou a outra coisa qualquer.
É, ademais falsa a tese exposta acima de que, «a haver formas em si predeterminadas, todos os indivíduos de uma espécie seriam rigorosamente idênticos!». A individuação não impede que possa haver uma forma originária comum a todos os indivíduos de uma mesma espécie.
Se Marx sustentava que o desenvolvimento de novas forças produtivas - as fábricas dotadas de máquinas a vapor - eram um conteúdo novo na sociedade do antigo regime, do século XVIII, conteúdo esse que rompia com a forma, superestrutura existente - as leis semifeudais, o governo monárquico absolutista, a religião conservadora - não podemos esquecer que o conteúdo é composto de múltiplas «pequenas» formas em ebulição (as novas fábricas e novas massas de trabalhadores assalariados são formas) que exigem a substituição do velho invólucro sócio-político-jurídico por outro.
Pode distinguir-se forma e conteúdo desde que se reconheça que o conteúdo inclui micro-formas.
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