O manual da Santilhana «Essencial Filosofia 10º ano» de Amândio Fontoura e Mafalda Afonso, tendo como consultora científica Custódia Martins , contém alguns erros teóricos, sem embargo de ser o mais barato no mercado português, de estar repleto de textos substanciais de filósofos consagrados e de não conter as quase sempre falaciosas perguntas de resposta de escolha múltipla que são apanágio dos superficiais.
O DETERMINISMO NÃO NEGA NECESSARIAMENTE A LIBERDADE DO HOMEM, LIMITA-A E FAVORECE-A
Afirma o manual:
«O determinismo nega veementemente a liberdade do homem, como se tudo estivesse organizado em torno de leis físicas e imutáveis. Defende que se o Homem está inserido num mundo físico, sujeito a leis e a relações de causa-efeito, não é excepção e dificilmente lhe consegue escapar e exercer livremente a sua vontade. Sugere mesmo que se o homem tem a aparente ilusão de que age livremente, tal deve-se somente ao facto de ainda não ter sido possível descobrir todas as leis que regem os vários níveis da realidade.» (Amândio Fontoura e Mafalda Afonso«Essencial Filosofia 10º ano», página 92, Santilhana Constância; o destaque a negrito é de minha autoria).
Ora, o determinismo biofísico não nega veementemente a liberdade do homem: a extensão do determinismo ao foro psico-espiritual humano das deliberações e decisões é que nega a liberdade humana. Certamente, determinismo e livre-arbítrio são contrários, mas compatíveis no ser humano e na relação entre este e a natureza biofísica circundante.
O determinismo biofísico limita a liberdade humana - exemplo : «Não posso saltar em queda livre do terraço deste edifício de nove andares porque morreria segundo o determinismo da lei da gravidade e da fragilidade do corpo humano, sou obrigado a descer pelas escadas» - mas ao mesmo tempo favorece-a - exemplo: «Conheço a lei biológica, o determinismo que distingue os cogumelos venenosos dos cogumelos comestíveis e selecciono estes últimos para confecionar o meu almoço».
Este manual, de modo similar a outros, não dá a única definição coerente e clara de determinismo: princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos.
CONFUSÕES SOBRE FACTOS E VALORES
«Os valores são uma realidade diferente dos factos, acontecimentos objectivos que ocorrem diante de nós. Os factos incluem três categorias: a dos objectos, a dos acontecimentos e a dos seres. Um facto é tudo aquilo que é objectivo, quantificável e verificável. .Por exemplo: o telemóvel é um facto (objecto); o concerto de uma banda é um facto (acontecimento) e o Mosteiro da Batalha é um facto (ser). » (Amândio Foutoura e Mafalda Afonso, ibid, pág. 113)
Perguntemo-nos, antes de mais, por que razão o telemóvel é designado por" objecto" e o mosteiro da Batalha por "ser". Acaso, o objecto não é um "ser"? Acaso o telemóvel não é um "ser" (melhor: um ente)? Acaso o mosteiro da Batalha não é um objecto de pedra esculpida? Há uma certa nebulosidade nesta distinção conceptual.
UMA DISCUTÍVEL CLASSIFICAÇÃO DOS VALORES
Na página em que se refere à hierarquia de valores estabelecida por Max Scheler, afirmam os autores do manual:
«Podemos dizer que existem os seguintes valores:
infra-humanos -os valores da sensibilidade, como o agradável e o prazer, e os valores biológicos, como a saúde.
humanos - os valores eudemónicos, como a felicidade, e os valores económicos, como a prosperidade
espirituais - os valores noéticos, como a verdade, os valores estéticos, como a beleza, ou os valores sociais, como a coesão.» (Amândio Fontoura, Mafalda Afonso, ibid, pag. 116)
Há nesta hierarquia, uma grande confusão. Por que razão a saúde é um valor infra-humano e a riqueza económica um valor humano? Não deveriam trocar de posição, ficando a saúde acima do poderio económico? É óbvio que deviam. A saúde é um valor humano e, na hierarquia de valores de Scheler, figura no segundo nível, a modalidade ou esfera dos valores vitais. O termo «valores eudemónicos» não parece adequado ao segundo nível que Amândio Fontoura e Mafalda Afonso nos propõem, nível que designam por "valores humanos", porque a eudaimonia é, no sentido aristotélico, a felicidade atingida pelo filósofo e por todo o homem que vive em paz psicológica, devendo, por isso, ser considerada um valor espiritual, superior.
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