O manual «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» de Carlos Amorim e Catarina Pires, com revisão científica de Fernanda Henriques, da Areal Editores, mergulha nas confusões teóricas comuns a todos os manuais escolares inspirados na filosofia analítica . Uma delas é não perceber a distinção entre fatalismo e determinismo. Outra é não compreender o que é o determinismo moderado, baptizado de compatibilismo.
CONFUSÕES SOBRE O DETERMINISMO E O COMPATIBILISMO
Escrevem Carlos Amorim e Catarina Pires:
«Ao admitirem que o determinismo é verdadeiro, os compatibilistas aceitam a tese segundo a qual todas as nossas acções são consequências das leis da natureza e de acontecimentos precedentes remotos que não controlamos. Tudo o que acontece é efectivamente determinado por certos tipos de causas psicológicas internas.»
(Carlos Amorim e Catarina Pires, «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» , pag. 65, Areal Editores; o destaque a negrito é posto por mim).
Não é verdade que os deterministas moderados «aceitam a tese segundo a qual todas as nossas acções são consequências das leis da natureza e de acontecimentos precedentes remotos que não controlamos» . Os deterministas moderados - prefiro chamá-los defensores do determinismo biofísico associado a livre-arbítrio- são dualistas: o determinismo, isto é, a lei infalível segundo a qual as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, abrange a natureza biofísica - o nosso estômago, as nossas veias e artérias, o céu e a terra, a agricultura, etc - mas não abrange a razão humana onde vive o livre-arbítrio.
Há, portanto, decisões e acções que escapam ao determinismo. Quando os autores escrevem que «tudo o que acontece é efectivamente determinado por certos tipos de causas psicológicas internas» entram em contradição com a primeira frase (.«..todas as nossas acções são consequências das leis da natureza ..») e não se dão conta, sequer, de que o livre-arbítrio é uma causa psicológica e racional interna. A definição de compatibilismo é, pois, uma névoa de confusão, neste manual.
DETERMINISMO NÃO É COACÇÃO?
Lê-se ainda no manual uma artificial distinção entre determinismo e coacção:
«A liberdade não supõe um acto sem causa, mas apenas que tenho controlo sobre alguns dos meus comportamentos. Um compatibilista defende que o contrário de livre não é causado(determinado) mas coagido(forçado).»
(Carlos Amorim e Catarina Pires, «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» , pag. 62, Areal Editores)
Há equívoco nesta formulação. O contrário de livre é determinado. E é também coagido. O determinismo é, sob certo aspecto, a coacção da natureza sobre o eu humano. Se estou quarenta e oito horas sem comer e sinto fraqueza ou fome, sou biologicamente coagido por um estado de desnutrição temporária. A coacção é um género que inclui o determinismo e uma parte do indeterminismo.
Note-se que o manual não dá qualquer destaque ao conceito de fatalismo porque o amalgama no conceito de determinismo radical. Isto é um erro, até porque há fatalismo que nem sequer assenta em leis deterministas.
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