Os filósofos analíticos falam de quatro correntes essenciais de (meta) ética: determinismo radical, determinismo moderado (compatibilismo), libertismo (incompatibilismo) e indeterminismo. Mas se falam em determinismo radical e moderado, não deveriam falar em indeterminismo radical e indeterminismo moderado?
A lógica, em particular o princípio do terceiro excluído («Uma coisa ou é A ou não A, descartando a terceira hipótese) impõe essa dualidade. O pensamento dos "analíticos" como Simon Blackburn, Michael Proudfoot e A.R.Lacey - e os seus espelhos reflectores em Portugal: João Branquinho, Sofia Miguens, Ricardo Santos, Desidério Murcho, Pedro Galvão, Luís Rodrigues, etc - é assimétrico. Eles não conseguem reduzir à grande dualidade primordial a diversidade das correntes num dado campo, neste caso o campo do livre-arbítrio e determinismo. A grande filosofia - refiro-me à dialética, que quase todos só conhecem parcelarmente - compadece-se de assimetrias empíricas, porque o mundo apresenta disformidades, irregularidades, mas, enquanto filosofia ordenadora do pensamento e propulsora deste para mais além, é simétrica. Racionalidade é simetria do pensamento e simetria do devir social, astrofísico e biofísico: não há alto sem baixo, nem inverno sem verão, nem revolução sem contra-revolução, nem vida sem morte, etc.
O que é o libertismo, senão indeterminismo? Pois as correntes hão-de ser ou deterministas ou não deterministas, isto é, indeterministas. O libertismo não pode estar fora desse dualismo. Ou está num campo ou está noutro ou está em ambos (neste último caso é o princípio do quarto excluído que formulei em artigo deste blog de 31 de Agosto de 2011).
O que é o livre-arbítrio, senão indeterminismo?
E o determinismo moderado, o que é, senão uma combinação de determinismo (princípio segundo o qual «nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas geram sempre os mesmos efeitos») com indeterminismo (o livre-arbítrio que, nas mesmas circunstâncias, me leva a deliberar e agir de modos diferentes)?
Blackburn apresenta a doutrina de Kant sobre os dois "eu", numénico e fenoménico, como um exemplo do libertismo:
«III- Libertismo. Esta posição advoga que o compatibilismo é apenas uma fuga e que há uma noção mais substantiva e real de liberdade que pode ainda ser preservada em relação ao determinismo (e ao indeterminismo). Em Kant, enquanto o eu empírico ou fenoménico é determinado e não é livre, o eu numénico ou racional tem capacidade para agir racional e livremente. Mas, uma vez que o eu numénico existe fora das categorias do espaço e do tempo, esta liberdade tem aparentemente um valor duvidoso. Outras respostas libertistas incluem a sugestão de que o problema está mal colocado...» (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 256, Gradiva).
Não faz sentido falar em libertismo como incompatibilismo num universo em que se reconhece haver determinismo. O próprio Kant compatibiliza o eu numénico ou eu livre, capaz de se opor ao egoísmo e pugnar por ações «desinteressadas» e nobres, com o eu fenoménico ou eu animal, veículo das pulsões corporais e materiais (a avidez do dinheiro, o salvar a pele à custa dos outros, a gula, a luxúria, etc): ora manda um «eu», ora manda o outro «eu» em cada circunstância. Se a liberdade e o determinismo existem, em esferas diferentes, são compatíveis, do mesmo modo que os EUA e a URSS foram compatíveis de 1922 a 1991 enquanto houve União Soviética socialista burocrática: eram incompatíveis nas suas essências internas se as sobrepuséssemos - o capitalismo de livre-empresa e o capitalismo de estado «comunista» - mas coexistiam, compatibilizavam-se na cena mundial. Ora os confusos teóricos da "análise" admitem que libertismo coexiste com o determinismo físico do mundo:
«O libertismo não diz que não há acções determinadas - uma constipação é uma acção determinada por factores que escapam ao nosso controlo - mas somente que algumas acções não são o desfecho necessário de causas anteriores. Há acontecimentos que estão fora do nosso controlo, mas nem todos os acontecimentos estão fora do nosso controlo.» (Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 31, Plátano Editora, o negrito é posto por mim).
Então se o libertismo admite que há ações submetidas ao determinismo, onde está o incompatibilismo?
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