Eis um teste de filosofia de 11º ano de escolaridade que trata com substancialidade e razão dialética a temática " O conhecimento e a racionalidade científico-tecnológica".
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A
Março de 2012 Professor: Francisco Queiroz
I
«Chamamos a estas faculdades entendimento e razão; esta última, sobretudo, distingue-se propriamente e, sobremodo, de todas as forças empiricamente condicionadas, porque examina os seus objetos segundo ideias, determinando, a partir daí o entendimento ».
(Kant , Crítica da Razão Pura», pag. 471)
1-1) Explique a frase do texto acima.
1-2) Explique, segundo a gnosiologia de Kant, o que é e “onde” existe o númeno e onde e como se forma o fenómeno sobreiro.
1-3) Explique onde e como se forma o juízo empírico «os sobreiros estão na planície».
II
2) Relacione, justificando:
A) Os quatro passos do percurso gnosiológico de Descartes desde a dúvida hiperbólica, e ser em si e ser para si na teoria de Hegel.
B) Anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend e conjeturas na ciência em Popper.
C) Finalidade dos diversos tipos de movimentos dos entes no cosmos segundo Aristóteles e Vontade em Schopenhauer.
D) Realismo crítico em Descartes e idealismo em David Hume.
E) Verificacionismo/ Corroboracionismo segundo Karl Popper e o positivismo lógico e causação /necessidade em David Hume.
F) Ciências hermenêuticas/ Ciências empírico-formais, por um lado, e método hipotético-dedutivo, por outro lado.
CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES)
1-1) A razão é a faculdade das ideias, conceitos metafísicos, incondicionados, e é a faculdade dos princípios: pensa os númenos e a estrutura do entendimento a priori. O entendimento é a faculdade dos conceitos, a priori (exemplo: número dois, unidade) ou a posteriori (exemplo: átomo, cão), e a faculdade dos juízos, puros ou empíricos: pensa os fenómenos mas não sente. O entendimento recebe os dados empíricos da sensibilidade, a razão não. As forças empíricamente condicionadas, isto é, sujeitas a leis da natureza ou do espírito são a sensibilidade com os fenómenos e o entendimento com as suas formas a priori, categorias e juízos puros. Estão, pois fora da razão que é incondicionada, livre. (VALE DOIS VALORES).
1-2) O númeno, objeto metafísico incognoscível, como Deus e mundo (como totalidade), está, em princípio, fora do espírito humano que se compõe de três níveis essenciais, a sensibilidade, o entendimento e a razão. O fenómeno está dentro da sensibilidade, no espaço ou sentido externo, no caso de fenómenos físicos como árvores, casas, rios. O fenómeno sobreiro forma-se deste modo: do exterior ao espírito, o númeno afeta a sensibilidade e cria nesta um caos de matéria, de intuições, a que o espaço e o tempo, como formas a priori da sensibilidade, vão dar forma e enquadramento temporal e assim surge o sobreiro. (VALE TRÊS VALORES)
1-3) O juízo empírico "os sobreiros estão na planície" forma-se no entendimento do seguinte modo: em primeiro lugar, a imaginação reprodutora transporta para o entendimento as intuições empíricas de sobreiro e de planície que são transformadas em conceitos empíricos pelas categorias de unidade, pluralidade, realidade, etc. Estes conceitos acedem à tábua de juízos puros e aqui são unidos em forma de juízo afirmativo «S é P». (VALE DOIS VALORES).
2-A) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos: 1º Dúvida hiperbólica ( «Duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo uma vez que quando sonho tudo me parece real»); 2º Idealismo solipsista («Penso, logo existo» como mente); 3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe); 4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, existe fora de mim»). Podemos dizer que o segundo passo («Existe a minha mente») conjugado com o quarto passo («Existe o meu corpo e o mundo físico») formam o ser-para-si da doutrina de Hegel, que significa a humanidade, o homem, que é a Ideia absoluta voltando a si mesma. E o terceiro passo («Existe Deus») significa o ser em si, a Ideia absoluta antes de criar o universo. (VALE TRÊS VALORES).
2- B) O realismo crítico em Descartes é a doutrina segundo a qual existe um mundo de matéria real em si mesmo fora das mentes humanas destituído de qualidades secundárias (cores, sons, cheiros, sabores, calor, frio, prazer, dor), consistindo apenas em qualidades primárias ou geométricas. Assim, por as árvores não são duras nem moles, não têm cor, só têm qualidades primárias: figura, matéria impenetrável indeterminada, número, movimento. O idealismo de David Hume vai mais longe do que o idealismo parcelar de Descartes, uma vez que afirma que os objetos materiais são apenas ideias confirmáveis por impressões de sensação, isto é, existem na nossa perceção, mas não necessariamente no mundo exterior cujo conteúdo é incognoscível para nós. Hume insiste, ademais, na impermanência das coisas, no caráter fictício de substância, objeto permanente: é a nossa imaginação que atribui a continuidade a um mesmo objeto em tempos diferentes. (VALE DOIS VALORES)
2- C) No mundo sub-lunar de Aristóteles, a finalidade do movimento dos corpos, que nunca é circular, é o regresso à origem do seu constituinte fundamental: assim, a pedra lançada na esfera do ar cai em direção à esfera da Terra, que é a sua origem, porque as pedras integram a terra. No mundo celeste, estrelas e planetas giram em círculos agarrados às suas esferas de cristal com o objetivo de tentar alcançar Deus, o pensamento puro que está fora do universo e funciona como motor imóvel. A vontade em Schopenhauer é a força criadora do universo material e podemos, nesta complexa comparação com o universo de Aristóteles, identificá-la quer com as esferas do mundo sub-lunar, alvos do movimento dos corpos e de certo modo "criadoras" destes movimentos, quer com Deus, que não criou o mundo mas desperta o movimento das esferas celestes. (VALE DOIS VALORES)
2-D) O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend é a teoria segundo a qual o motivo de haver ciências universitárias proeminentes que excluem ciências antigas (medicina natural, astrologia, etc) ou práticas religiosas e mágicas é o interesse egoísta dos "cientistas" e académicos e industriais do setor em auferirem de prestígio e grandes financiamentos por parte dos Estados e a visão filosófica deficiente desses cientistas e académicos. Assim, o anarquismo de Feyerabend defende a pluralidade de métodos e a improvisação ad hoc de novos métodos e exige que todas as ciências e rituais não científicos de comprovada utilidade sejam postos em plano de igualdade e sujeitas a testes, a controlos, que eliminem a ideologia dominante. Popper, por sua vez, reconhece que todas as ciências de base empírica são conjuntos de conjeturas ou suposições mas aceita hierarquizá-las, provisoriamente, dizendo que são melhores as que resistiram aos testes de falsificabilidade, e não põe em causa a medicina oficial alopática, classifica a astrologia como "superstição" e afasta a acusação de «má intenção e abuso de poder» que Feyerabend faz aos círculos científicos e tecnocráticos dominantes hoje. (VALE DOIS VALORES)
2- E) O verificacionismo é, segundo Popper, impossível de comprovar porque estende, por indução amplificante, alguns casos empíricos (uma amostra) a todos os casos . Assim, verificacionismo e indução amplificante são sinónimos na perspetiva do positivismo lógico: por exemplo, observar 1000 pedaços de quartzo e constatar que em todos há uma estrutura cristalina trigonal composta de tetraedros de sílica autoriza proclamar que em todo o quartzo existente no mundo há uma estrutura trigonal. Popper discorda desta indução amplificante e prefere dizer que o estudo dos 1000 pedaços de quartzo corroborou ou confirmou nesses casos e só nesses (corroboracionismo) a estrutura trigonal do quartzo, mas não verificou esta.
David Hume é um percursor de Popper ao teorizar que o princípio do determinismo, segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, denominado causação, não é real na natureza porque há muitas excepções ou porque é impossível verificar a totalidade dos casos da lei, mas é apenas uma construção da nossa mente, uma das sete relações filosóficas. (VALE DOIS VALORES)
2-F) As ciências hermenêuticas ou sociais são aquelas que não assentam num rigoroso determinismo, quantificável, mas sim em teses mais ou menos metafísicas, desdobrando-se em várias interpretações ( hermenêutica, arte da (boa) interpretação de textos e símbolos diversos) sobre um mesmo tema. A psicanálise, por exemplo, é uma dessas ciências: a hipótese de os meninos de 3 a 5 anos de idade sentirem o complexo de Édipo (desejo de matar ou afastar o pai e casar com a mãe) não se verifica em todas as sociedades, segundo Margaret Mead, logo não é universalmente induzível. De um modo geral, estas ciências hermenêuticas não utilizam o método hipotético-dedutivo que comporta quatro fases: a observação, a hipótese (e sua matematização numa fórmula), a dedução da fórmula (para casos concretos) e a experimentação. Ao contrário, às ciências empírico-formais, isto é, construções racionais matematizadas a partir de uma infinidade de dados sensoriais, aplica-se perfeitamente o método hipotético-dedutivo. (VALE DOIS VALORES)
Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.
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