Quarta-feira, 14 de Março de 2012
Dois testes de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal (final do 2º período)

 

Eis dois testes de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal, nos moldes que preconizo para desenvolver a capacidade filosófica dos alunos, fazer deles seres cultos e raciocinantes. Não tem perguntas de resposta quádrupla em cruz que, normalmente, abundam nos testes dos professores de filosofia de nível mediano ou medíocre que se recusam a pensar ou são incapazes de pôr os seus alunos a pensar em profundidade. Respostas de cruz a perguntas de escolha múltipla em testes de filosofia é sinal de anti-filosofia ou pseudofilosofia, unidimensionalidade do pensamento, em regra.

 

 Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA D

 

Março de 2012,   Professor: Francisco Queiroz              

 

I

 

“A filosofia hermética dos construtores aplicava, na construção das catedrais da idade média, o princípio do microcosmos- macrocosmos que é, de certo modo, um princípio metafísico. A ascese em Platão, a noese e a dianóia ligam-se ao racionalismo mas a epithimia liga-se ao empirismo. A epochê dos estóicos visa atingir a ataraxia e tem semelhanças com a ética do taoísmo. Thomas Hobbes tinha uma visão do estado de natureza diferente daquela que tinha John Locke, e por isso o contratualismo de Hobbes é distinto do de John Locke e um destes dois liga-se ao iluminismo».

 

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.

 

 

 

2) Relacione, justificando:

 

 

 

A) Valores ético-políticos das esquerdas e das direitas, liberdade e igualdade económica.

 

B) Determinismo com livre-arbítrio e fatalismo.

 

C) Princípio da maior felicidade em Stuart Mill e empirismo.

 

D) Propriedade privada das empresas e autogestão operária, por um lado, e liberalismo, comunismo leninista e anarquismo, por outro lado.

 

E) Imperativo categórico e imperativo hipotético em Kant e dualismo antropológico no estoicismo.

 

F) Uno e múltiplo, por um lado, conceito e percepção empírica, por outro.

 

  

 

CORREÇÃO DO TESTE ( COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) A filosofia hermética, isto é, esotérica, inspirada em princípios metafísicos secretos atribuídos a Hermes Trimegistus, dos arquitetos das catedrais medievais incluía o princípio de que o microcosmos (pequeno universo; por exemplo, uma montanha, uma igreja) era o espelho do macrocosmos (grande universo: o céu com as estrelas, as galáxias). Assim, os templários erguiam os seus castelos de modo a que a planta arquitetónica destes imitasse o desenho da constelação do Boeiro ou de outras constelações celestes. A catedral medieval - como vimos na visita de estudo a Sevilha - é um microcosmos que imita o imaginário corpo cósmico de Cristo de braços abertos: a abside representava a cabeça de Cristo e deveria estar voltada a Oriente, onde nasce o Sol, símbolo de Cristo; o transepto representava os braços abertos de Cristo e o altar o coração; as naves, central e lateral, o tronco e as pernas de Cristo. O princípio da correspondência entre o superior e o inferior é metafísico porque se apreende por intuição noética, não pelos orgãos sensoriais (ESTAS QUATRO FRASES ANTERIORES VALEM DOIS VALORES). A ascese em Platão, ou seja, ascensão da alma racional ao inteligível, mediante a filosofia, a matemática e a música, desligando-se da matéria, a noese ou apreensão direta dos arquétipos de Bem, Belo e outros e a dianóia ou raciocínio demonstrativo são formas de racionalismo, doutrina que diz que a razão e os seus raciocínios é a fonte do conhecimento e da verdade, negando ou desvalorizando as sensações, ao passo que a epithimia ou parte inferior da alma localizada no ventre e baixo-ventre (desejos de comer, beber, possuir riquezas materiais, etc) se liga ao empirismo, doutrina que afirma que a grande fonte dos nossos conhecimentos é a experiência sensorial, o que vemos, cheiramos, saboreamos e tocamos (VALE DOIS VALORES). A epochê dos estóicos é a suspensão do juízo de valor ( exemplo: «Dizem-te que a tua casa ardeu, faz epochê, não consideres isso uma tragédia») e visa atingir a ataraxia, isto é, a calma absoluta e é semelhante à ética quietista do taoísmo porque esta preconiza «não ter ambições, não agir, não procurar desvendar os segredos do Estado». (VALE DOIS VALORES). Thomas Hobbes achava que o estado de natureza, isto é, a sociedade sem leis, nem Estado, era perigosa e nela «o homem é o lobo do homem» e preconizava um contratualismo absolutista, ou seja, um acordo de milhares ou milhões de homens para, a troco da sua segurança, entregar o poder a um rei absoluto, um ditador ao passo que John Locke via aspetos positivos no estado de natureza e sustentava o contratualismo liberal, ou seja, o acordo de milhões de homens para a criação de um Estado liberal, que garantisse a propriedade privada e liberdades individuais políticas, dotado de um parlamento livremente eleito, residindo a soberania no povo. É Locke quem se inspira nos princípios iluministas consagrados depois dele: liberdade, igualdade e fraternidade, os homens nascem livres e iguais por direito natural e devem pensar e agir autonomamente, de forma racional (VALE DOIS VALORES).

 

2) A) Os valores ético-políticos das esquerdas (anarquistas, comunistas leninistas, socialistas ou sociais-democratas) são: limitar ou aniquilar o poder dos muitos ricos, da alta burguesia, e promover uma moderada ou radical igualdade económica ( os socialistas, através de impostos progressivos sobre as grandes fortunas, os comunistas nacionalizando estas, os anarquistas impondo a autogestão operária nas empresas), dando liberdade aos sindicatos e correntes de esquerda (excetuando as ditaduras comunistas neoestalinistas onde a liberdade é letra morta). Os valores ético-políticos das direitas (liberais e neoliberais, conservadores e fascistas) são: fazer crescer o poder dos ricos e dos muito ricos, privatizar muitas empresas estatais, na convição de que o capitalismo de concorrência é o melhor sistema possível que dá emprego a quase toda a gente, combatendo o igualitarismo económico dos comunistas e anarquistas e defendendo a democracia liberal capitalista (exceção feita aos fascistas, que desejam uma ditadura direitista). (VALE DOIS VALORES)

 

2) B) Determinismo com livre-arbítrio, chamado no manuais determinismo moderado, é a corrente segundo a qual a natureza se compõe de leis necessárias, infalíveis ( nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos) e o homem dispõe da capacidade de escolher,livremente, mediante a reflexão, esta ou aquela cadeia determinista, realizar ou não certo ato, certo valor. O fatalismo é diferente uma vez que sustenta que tudo está predestinado e não há livre-arbítrio humano. (VALE DOIS VALORES)

 

2) C)  O princípio da maior felicidade de Stuart Mill sustenta que a acção moral deve ser altruísta, visar a felicidade de uma maioria das pessoas envolvidas, ainda que com prejuízo de uma minoria de pessoas ou do próprio agente da ação. O empirismo sustenta que quase todas as nossas ideias derivam das sensações, das perceções sensoriais. Assim, por exemplo, a noção de maior felicidade para os alunos de uma dada escola no ultimo dia de aulas exige uma visão empírica ou empirista: se a maioria dos alunos se acumula com prazer no ginásio grande da escola a ouvir música dos «Feedback Line», dos «Contraluz» ou de outro grupo musical adolescente aí está a prova da ligação entre a felicidade da maioria e a apreensão empírica dela. (VALE DOIS VALORES)

 

2) D) A propriedade privada das empresas é o facto de as fábricas, lojas, supermercados, herdades agrícolas, transportadoras aéreas, fluviais ou terrestres, etc, serem, juridicamente, pertença de um ou vários capitalistas ( os acionistas). É defendida pelo liberalismo como sendo a base do progresso e da liberdade mas é combatida por comunistas leninistas - que numa fase inicial defendem as pequenas empresas - e por anarquistas. Estes últimos são os grandes defensores da autogestão operária, isto é, a doutrina da expropriação e expulsão dos patrões das empresas que ficam a funcionar sob o comando da assembleia geral de todos os operários, engenheiros e contabilistas. Os marxistas-leninistas apoiam algumas empresas em autogestão mas preferem as empresas nacionalizadas sob governo comunista porque isso lhes permite centralizar a economia e dirigi-la. ( VALE DOIS VALORES)

 

2) E) O imperativo categórico em Kant é a verdadeira lei moral que se enuncia assim: «Age como se quisesses que a tua ação fosse a lei universal da natureza, aplicando a tua máxima a todos por igual, sem distinções e sem egoísmo.» Brota do eu numénico ou racional. Corresponde às máximas estóicas do tipo «Actua com benevolência em relação a todos os seres humanos, mesmo em relação aos que te ofendem, porque a razão universal é uma só e uma só é a tua linhagem, a espécie humana»  geradas no eu interior ou racional. O imperativo hipotético em Kant, lei amoral ou de falsa moral, diz o seguinte: «Age por interesse egoísta, de modo a beneficiares primeiro que tudo a ti mesmo ou a ti e aos teus familiares e amigos, prejudicando ou desprezando outras pessoas ou a humanidade em geral». Brota do eu fenoménico ou empírico e corresponde, no estoicismo, ao "eu exterior" ou corpo físico de cada um. Assim se correspondem os dois dualismos, sendo designados de dualismo antropológico porque dividem o homem em dois pólos, o racional e o físico-empírico. (VALE DOIS VALORES)

 

2) F) Uno é o Um e múltiplo é o dois, três, quatro e assim infinitamente. O conceito parece ser uno em relação às percepções empíricas similares que são múltiplas. Exemplo:o conceito ou ideia de sobreiro é um só e corresponde às muitas imagens (percepções empíricas) de sobreiros que estou, neste momento, a ver neste campo do Alentejo. (VALE DOIS VALORES) .

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.

 

Vejamos um segundo teste de filosofia.

 

NOTA: A esmagadora maioria dos professores de filosofia, centrados na lógica proposicional clássica - que, no 11º ano mergulha os alunos nos inspetores de circunstâncias, nos operadores verofuncionais, nos silogismos disjuntivos, hipotéticos e dilemas, na «avaliação de argumentos», na negação do condicional, do bicondicional, das leis de Morgan, conhecimentos de lógica inúteis para o verdadeiro filosofare centrados em conteúdos mais ou menos confusos, infetados pelo desprezo da ontologia dos clássicos (Platão, Aristóteles. Leibniz, Hegel, etc), desprezo que os manuais de 10º ano editados veiculam, não pode nem sabe dar testes da qualidade dos que aqui apresento: dá testes superficiais, sem amplitude filosófica autêntica, insubstanciais. E, no entanto, quanta arrogância nesta geração de licenciados, mestres e doutorandos (entre os 25 e os 50 anos de idade) de faculdades de filosofia! Estas estão instrumentalizadas por catedráticos destituídos de visão holística que, entre outras asneiras, declaram que «a astrologia histórica é uma superstição anticientífica» sem, como é óbvio, terem investigado minimamente o assunto! Nenhum dos famosos "vinte e cinco melhores pensadores do mundo" segundo o «Nouvel Observateur», entre eles José Gil, consegue conceber que o destino das pessoas e sociedades é determinado pelas movimentações do Sol, da Lua e dos planetas no Zodíaco. São, cosmologicamente, néscios. A filosofia universitária bloqueia, a partir das cátedras, a aletheia, a desocultação da verdade.

 

 Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

 

 Março de 2012         Professor: Francisco Queiroz           

 

I

 

“A filosofia hermética dos construtores aplicava, na arquitectura das catedrais da idade média, o princípio do microcosmos- macrocosmos que é, de certo modo, um princípio metafísico. A substituição do Estado social pelo Estado liberal é uma expressão da luta entre as direitas e as esquerdas no quadro do capitalismo e do Estado de direito democrático inspirado no iluminismo. Thomas Hobbes tinha uma visão diferente da de Rousseau sobre o estado de natureza e, por isso, preconizava um contratualismo diferente do de John Locke e do de John Rawls, o último dos quais se opunha explicitamente ao socialismo autoritário.”

 

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.

 

                                                        II

 

2) Relacione, justificando:

 

 

 

A) Princípio da maior felicidade em Stuart Mill e imperativo categórico em Kant.

 

B) Essência, acidente e reminiscência em Platão.

 

C) Realismo ontológico, idealismo ontológico e objetividade.

 

D) Ética do taoísmo e ética do estoicismo.

 

E) Relativismo e teoria do acto e da potência em Aristóteles.

 

F) Indeterminismo biofísico  com livre-arbítrio (libertismo) e fatalismo.

 

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) A filosofia hermética, isto é, esotérica, inspirada em princípios metafísicos secretos atribuídos a Hermes Trimegistus, dos arquitetos das catedrais medievais incluía o princípio de que o microcosmos (pequeno universo; por exemplo, uma montanha, uma igreja) era o espelho do macrocosmos (grande universo: o céu com as estrelas, as galáxias). Assim, os templários erguiam os seus castelos de modo a que a planta arquitetónica destes imitasse o desenho da constelação do Boeiro ou de outras constelações celestes. A catedral medieval - como vimos na visita de estudo a Sevilha - é um microcosmos que imita o imaginário corpo cósmico de Cristo de braços abertos: a abside representava a cabeça de Cristo e deveria estar voltada a Oriente, onde nasce o Sol, símbolo de Cristo; o transepto representava os braços abertos de Cristo e o altar o coração; as naves, central e lateral, o tronco e as pernas de Cristo. O princípio da correspondência entre o superior e o inferior é metafísico porque se apreende por intuição noética, não pelos orgãos sensoriais (ESTAS QUATRO FRASES ANTERIORES VALEM DOIS VALORES). A substituição do Estado social, isto é, do Estado social-democrata, - um Estado capitalista de centro-esquerda, que oferece saúde e ensino gratuitos ou quase gratuitos a toda a população, subsídio de desemprego, rendimento de inserção social e pensões diversas aos desfavorecidos à custa de impostos progressivos sobre os ricos - pelo Estado liberal - um Estado mínimo capitalista, que reduziu ou aboliu a gratuidade do ensino e dós cuidados de saúde, reduziu ao mínimo a segurança social, deixando milhões de desempregados entregues à sorte -  reflete a luta entre a direita (liberais, conservadores e fascistas), adepta das privatizações de empresas,  e as esquerdas (socialistas ou sociais-democratas, comunistas e anarquistas) adeptas da nacionalização de empresas estratégicas ou mesmo da autogestão operária. As esquerdas querem manter, no imediato, o Estado social e as direitas fazem-no emagrecer transformando-o em Estado liberal, não intervencionista na economia, quase reduzido só aos corpos militares e policiais, fiscais, judiciais e político-parlamentares. Ambos - Estado Social e Estado Liberal - são formas do Estado de direito democrático, isto é, um Estado baseado numa constituição que consagra a tripartição de poderes (legislativo, executivo e judicial) e que consiste numa democracia multipartidária, com eleições periódicas de um parlamento nacional e parlamentos locais, liberdade de imprensa, greve operária, propriedade privada de empresas, manifestação de rua e reunião, associação sindical e política, culto religioso e ateísmo, etc, de acordo com os princípios do iluminismo, filosofia da liberdade, igualdade e fraternidade entre todos os homens, que nascem livre e iguais em direitos e deveres e devem pensar e agir autonomamente, de forma racional. (ESTAS FRASES ANTERIORES VALEM TRÊS VALORES NO CONJUNTO). Thomas Hobbes achava que o estado de natureza, isto é, a sociedade sem leis, nem Estado, era perigosa e nela «o homem é o lobo do homem» e preconizava um contratualismo absolutista, ou seja, um acordo de milhares ou milhões de homens para, a troco da sua segurança, entregar o poder a um rei absoluto, um ditador ao passo que Rousseau via o estado de natureza de forma positiva, uma sociedade de homens livres em estado selvagem, cada um alimentando-se dos frutos de árvores à sua disposição, sem impor escravidão ou servidão a outros (doutrina do bom selvagem). John Locke,  e mais tarde, no século XX, John Rawls, sustentavam o contratualismo liberal-democrático, ou seja, o acordo de milhões de homens para a criação de um Estado liberal, que garantisse a propriedade privada e liberdades individuais políticas, dotado de um parlamento livremente eleito, residindo a soberania no povo. Rawls defendia que os cidadãos deveriam votar as leis a coberto de um véu de ignorância sobre a riqueza e o poder de cada um e rejeitava o socialismo autoritário, isto é, a ditadura comunista marxista-leninista que expropria a burguesia tradicional (VALE DOIS VALORES). 

 

2) O princípio da maior felicidade de Stuart Mill sustenta que a acção moral deve ser altruísta, visar a felicidade de uma maioria das pessoas envolvidas, ainda que com prejuízo de uma minoria de pessoas ou do próprio agente da ação.  O imperativo categórico em Kant, a verdadeira lei moral segundo este,  enuncia-se assim: «Age como se quisesses que a tua ação fosse a lei universal da natureza, aplicando a tua máxima a todos por igual, sem distinções e sem egoísmo e trata cada ser humano como um fim em si e não um meio .» Brota do eu numénico ou racional. Stuart Mill contenta-se com a felicidade de uma maioria mas Kant deseja a felicidade ou a infelicidade de todos, uma vez que o seu objetivo é a equidade universal da ação emanada de um mesmo sujeito. (VALE DOIS VALORES).

 

2- B) Em Platão, as essências são os arquétipos do mundo inteligível, as formas imóveis e eternas do Bem, do Belo, do Justo, do Dois, do Quatro, etc. A reminiscência é a lembrança vaga desses arquétipos que a alma na sua descida ao mundo material ou sensível conserva, depois de quase tudo esquecer no rio Letes. O acidente é um traço ou acontecimento fortuito que não existe no arquétipo em si mas no modo como a alma se comporta ante ele: há almas que não contemplam o arquétipo de Justo ou de Sábio e isso é por acidente. (VALE DOIS VALORES).

 

2-C) Realismo ontológico: o mundo material subsiste por si mesmo, fora das mentes humanas. Idealismo ontológico: o mundo material está dentro da imensa mente humana de cada um. Objetividade é o caráter de objeto, coisa ou situação visível para todos ou compreensível para todos mediante uma razão comum. Aparentemente, o realismo ontológico é «mais objetivo» que o idealismo. Mas... (VALE DOIS VALORES).

 

2-D) A ética do taoísmo preconiza o não agir, o refrear os desejos, aceitar uma vida calma e trabalhosa como a de um camponês sedentário, desconfiado dos estudos e dos políticos, astuto, que estuda o seu inimigo elogiando-o, até um dia o poder derrubar. A ética do estoicismo preconiza a aceitação do destino, o autodomínio obtido mediante o eu racional, o «guia interior», a benevolência face a todos os seres humanos, a epoché ou suspensão do juízo de valor («Falam mal de ti? Não consideres isso mau nem bom. Suspende o juízo») visando a ataraxia ou impassibilidade da alma. Tanto o taoísmo como o estoicismo recomendam contenção dos desejos, autodomínio. (VALE DOIS VALORES)

 

2-E) Relativismo é a doutrina segundo a qual as coisas e suas propriedades, os valores, mudam conforme o tempo, o lugar, as sociedades, as culturas. Ato é a realidade presente de algo, potência é a capacidade de esse algo se transformar no futuro e o resultado previsível dessa transformação. Exemplo: a semente é semente em ato e árvore em potência. O relativismo exprime-se na dualidade ato potência: as coisas são algo em ato e são algo diferente em potência, o seu ser é relativo ao tempo em que se encontra. (VALE DOIS VALORES)

 

2-F) Indeterminismo biofísico com livre-arbítrio é a doutrina segundo a qual não há leis fixas, necessárias, de causa-efeito na natureza (exemplo: nem todos os seres humanos envelhecem, nem todos se alimentam de sólidos e sobrevivem) e há livre-arbítrio, possibilidade de deliberar racionalmente sobre as ações. Fatalismo é o oposto, sob certo aspeto: não há livre-arbítrio, todos os acontecimentos estão rigorosamente predestinados. (VALE DOIS VALORES). 

 

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.

 

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Terça-feira, 31 de Janeiro de 2012
Schopenhauer compreendeu bem Kant

 

Ao contrário da generalidade dos académicos de hoje, que interpretam Kant como um realista crítico ou realista fenomenológico (exemplificando como interpretam Kant: há fora de mim uma árvore material que é númeno, incognoscível, e a árvore que eu vejo é fenómeno, representação) Schopenhauer compreendeu muito bem o sentido da expressão "realismo empírico" em Kant. Escreveu:

 

«Sem embargo, o idealismo transcendental não disputa de maneira alguma ao mundo existente a sua realidade empírica, mas diz unicamente que esta não é incondicional, posto que tem por condição as nossas funções cerebrais das quais resultam as formas de percepção, quer dizer, tempo, espaço e causalidade; que por conseguinte, essa mesma realidade empírica não é mais que a realidade de um fenómeno.» (Arthur Schopenhauer, Historia de la filosofía (de los Presocraticos a Hegel) , pag 65, Editorial Quadrata).

 

E escreveu ainda:

 

« Vemos pois que Locke desconta da qualidade das coisas em si que recebemos de fora, o que é ação dos nervos dos sentidos; este é princípio simples, compreensível e indiscutível. Mas neste caminho deu Kant, mais tarde, o grande passo gigantesco  descontando também o que é ação do nosso cérebro (de essa massa nervosa relativamente muito maior) pelo qual se reduziram então todas as supostas propriedades primárias a secundárias, e as supostas coisas em si, a simples fenómenos, mas ficando então a verdadeira coisa em si despojada de aquelas propriedades e como uma quantidade completamente incógnita, como um verdadeiro x.» (Schopenhauer, ibid, pag 118; o destaque a negrito é de mimha autoria).

 

Ao falar da redução das qualidades primárias (forma, tamanho, movimento, extensão, substância indefinida)  a qualidades secundárias (as que só existem na nossa percepção, na nossa mente) Schopenhauer acentua bem o idealismo de Kant, em que a matéria é interna ao espírito humano. No entanto, é de assinalar que Kant manteve, na esfera idealista do espírito,  a distinção das qualidades primárias- que no seu sistema são intersubjetivas, apenas empiricamente reais (realismo empírico) - e das qualidades secundárias - cor, cheiro, sabor, calor e frio, grau de dureza, etc, - que no seu sistema são subjetivas, absolutamente irreais.  

 

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Sábado, 1 de Outubro de 2011
Locke no realismo crítico anticromático e antisonoro

John Locke  considerou a forma como o fim da extensão e da solidez. Escreveu:

 

«A solidez e a extensão e o seu fim, a forma, juntamente com o movimento e o repouso, dos quais possuímos ideias, continuariam a existir no mundo tal como são agora se não existisse nenhuma criatura sensível para as apreender; estamos por isso certos quando as olhamos como as verdadeiras modificações da matéria, assim como são as causas de todas as variadas sensações que temos dos corpos.»
(John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, volume I, pag 498, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

A solidez é a característica distintiva da matéria mais densa. Portanto, parece não haver dúvida que o mundo dos corpos sólidos existiu antes de haver humanidade, mentes humanas, ainda que as ideias de cor, som, cheiro, sabor, calor, frio, sejam subjectivas ou intersubjectivas, isto é, existentes unicamente nas mentes humanas. Designa-se isto por realismo crítico anticromático e antisonoro. Há realismos críticos de outras espécies, como por exemplo, a teoria física cromática de que apenas existem na natureza três cores primordiais, azul, vermelho e verde, sendo as outras formadas no interior do nosso cérebro por combinação das primárias.

 

LOCKE E AS IDEIAS COMPLEXAS DE SUBSTÂNCIA

 

As ideias de cavalo, de homem ou de cobre são ideias complexas de substância, segundo Locke, porque o cavalo se compõe da combinação das ideias simples de pata, crinas, galope, trote, etc, a ideia de homem se compõe das ideias simples de cabeça, de tronco humano, de fala, de pensar, etc, combinadas de certa maneira, a ideia de cobre se compõe de solidez metálica, cor avermelhada, alaranjada ou acastanhada, etc.

 

Escreve Locke:

 

«As ideias que constituem as ideias complexas das substâncias corpóreas são de três tipos. Em primeiro lugar, as ideias das qualidades primárias das coisas que são observáveis pelo uso dos sentidos e que, mesmo quando delas não nos apercebemos, se encontram nas coisas; assim são: o volume, a forma, o número, a situação e o movimento, que realmente existem nos corpos, mesmo que deles não nos apercebamos. Em segundo lugar, as qualidades sensíveis secundárias que dependem destas e que não são mais do que os poderes que essas substâncias possuem para produzir várias ideias em nós através dos sentidos; estas ideias não se encontram nas coisas em si, a não ser que algo as tenha causado. Em terceiro lugar, a capacidade que consideramos existir em qualquer substância, para realizar ou receber essas alterações das qualidades primárias, de maneira que essa substância, assim modificada, produz em nós ideias diferentes das que possuíamos anteriormente acerca do mesmo.» (Locke, ibid, páginas 393-394; o negrito é colocado por mim)

 

«Porque para falar com precisão, a cor amarela não existe verdadeiramente no ouro, mas é um poder que o ouro possui para nos causar essa ideia através dos olhos, quando colocado sob uma luz adequada. E o calor, que não podemos dissociar das nossas ideias de sol, também não está propriamente no sol, tal como a cor branca que faz aparecer na cera.» (Locke, ibid, pag 394)

 

Não considero absolutamente claro este texto de Locke. Que significa a frase «em terceiro, lugar a capacidade que consideramos existir em qualquer substância para realizar ou receber essas alterações das qualidades primárias»? Não deveria estar incluída na própria definição de qualidades primárias, feita em primeiro lugar? Afinal, a transformação da forma ou do movimento - qualidades primárias - de um objecto exterior, como por exemplo, o rebentar de um balão, que da forma esférica cheia de ar passa subitamente à forma retraída de um figo ou de uma lasca de madeira, constitui uma ideia complexa aparte que se deva pôr no mesmo plano que as qualidades primárias e as qualidades secundárias? Não me parece.

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 30 de Setembro de 2011
John Locke abre a porta ao idealismo e à fenomenologia

John Locke está no limite entre o idealismo e o realismo, já fora deste, porque não garante que a matéria seja substância, mas apenas um modo de apreensão da substância incognoscível. É o atomismo perceptivo - verdadeira filosofia analítica do século XVII - que permite colocar um ponto de interrogação sobre o conceito de substância. A substância está fora de mim mas é incognoscível. Kant virá buscar a isto ,e à tese similar de David Hume, a ideia de númeno, o objecto incognoscível fora da mente humana e do mundo natural englobado nesta. Locke escreveu:

 

«Logo, quando discutimos ou pensamos acerca de quaisquer tipos de substâncias materiais como o cavalo, a pedra, etc, embora a ideia que possuímos de ambos seja apenas a compilação ou a associação dessas múltiplas ideias simples das qualidades sensíveis que costumávamos encontrar unificadas na coisa denominada cavalo ou pedra, uma vez que não podemos conceber como é que ambas poderiam subsistir sozinhas ou uma na outra, supomos que existem num objecto comum ou são suportadas por ele. Este suporte é registado sob o nome de substância, embora seja claro que não temos uma ideia clara e distinta acerca dessa coisa que supomos ser um suporte.»

 

(John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, volume I, pag 389, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

Isto significa que o grau de dureza da vasilha de barro, o seu cheiro típico, a sua forma arredondada são ideias simples e reais mas a substância no seu todo que nos é dada pela ideia complexa de vasilha de barro, já é obscura ontologicamente. A passagem da parte (a ideia simples) ao todo (a ideia complexa) é mediada por uma espécie de cortina de névoa que não permite divisar os contornos, a natureza dos objectos exteriores.

 

 

 

 

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Quinta-feira, 29 de Setembro de 2011
Locke: a natureza insubstancial, incorpórea do espaço

John Locke combateu a ideia de substância - coisa estável, que subsiste por si mesma, como por exemplo, um cavalo - e de acidente - qualidade algo "volátil" ou fortuita que se insere na substância, no caso anterior, a cor negra do cavalo, o tamanho das crinas, a altura exacta. David Hume adoptaria a mesma posição anti aristotélica. 

 

«17. Se se pergunta (como é habitual) se este espaço destituído de corpo é uma substância ou um acidente, responderei prontamente que o ignoro, e não me envergonho  da minha ignorãncia, até que os fizeram a pergunta não me proporcionarem uma ideia clara e distinta da substância.»  (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, volume I, pag 217, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

Locke advoga a teoria do espaço insubstancial, extensão sem quaisquer corpos materiais.

 

«É certo que nem a solidez pode existir sem a extensão, nem a cor escarlate sem a extensão, mas isso não impede que sejam ideias distintas. Há muitas ideias que requerem outras como necessárias para a sua existência ou concepção, mas que, no entanto, são ideias muito distintas. O movimento não pode ser, nem pode conceber-se sem o espaço, e, no entanto, o movimento não é o espaço, nem o espaço é o movimento, pois o espaço pode existir sem ele: trata-se de ideias muito distintas. (...)» (Locke, ibid, pag 214).

 

«12. Primeiro: a extensão não inclui a solidez nem resistência ao movimento de um corpo, como acontece com o corpo.

« 13 . Segundo: as partes do espaço puro são inseparáveis umas das outras, de tal modo que a continuidade não pode ser interrompida, nem real nem mentalmente. (Locke, ibid, pag 215)»

 

«...podemos conceber tão facilmente o espaço sem solidez como podemos conceber o corpo ou o espaço sem o movimento, ainda que seja muito duvidoso que o corpo e o movimento possam existir sem espaço. Mas quer se considere o espaço somente como uma relação da existência de outros seres situados à distância, quer se pense que devem entender-se literalmente estas palavras do mui sábio rei Salomão. "Porque se o céu e o céu dos céus não te podem conter" (III Reis VIII, 27) ou aquelas mais enfáticas do inspirado filósofo S.Paulo: "nele vivemos e nos movemos, e existimos" (Actos XVII, 28) é assunto que deixo à consideração de cada um». (Locke, ibid, pag 225; o negrito é posto por mim).

 

Ao duvidar que o espaço seja substância, isto é, algo em si mesmo que serve de suporte para outras entidades, Locke abre uma porta para abandonar a concepção realista do mundo, segundo a qual o espaço e o tempo são realidades em si exteriores, em geral, às mentes humanas.

 

No entanto, questione-se Locke: como podem dois entes estar à distância um do outro sem haver espaço e este ser apenas uma relação? Não é a distância um pedaço de extensão?

 

 

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Segunda-feira, 26 de Setembro de 2011
Incoerências de John Locke sobre modo e substância

 

John Locke não é claro na distinção entre os diferentes tipos de ideias: à ideia de triângulo chama, por exemplo, ideia complexa, mas às ideias de uma dúzia e de vintena chama ideias simples ou modos simples... Não é coerente.

 

«Às ideias resultantes de várias ideias simples unidas chamos ideias complexas, tais como a beleza, a gratidão, um homem, um exército, o universo. » (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, página 202, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

Locke divide as ideias complexas que resultam da união de ideias simples em três grupos: os modos, as substâncias, as relações. E escreve:

 

«4. Em primeiro lugar, chamo modos a essas ideias complexas que, embora compostas, não contêm em si a suposição de que subsistem por si próprias, mas são consideradas como dependências ou atributos de substâncias. Tais são as ideias expressas pela palavra triângulo, gratidão, assassínio, etc. (...).

 

«5. Há dois tipos de modos que merecem uma consideração à parte.

      «Primeiro, há alguns que são apenas variações ou combinações diferentes de uma mesma ideia simples, sem mistura de qualquer outra. Por exemplo, uma dúzia, uma vintena, que não são senão as ideias de outras tantas unidades diferentes que foram somadas. A estes chamo modos simples, porque estão compreendidos nos limites de uma ideia simples.»

     «Segundo, há outros que são compostos de ideias simples de diversas espécies, que se uniram para formar uma só ideia complexa. Por exemplo, a beleza que consiste numa certa composição de cor e figura, que deleita o espectador; e também o roubo que, sendo a mudança oculta da posse de algum objecto sem o consentimento do dono, contém, como é evidente, uma combinação de várias ideias de diferentes espécies. A estes chamo modos mistos

 

«6. Em segundo lugar, as ideias das substâncias são aquelas combinações de tipo simples que se presume representarem diferentes coisas particulares que subsistem por si próprias, nas quais a ideia suposta ou confusa de substância, tal como é, aparece sempre como a primeira e principal. Deste modo, se à ideia de substãncia se une a ideia simples de uma certa cor esbranquiçada esbatida, com certos graus de peso, dureza, ductilidade e fusibilidade, obtemos a ideia de chumbo. De igual modo, uma combinação de ideias de uma certa figura, com capacidade de mover-se, pensar e raciocinar, unidas à de substância, produz uma ideia geral de homem. Entre as substâncias, há também duas espécies de ideias, uma, de substâncias singulares, na medida em que existem separadas, tais como as de um homem ou de uma ovelha; outra, de várias substâncias reunidas, tais como um exército de homens ou um rebanho de ovelhas. Estas ideias colectivas de várias substâncias assim reunidas são, cada uma delas, uma só ideia, como é a de um homem ou de uma unidade.»

 

«7. Em terceiro lugar, a última espécie de ideias complexas é a que chamamos relação, e que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra.» (John Locke, ibid, pags 203-205; o negrito é colocado por mim).

 

 

Como é que John Locke pode considerar o triângulo como um atributo de uma substância mas não como substância? Há alguma confusão nisso. Tomemos um exemplo.

O frontão é um conjunto arquitectónico, de origem greco-romana,  em forma de triângulo que em regra, decora a fachada superior de edifícios, sendo composto por uma cimalha (base do triângulo) e duas empenas (os lados do triângulo que se cruzam no vértice superior). A substância frontão é um triângulo com textura ou conteúdo de pedra, cimento, madeira ou outro material de construção civil: o triângulo não é um mero atributo do frontão, é o contorno da sua essência, parte determinante desta. A essência do frontão - uma substância primeira (proté ousía) na terminologia de Aristóteles - é a forma de triângulo impressa na matéria, a forma individuada.

 

Triângulo é uma essência mas inessencial quando se define o género figura geométrica. As espécies são essências mas cada uma delas é por si só inessencial dentro da definição do género.


 

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Domingo, 25 de Setembro de 2011
John Locke: as duas fontes das nossas ideias

John Locke (29 de Agosto de 1632- 28 de Outubro de 1704), filósofo inglês liberal, salientou que há duas fontes do conhecimento: os sentidos, que nos dão a percepção dos objectos externos, e a reflexão ou percepção interna das operações da razão. Os sentidos são a única fonte material do conhecimento, os fornecedores da "matéria-prima", isto é, das formas, cores, sons, densidade, impenetrabilidade, etc, dos objectos exteriores. Escreveu:

 

«3. Em primeiro lugar, os nossos sentidos, no comércio com objectos sensíveis particulares, introduzem na mente várias percepções distintas de coisas, consoante os diversos modos segundo aos quais esses objectos os afectam. E, assim, chegamos a possuir essas ideias que temos do amarelo, do branco, do quente, do frio, do mole, do duro, do amargo, do doce, e de todas aquelas que chamamos qualidades sensíveis. E quando digo que os sentidos as introduzem na mente, quero significar que eles transmitem, dos objectos exteriores para a mente, aquilo que nela produz aquelas percepções. Chamo SENSAÇÂO a esta grande fonte da maior parte das ideias que temos, posto que estas dependem totalmente dos nossos sentidos e por eles são comunicados ao entendimento. »

 

 

«4. Em segundo lugar, a outra fonte a partir da qual a experiência provê de ideias o entendimento é a percepção das operações interiores da nossa própria mente enquanto se debruça sobre as ideias que recebeu. Essas operações, quando a alma sobre elas reflecte e as considera, abastecem o entendimento de uma outra série de ideias que não se poderiam receber das coisas exteriores. Tais são as de percepção, pensar, duvidar, acreditar, raciocinar, querer e de todas as diversas acções do nosso próprio espírito, as quais - pouco delas temos consciência e as podemos observar em nós mesmas - recebemos no nosso entendimento tão distintamente como as que temos os corpos que impressionam os nossos sentidos. Todo o homem possui totalmente em si mesmo essa fonte de ideias e, ainda que ela não seja um sentido por nada ter que ver com objectos externos, assemelha-se-lhe muito, todavia, e pode com propriedade ser chamada sentido interno. Mas como à outra fonte de ideias chamo sensação, a esta denomino REFLEXÃO, porque por seu intermédio a mente só recebe as ideias que adquire ao reflectir sobre as próprias operações internas. (...) Estas duas fontes, isto é as coisas externas materiais, como objectos da SENSAÇÂO, e as operações internas da nossa mente, como objectos da REFLEXÃO, são, para mim, os únicos princípios de onde todas as nossas ideias originariamente procedem. (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, volume I, pag 107`-108, Fundação Calouste Gulbenkian; a colocação do negrito é obra minha).

 

 

Há que meditar neste texto para acabar com a ideia apressada e errónea de que os empiristas entendem que todo o conhecimento é proveniente dos sentidos externos. Nesta passagem, Locke, adopta, aparentemente, a posição realista que afirma os sentidos como receptores de estímulos dos objectos materiais exteriores à mente. A sua posição parece, à primeira vista, diferente da de David Hume, uma vez que fala das «coisas externas materiais», ao passo que Hume é idealista, nega a matéria em si mesma, independente das mentes humanas.

 

 

 

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Terça-feira, 30 de Março de 2010
Was n´ t Hegel an ontological rationalist, Mr. Blackburn? (Confused Views in the Oxford Dictionary of Philosophy- VII)

 In the Oxford Dictionary of Philosophy of Simon Blackburn the definition of rationalism is truncated, ignores the ontological rationalism of Stoicists and of Hegel: 

 

«Rationalism. Any philosophy magnifying the role played by unaided reason in the acquisition and justification of knowledge. The preference for reason over sense experience began with the Eleatics and played a central role in Platonism. (…) The continental rationalists, notably Descartes, Leibniz and Spinoza are frequently contrasted with the British empiricists (Locke, Berkeley and Hume), but such oppositions usually oversimplify a more complex picture. (…) The term rationalist is also used more broadly for any anti-clerical, anti-authoritarian humanism, but it is unfortunate that it is empiricists such as Hume who are in this other sense rationalists.» (Simon Blackburn, Dictionary of Philosophy, Oxford, Pages 308; the bold is put by me). 

 

What about Hegel, mr. Blackburn? In this article about rationalism, there are no references to the German philosopher Hegel as a rationalist, an ontological rationalist.

 

In the article about Hegel, this philosopher is not classified as a rationalist and there is only this reference to reason:

 

«…Hegel requires a rational state to meet very stringent conditions, including the consent of the rational conscience of its members.» (Simon Blackburn, Dictionary of Philosophy, Oxford, Pages 161-162).

 

It seems that Simon Blackburn does not understand the theory of Hegel who identified God with the universal reason, independent and anterior to matter and humanity. Many teachers of philosophy, as well as Blackburn, ignore this fundamental characteristic of Hegel´ s doctrine. The doctrine of Hegel derivates, under this feature, from stoicism with his notion of an «universal reason» which configures destiny.

 

We propose a better definition of rationalism than Blackburn:

Rationalism is the theory which sustains the prevalence of reason on knowledge - the ideas and concepts of human reason are not merely copies of senses and empirical datas, but are modelled by reason, the thinking faculty of ordination and abstraction-  or the prevalence of reason on material nature and life and human history – life, development of nature and humanity obey to an universal reason, whether this reason is God, or Destiny or Natural cosmic order.  

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