Sexta-feira, 20 de Setembro de 2019
Ortega y Gasset: la vida es decisión
 
José Ortega y Gasset (9 de Maio de 1883, Madrid; 18 de Outubro de 1955) fue el gran filósofo existencialista español de la primera mitad del siglo XX. El existencialismo se opone a la teoría de la predestinación que quita la voluntad libre a los hombres y los somete a fuerzas superiores endógenas como el instinto vital, la genética, o a fuerzas superiores exógenas como los dioses o Díos, los planetas, etc. Ortega argumentó, como los existencialistas en general, que tenemos libre albedrío que nos permite elegir en cada momento, los diversos caminos que la vida nos ofrece, que las circunstancias nos imponen. Escribió:
 
 
«Yo no me he dado la vida, sino al revés, me encuentro en ella sin quererlo, sin que se me haya consultado previamente ni se me haya pedido la venia. (...) Vida es, pues, un tener siempre, quiera o no, que hacer algo. La vida que me ha sido dada, resulta que tengo de hacérmela yo. Me es dada, pero no me es dada hecha, como al astro o la piedra le es dada su existencia ya fijada y sin problemas. Lo que me es dado, pues, con la vida es quehacer. La vida da mucho quehacer. Y el fundamental de los quehaceres es decidir en cada instante lo que vamos a hacer en el próximo. Por eso digo que la vida es decisiva, es decisión. Tenemos, pues, estos tres caracteres: 1º, la vida se entera de sí misma; 2º, la vida se hace a sí misma; 3º, la vida se decide a sí misma.»
 
(Ortega y Gasset, Unas lecciones de metafísica, Revista de Occidente en Alianza Editorial, pp. 55-56; el puesto de relieve BOLD es acción de nosotros).

 

NOTA: COMPRATE NUESTRO «DICIONÁRIO DE FILOSOFIA E ONTOLOGIA», 520 páginas, en lengua portuguesa. Es el   mejor diccionário en esta área, existente en el mercado,

 

       www.filosofar.blogs.sapo.pt

          f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Derechos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 18:12
link do post | comentar | favorito

Sábado, 14 de Maio de 2016
Teste de Filosofia do 11º ano, turma B (Maio de 2016)

 

Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. E sem questões de escolha múltipla que, frequentemente, são incorrectamente concebidas por quem não domína o método dialético e desliza para a horizontalidade da filosofia analítica vulgar.

 

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B

11 de Maio de 2016. Professor: Francisco Queiroz.

 I

  «A incomensurabilidade dos paradigmas, na teoria de Thomas Kuhn, é compatível com as revoluções científicas que implicam dois tipos em cada ciência. O ser de Parménides não é, segundo alguns, o mesmo que o ser em si e o ser-para-si na teoria existencialista de Sartre. Sartre afirmou  que «O inferno é o Outro», Kierkegaard sustentou que «Deus  não existe, é, o homem existe, não é».

 

1) Explique estes pensamentos.

 

2)Relacione, justificando:


A) Os três estádios da existência em Kierkegaard, salto, desespero e paradoxo .
B) Realismo crítico,  e doutrina de Einstein
C) Princípio da incerteza de Heinsenberg, cinto protector e heurística na epistemologia de Imre  Lakatos, e conjecturas e testabilidade em Popper.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de medir exactamente o valor de cada doutrina científica e das suas rivais: não se pode dizer que o heliocentrismo é melhor que o geocentrismo, em termos globais, ainda que se possa dizer que, neste ou naquele aspecto (exactidão/experimentação, fecundidade, etc) um deles é superior ao outro. É compatível com a teoria das revoluções científicas em Kuhn. Esta consiste em afirmar que as ciências se desenvolvem segundo a lei do salto de qualidade: durante décadas ou séculos uma ciência é aceite pela comunidade científica e designa-se por ciência normal mas vão-se acumulando lentamente anomalias até que surge um paradigma ou modelo teórico oposto, chamado ciência extraordinária que acaba por substituir a ciência até então dominante (revolução científica) . (VALE TRÊS VALORES) O ser em Parménides é uma essência abstracta, eterna, imutável: é uno, homogéneo, imóvel, esférico, contínuo, invisível e imperceptível aos sentidos, coincidindo com o pensar ou sendo alcançável pelo pensar (consoante as interpretações idealista ou realista). É diferente do ser em Sartre pois este último reveste-se de duas modalidades materializáveis e mutáveis: o ser em si (os objectos físicos da natureza e da sociedade: os rios, as casas, as classes sociais no aspecto económico e material) e o ser para si (a consciência humana, individual ou colectiva). (VALE QUATRO VALORES) Sartre afirnou que «o inferno é o outro» o que pode ser explicado assim: a mulher que amamos ou o amigo a quem confiamos os nossos segredos podem tornar-se um «inferno» para nós se nos atraiçoarem, roubarem, difamarem ou agredirem fisicamente. Kierkegaard diz que Deus é, atribuindo ao termo é o sentido de existência eterna sem alterações, e disse que o homem não é, visto que a existência humana está em incessante mudança não é algo de fixo, invariável. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-A) Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo. Kierkegaard acentuava a noção de angústia, essa liberdade bloqueada, essa intranquilidade que surge antes ou durante muitos actos decisivos (exemplo: a angústia do aluno antes de saber a nota do teste, a angústia da mãe antes do parto, etc). Kierkegaard situa o paradoxo no interior do estado religioso e diz que se deve amar e seguir a vontade de Deus apesar de não compreendermos esta. (VALE TRÊS VALORES).

 

2) B) O realismo crítico é a teoria que afirma que há um mundo material anterior às mentes humanas e independente destas que o captam de maneira distorcida. O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor. Podemos dizer que a doutrina de Einstein é um realismo crítico na medida em que sustenta as seguintes teses, entre outras:

a) O espaço e o tempo não são realidades separadas, existe o espaço-tempo variável de lugar a lugar, não há um tempo absoluto universal.

b) O espaço-tempo não é feito de planos sobrepostos e linhas rectas como sustenta a geometria , é irregular e encurva na proximidade de grandes massas (exemplo: a esfera de metal deforma o lençol esticado, criando uma cova no centro).

c) A luz cuja velocidade é 300 000 quilómetros por segundo acompanha a curvatura do espaço tempo, não viaja em linha recta (um raio de luz lançado em direção a uma estrela tenderia a voltar à Terra dado que o universo é fechado) 

d) Quem viajasse a uma velocidade próxima da da luz envelheceria muito mais lentamente do que os habitantes da Terra;

e) A massa de um corpo aumenta com o aumento da sua velocidade de deslocação. (VALE TRÊS VALORES)

 

2-B ) O princípio da incerteza de Heisenberg estabelece ser impossível conhecer em simultâneo a velocidade e a posição de um electrão ou partícula do mesmo género microfísico: ou se conhece a velocidade ou se conhece a posição, o que sugere a nuvem electrónica, uma «fotografia» de um turbilhão. Imre Lakatos, epistemólogo, defendeu que a ciência se estrutura em Programas de Investigação Científica (PIC). Cada um destes tem três níveis: o núcleo duro, conjunto das teses imutáveis; o cinto protector, conjunto das teses revisíveis, que podem ser rectificadas ou substituídas; a heurística, conjunto dos métodos de investigação livre, teórica e prática, que pode confirmar ou anular o PIC. Karl Popper sustenta que as ciências empíricas ou empírico-formais não passam de conjuntos de conjecturas, hipóteses,na linha de David Hume, duvida da indução amplificante, achando que há sempre excepções a uma dada lei da natureza e considera ser impossível verificar essa lei pois teríamos de estudar centenas de milhar ou milhões de exemplos concretos. Popper diz que só é possível a corroboração ou confirmação de alguns exemplos através da testabilidade, isto é, realização de testes experimentais. Assim a incerteza real ou potencial é comum a Heisenberg, ao cinto protector de Lakatos e às conjecturas de Popper. .(VALE QUATRO VALORES).  

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 14:05
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 2 de Junho de 2014
Teste de filosofia do 11º C (Maio de 2014)

 

Eis um teste de filosofia, para o terceiro período lectivo, para o 11º C. O teste centra-se na teoria do conhecimento (Hume, Descartes; idealismo solipsista, relativismo, fenomenologia) na ontologia (Parménides, Hegel, David Hume, Descartes) na teleologia/ sentido da existência (Kierkegaard, Hegel, Camus). Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
30 de Maio de 2014. Professor: Francisco Queiroz

 


I

 

“A perspectiva cristã situa-se nesta posição: o não-ser existe em toda a parte como o nada de que as coisas são feitas, como aparência e vaidade, como pecado, como sensibilidade afastada do espírito ..Deus é, não existe, o homem existe, mas não é“

Kierkegaard

 

1)-Explique estes pensamentos.

 

II

 

2) Disserte sobre o seguinte tema:

 

" O ser em Parménides, em David Hume e em Hegel".

 

III

 

 

3) Relacione, justificando:
A) Substância em Descartes e Substância em David Hume.
B) Realismo Crítico em Descartes e Fenomenologia.
C) O Existencialismo de Albert Camus e o Existencialismo de Kierkegaard.
D) Teoria de Karl Popper sobre as ciências, relativismo, idealismo solipsista.

 

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) Na visão cristã do mundo, segundo Kierkegaard, o não ser ou nada é a matéria física, incluindo o corpo humano, porque todas as coisas materiais - uma casa bela, um corpo jovem e belo, um automóvel, uma conta bancária bem recheada - se corrompem, desaparecem ou deixam de pertencer ao seu possuidor. Também as vaidades e aparências - por exemplo: ser deputado, ser dono de uma empresa, ser doutorado, vencedor de um prémio importante, etc - fazem parte do não ser porque se reduzem a nada ao ser confrontadas com a eternidade que a alma humana viverá ou no Paraíso ou no Inferno, já que nada se leva deste mundo ao morrer  (VALE UM VALOR E MEIO). "Deus é mas não existe" significa: Deus existe eternamente, fora do tempo, e como está fora das contingências da existência (nascer, crescer, tranalhar, morrer, etc) diz-se que não existe.». "O homem existe e não é" significa: o homem está em perpétuo devir, a existência é feita de mudanças, altos e baixos, por isso existe e deixa de existir, mas não é, se por é se entende ser eterno, sempre o mesmo (VALE UM VALOR E MEIO).

 

 

2) O ser em Parménides é, não foi nem será. É uno, homogéneo, imóvel, incriado, invisível e imperceptível aos sentidos, esférico. Ser e pensar é um e o mesmo. A alteração das cores, a mutação, o nascimento e a morte são ilusões, reais só na aparência.

Ser é um termo ambíguo, polissémico: por um lado é o existir em geral; por outro lado é o existente, algo que existe, o essente, uma essência ou substância de carácter universal. Parménides usa o termo nos dois sentidos, de existência e de essência. Neste segundo sentido, pode interpretar-se como o cosmos esférico ou como o pensamento divino estruturante do cosmos (sentido hegeliano). Fica em aberto a questão de saber se Parménides era idealista ou realista crítico.

 O ser em David Hume é antropológico: percepções empíricas ou impressões dos sentidos, razão, imaginação mas não um «eu-substância» coeso como em Kant ou em Descartes. O ser do mundo exterior é inexistente (idealismo) ou duvidoso (cepticismo) e, portanto, é não-ser efectivo ou provável.

Em Hegel, o ser é a ideia absoluta ou Deus que se desdobra em três etapas: ser em si, ou Deus sozinho, antes de criar o universo, o espaço e o tempo, pensamento puro; ser fora de si, ou Deus transformado em natureza física, alienado, em astros, céus, montanhas, rios, plantas e animais; ser para si ou Deus encarnado em hunanidade, evoluindo através de formas de estado -Estado Oriental, só um homem livre; Estado greco-romano, vários homens livres e os restantes, servos ou escravos; Estado cristão reformado por Lutero no século XVI em que todos os homens são livres pois autorizados a interpretar livremente a Bíblia sem a mediação do clero católico romano, liberdade essa alargada, no plano político-social,  com a revolução francesa de 1789 - em direcção à liberdade de espírito.(VALE QUATRO VALORES)

 

3) A) Na ontologia de  Descartes há três substâncias: a res divina, ou Deus, anterior às outras duas e criadora delas; a res cogitans, pensamento, que só existe nos humanos: a res extensa (extensão dotada de formas e tamanhos, comprimento, largura e altura), estruturadora do mundo material . Em David Hume, a noção de substância não corresponde a nenhum objecto exterior, é um acto da imaginação que liga percepções empíricas : o "eu" não é substância, não existe sequer (idealismo) ou é duvidoso (cepticismo) tal como não existem ou são duvidosas as noções de "alma", "substância", "essência" . Por outro lado, não existe ou é duvidoso o mundo exterior onde se albergariam as "substâncias" árvore, planície, corpos de animais e homens, etc. (VALE TRÊS VALORES)

 

B) O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor.

A fenomenologia balança entre o idealismo e o realismo: para a fenomenologia o mundo de matéria existe fora do corpo físico do sujeito, mas não sabe se este mundo está dentro ou fora da mente (envolvente) do sujeito. Tanto o realismo crítico de Descartes como a fenomenologia usam o método céptico, duvidam.  (VALE TRÊS VALORES).

 

C)- O existencialismo é a corrente filosófica segundo a qual a existência precede a essência ou sobrepõe-se a esta, quer dizer, o homem faz-se e refaz-se a cada instante, escolhendo, através do seu livre-arbítrio, uma via de acção ou certo tipo de valores, sem que nenhuma essência pré-definida ( Deus, o destino, o carácter inato, a pressão social, etc) seja capaz de o dominar e determinar. Albert Camus representa, com Sartre, no século XX, um expoente do existencialismo ateu. Camus acentuava o carácter absurdo da existência humana, feita de guerras, de assassínios, de torturas e fome afectando milhões de seres humanos, e a inexistência de Deus ou deuses como criadores de um mundo de injustiças e fealdade. Usava o mito de Sísifo - um personagem que, por ajudar os homens, foi condenado a empurrar diariamente um rochedo até ao alto de uma montanha e a repetir sempre esse esforço, uma vez que os deuses faziam logo rolar o rochedo montanha abaixo- para descrever a situação do operário alienado no trabalho de fábrica, do trabalhador sem horizontes preso à roda do trabalho industrial ou burocrático como Sísifo. Camus considerava o suicídio como uma resposta insuficiente, embora filosófica, ao drama do absurdo da vida, porque significava a renúncia a um mundo mau que permaneceria, e preferia a resistência, a luta por uma existência mais digna, contra o fascismo e todas as formas de exploração do homem e da mulher, luta embora sem esperança de regeneração universal.

 

Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo.

Kierkegaard acentuava a noção de angústia, essa liberdade bloqueada, essa intranquilidade que surge antes ou durante muitos actos decisivos (exemplo: a angústia do aluno antes de saber a nota do teste, a angústia da mãe antes do parto, etc). Camus não resolve o paradoxo da existência, ela é absurda e ele postula não haver Deus, ao passo que Kierkegaard situa o paradoxo no interior do estado religioso e diz que se deve amar e seguir a vontade de Deus apesar de não compreendermos esta. (VALE QUATRO VALORES).

 

D) O princípio da falsificabilidade de Popper estabelece que as ciências são conjuntos de conjecturas (conjecturalismo), isto é, as suas leis ou teses são hipóteses, conjecturas potencialmente falsas, falsificáveis, refutáveis. Isso exige aplicar permanentemente o princípio da testabilidade: há que submeter a constantes testes experimentais as teses de uma ciência. Entre as várias teorias na mesma área científica ( exemplo: vacinar ou não vacinar na medicina preventiva; heliocentrismo versus geocentrismo na astrofísica) Popper defende que se deve escolher a mais verosímil, a que dá mais garantias, sublinhando que a ciência é uma aproximação incessante à verdade sem nunca abarcar o todo desta.

O relativismo é a doutrina segundo a qual a verdade, os valores éticos, estéticos, científicos, etc, variam de povo a povo, de grupo a grupo, classe a classe social, de época a época, etc. Pode dizer-se que a epistemologia de Popper é relativista porque a verdade, falível em cada campo das ciências, muda com frequência, é relativa à época.

O idealismo solipsista sustenta que o mundo material exterior se reduz a percepções empíricas e ideias, a matéria não existe em si mesma, dentro de uma única realidade, a minha mente de sujeito. Popper considerava-se realista e não idealista solipsista. (VALE TRÊS VALORES).

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

 

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 16:07
link do post | comentar | favorito

Terça-feira, 20 de Maio de 2014
Teste de filosofia do 11º B (Maio de 2014, 3º período)

 

Eis um teste de filosofia, para o terceiro período lectivo, para o 11º B. O teste centra-se na teoria do conhecimento (Hume, Descartes; idealismo, pragmatismo, fenomenologia) na ontologia  (Parménides, Pitágoras, David Hume, Descartes) na teleologia/ sentido da existência (Kierkegaard, Hegel). Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
16 de Maio de 2014. Professor: Francisco Queiroz

 


I

 

“A angústia é uma liberdade travada...Deus é, não existe, o homem existe, mas não é“ Kierkegaard

1-A) Explique estes pensamentos.

II

 

2) Disserte sobre o seguinte tema:

 

" O ser em Parménides, em Pitágoras e em David Hume".

 

III

 

 

3) Relacione, justificando:
A) Eu em Descartes e Eu em David Hume.

B) Realismo Crítico em Descartes e Conjecturalismo/falsificacionismo em Popper.

C) As três fases da Ideia Absoluta em Hegel e o Existencialismo de Kierkegaard.

D) Idealismo, Fenomenologia, Pragmatismo.

 

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) A angústia é uma categoria da vida intermédia, entre a liberdade e a necessidade. Ao olharmos de cima um precipício, sentimos alguma angústia: desejo de voar (ser livre) e medo, ditado pela necessidade ou lei infalível de causa-efeito de morrer esmagados em consequência da queda. Por isso se diz que a angústia é uma liberdade bloqueada por si mesma devido a compreender os limites da possibilidade: queremos e não queremos porque receamos. (VALE UM VALOR E MEIO). "Deus é mas não existe" significa: Deus existe eternamente, fora do tempo, e como está fora das contingências da existência (nascer, crescer, tranalhar, morrer, etc) diz-se que não existe.». "O homem existe e não é" significa: o homem está em perpétuo devir, a existência é feita de mudanças, altos e baixos, por isso existe e deixa de existir, mas não é, se por é se entende ser eterno, sempre o mesmo (VALE UM VALOR E MEIO).

 

 

2)  O ser em Parménides é, não foi nem será. É uno, homogéneo, imóvel, incriado, invisível e imperceptível aos sentidos, esférico. Ser e pensar é um e o mesmo. A alteração das cores, a mutação, o nascimento e a morte são ilusões, reais só na aparência.

Ser é um termo ambíguo, polissémico: por um lado é o existir em geral; por outro lado é o existente, algo que existe, o essente, uma essência ou substância de carácter universal. Parménides usa o termo nos dois sentidos, de existência e de essência. Neste segundo sentido, pode interpretar-se como o cosmos esférico ou como o pensamento divino estruturante do cosmos (sentido hegeliano). Fica em aberto a questão de saber se Parménides era idealista ou realista crítico.

Em Pitágoras, o ser pode interpretar-se como: Deus, o supremo geómetra, o supremo arquitecto do cosmos; os quatro números figura essenciais - o um ou ponto, o dois ou recta, o três ou plano, o quatro ou tetraedro- que compõem todas as coisas materiais. 

O ser em David Hume é antropológico: percepções empíricas ou impressões dos sentidos, razão, imaginação mas não um «eu-substância» coeso como em Kant ou em Descartes. O ser do mundo exterior é inexistente (idealismo) ou duvidoso (cepticismo) e, portanto, é não-ser efectivo ou provável. (VALE QUATRO VALORES)

 

3) A) O "eu" em Descartes é uma substância: no essencial, é res cogitans, pensamento, e secundariamente, o corpo humano, res extensa (extensão dotada de formas, comprimento, largura e altura). Em David Hume, o "eu" não é substância, não existe sequer (idealismo) ou é duvidoso (cepticismo) tal como não existem ou são duvidosas as noções de "alma", "substância", "essência". No entanto, Hume discrimina sete relações filosóficas ou noções que, à falta de um "eu",  parecem ser estruturas a priori: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. (VALE TRÊS VALORES

 

B) O realismo crítico em Descartes consiste no seguinte:  há um mundo de matéria exterior às mentes humanas,  feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor.

 

O princípio da falsificabilidade de Popper estabelece que as ciências são conjuntos de conjecturas (conjecturalismo), isto é, as suas leis ou teses são hipóteses, conjecturas potencialmente falsas, falsificáveis, refutáveis. Isso exige aplicar permanentemente o princípio da testabilidade: há que submeter a constantes testes experimentais as teses de uma ciência. Entre as várias teorias na mesma área científica ( exemplo: vacinar ou não vacinar na medicina preventiva; heliocentrismo versus geocentrismo na astrofísica) Popper defende que se deve escolher a mais verosímil, a que dá mais garantias, sublinhando que a ciência é uma aproximação incessante à verdade sem nunca abarcar o todo desta.

O que há de comum entre Descartes e Popper é o cepticismo como método de pesquisa da verdade e, por vezes, como horizonte final da investigação. Como é evidente, Popper não aceitou a hipótese cartesiana de Deus ser o garante da existência do mundo material porque a existência de Deus mão pode ser testada experimentalmente, não é falsificável. (VALE TRÊS VALORES).

 

C)- Hegel divide a história universal da ideia absoluta ou Deus em três fases:  a fase lógica ou do ser em si, na qual só existe um espírito, Deus, antes de criar o universo material o espaço e o tempo, espírito ou ideia absoluta que se limita a pensar (isto corresponde ao teísmo, doutrina segundo a qual há um ou vários deuses independentes da natureza física); a fase da natureza ou do ser fora de si em que Deus se aliena em matéria bruta, isto é, se transforma em astros, sol, montanhas, rios, rochas, plantas e animais não humanos (isto corresponde ao panteísmo, doutrina que sustenta que Deus é a natureza física e biológica); a fase da humanidade ou do ser para si, em que Deus renasce, como espírito livre, em forma de homens que lentamente, progridem em direcção à liberdade de espíriro que é regresso à primeira fase. (esta terceira fase corresponde ao panenteísmo, doutrina que afirma que Deus é tudo, a natureza material, a humanidade e é Ele mesmo como espírito transcendente). Este progresso exprime-se através de três formas de estado sucessivas- no início, o despotismo oriental, em que só um homem é livre, séculos depois o estado greco-romano, em que só alguns homens são livres e por último o estado do cristianismo reformado por Lutero em que todos os homens são livres de examinar a Bíblia sem a manipulação do clero católico romano, completado em 1789-1799 pela revolução francesa que implantou a democracia baseada na liberdade, igualdade e fraternidade. Hegel dizia «o Estado é tudo, o indivíduo é nada», é essencialista - a essência Deus planeia, à partida, a existência histórica, a natureza biofísica, os diversos tipos de sociedades humanas -  ao contrário do existencialista Kierkegaard que proclamava o primado do indivíduo sobre a massa, a sociedade, a imprevisibilidade da vida, e a não intervenção de Deus na história humana cheia de pecados.

 

Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o  modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo.  (VALE QUATRO VALORES).

 

D)  O idealismo sustenta que o mundo material exterior se reduz a percepções empíricas e ideias, a matéria não existe em si mesma. A fenomenologia balança entre aceitar essa posição e a do realismo: para a fenomenologia o mundo de matéria existe fora do corpo físico do sujeito, mas não sabe se este mundo está dentro ou fora da mente (envolvente) do sujeito. Portanto, não se aventura na metafísica e nesse sentido é pragmática porque pragmatismo significa ater-se àquilo que é empírico e verificável e guiar-se pela utilidade das coisas (VALE TRÊS VALORES). 

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

 

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 19:40
link do post | comentar | favorito

Sábado, 9 de Junho de 2012
Teste de filosofia do 11º ano de escolaridade ( 3º período)

 

Eis um teste de filosofia do 11º ano em Portugal, centrado nas unidades IV (O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica) e V ( Unidade final- Desafios e Horizontes da Filosofia) do programa da disciplina. Este teste evita as perguntas de escolha múltipla que, na maioria dos casos, são mal concebidas pelos professores de filosofia, autores de provas de exame nacional ou autores de testes em cada escola, prisioneiros da visão compartimentada da chamada «filosofia analítica». As perguntas de escolha múltipla não permitem aos alunos desenvolver livremente os seus raciocínios e explanar conteúdos e conduzem a inúmeras injustiças na avaliação cognitiva dos alunos.

 

Perguntemo-nos que razões levaram a classe dominante, desde há uma década, a insubstancializar a filosofia, retirando conteúdos de cariz metafísico e ideológico-político do programa escolar (exemplo: as teorias de Platão, Hegel, Nietzschze, Marx, Freud, Kierkegaard, etc) e substituindo-os por regras lógicas vazias, formais, e por retórica. A resposta mais plausível é: a burguesia mundialista promove a estupidificação filosófica dos adolescentes para os tornar em tecnocratas ou operários dóceis e para evitar as revoltas, como a do Maio de 1968 em França,  em que os estudantes estavam muito politizados e liam Bakounine, Marx, Mao, Guy Débord, Marcuse.

Vejamos o teste.

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

 

4 de Junho de 2012            Professor: Francisco Queiroz   

 

I

 

«Tanto a teoria da relatividade geral como a teoria da relatividade especial de Einstein podem ser classificadas de realismo crítico. A teoria de Imre Lakatos sobre os programas de investigação científica distingue três regiões dentro de cada ciência e, segundo alguns, é compatível com a teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn. O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend não implica necessariamente o grau de cepticismo contido na teoria de Popper sobre as ciências.  juízos sintéticos e juízos analíticos, sustentou Kant.»

 

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma das frases deste texto, em especial os conceitos e afirmações em destaque.

 

II

 

 

 

2) Relacione, justificando:

 

 

 

A) Existencialismo (incluindo 3 estádios) em Kierkegaard e Astúcia da razão universal em Hegel.

 

B) Fenómenos, formas a priori da sensibilidade, formas a priori do entendimento e razão, em Kant.

 

C) Materialismo dialético e doutrina de Hegel.

 

D)“Relógio químico” e leis dos dois aspectos da contradição e do salto qualitativo.

 

E)  Vitalismo/ mecanicismo e teoria cosmológica de Aristóteles.

 

III

 

3)     Disserte livremente sobre o seguinte tema:

 

«Racionalismo, empirismo, misticismo e intuicionismo no carácter alentejano e na vida quotidiana na cidade e no distrito de Beja»

 

  

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES).

 

I-1) O realismo crítico é toda a doutrina  que reconhece a existência de um mundo material exterior às mentes humanas e independente delas mas sustenta que estas não captam o mundo como ele é, mas sim de forma distorcida. A teoria geral da relatividade  de Einstein que trata essencialmente do espaço geométrico e da gravitação, da forma do universo, é um realismo crítico: o espaço que parece, aos sentidos, ser formado de planos e linhas rectas infinitas, é ondulatório, encurva, tal como os raios de luz encurvam, na proximidade de grandes massas, e o universo é fechado, esférico. A teoria da relatividade especial ou restrita trata, sobretudo, da velocidade e do tempo (não esquecendo que Einstein fala do espaço-tempo), é um realismo crítico na medida em que admite que  há diversos tempos simultâneos e que, contra o que os sentidos nos sugerem, um observador que viaje a velocidades próximas da velocidade da luz ( 300 000 quilómetros por segundo) quase não avança no tempo e fica mais jovem do que nós. É também realismo crítico por sustentar que quanto mais alta for a velocidade a que um corpo viaja mais aumenta a sua massa. (estas frases acima valem dois valores). A teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn estabelece que o desenvolvimento de uma ciência ao longo da história comporta dois ritmos: a um longo período de um paradigma científico estável dito «ciência normal»- o paradigma é um modelo teórico dotado de metodologias práticas - segue-se um curto período de anomalias em que desponta um paradigma de oposição, chamado «ciência extraordinária», que, após ser aceite pela comunidade científica da época, se transforma na nova «ciência normal».  Imre Lakatos, epistemólogo, distingue três regiões em cada ciência: o núcleo duro (hard core), conjunto das teses indiscutíveis, imutáveis, que pode relacionar-se com a ciência normal dada a estabilidade; o cinto protetor (protective belt), conjunto das teses revisíveis, que pode relacionar-se com a ciência extraordinária dado o carácter de mutação; a heurística, conjunto de regras de investigação a usar (heurística positiva) e das regras a não empregar (heurística negativa). (Estas frases valem dois valores no seu conjunto). O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend contesta o conjunto das ciências dominantes nas universidades e na vida social - a medicina alopática, as tecnociências de efeitos agressivos, a historiografia anti-astrológica, etc - dizendo que servem os interesses de alguns poucos - cientistas e políticos muito bem pagos, industriais e comerciantes farmacêuticos e outros - e eliminam antigas ciências como a medicina natural, a astrologia e práticas mágicas eficazes como a dança da chuva e outras. Ao contrário de Popper, um verdadeiro céptico probabilista que não aceita a astrologia e considera que todas as ciências empírico-formais são conjuntos de conjecturas, sujeitas ao princípio da falsificabilidade, que exige a testabilidade e a revisibilidade das teses, Feyerabend é um dogmático crítico, aceita a certeza da verdade das ciências alternativas, com métodos heterodoxos, desde que ofereçam resultados práticos incontestáveis. ( Estas frases valem dois valores no seu conjunto). Os juízos sintéticos, que podem ser a priori ou a posteriori, são aqueles em que o predicado acrescenta algo de novo ao sujeito, os juízos analíticos são aqueles em que o predicado não acrescenta nada ao sujeito. (Esta frase vale um valor).

 

2) A) O existencialismo de Kierkegaard é a filosofia que defende que a existência humana é imprevisível e coloca a cada instante a pessoa na alternativa, na iminência de decidir, livremente, esta ou aquela atitude. O filósofo dinamarquês diz que há três estádios da existência humana: o estádio estético, personificado pelo Don Juan, o conquistador que salta de mulher em mulher, na procura do prazer do instante; o estádio ético, personificado no homem casado, fiel à esposa e aos seus deveres familiares e sociais; o estádio religioso, personificado em Abraão que se dispunha a matar o seu próprio filho Isaac, rompendo com a ética, por Deus lhe ter solicitado esse sacrifício. A astúcia da razão em Hegel é a manipulação pela razão universal (Deus) da vontade e das acções dos grandes homens de modo a que realizem o plano da razão universal para o seu povo ou a sua época. Há várias correlações possíveis: a astúcia da razão manipula o homem nos três estádios da existência, levando a ser esteta, depois etico e por último religioso místico; a astúcia da razão só manipula o homem nos dois estádios iniciais, estético e ético, mas não no estádio religioso em que o homem é livre de escolher salvar ou perder a alma; a astúcia da razão só manipula o homem no estádio religioso... (a resposta vale dois valores).

 

2)B)  Em Kant, os fenómenos são objectos aparentemente reais, como árvores, animais, rios, que se formam na sensibilidade externa ou espaço, dentro do espírito humano, por ação dos númenos, objectos reais incognoscíveis. O caos sensorial que estes geram, desde o exterior, é moldado pela formas a priori da sensibilidade que são o espaço ( extensão e figuras geométricas) e o tempo (duração, sucessão, simultaneidade). As imagens dos fenómenos são levadas, pela imaginação, às categorias do entendimento (unidade, pluralidade, totalidade, realidade, limitação, negação, etc) que, junto com a tábua de juízos puros,  são as formas a priori do entendimento que sintetizam, reduzem à unidade, o diverso da intuição empírica. A razão não pensa os fenómenos, está desligada do mundo empírico, só pensa os númenos (metafísica) e as categorias e juízos puros do entendimento (lógica). (a resposta vale dois valores)

 

2) C) O materialismo dialético é a filosofia que sustenta que a matéria é eterna, incriada, e está em perpétuo devir e que não há deuses nem Deus. Ao contrário, a doutrina de Hegel sustenta que o eterno é o espírito, a ideia absoluta ou Deus, que atravessa três fases na história: ser em si ou Deus antes de criar o universo, o espaço e o tempo; ser fora de si, ou Deus que se aliena em natureza biofísica, em astros, montanhas, vegetais, aninais, e deixa de pensar; ser para si, ou Deus encarnado em humanidade que através de diversas e sucessivas formas de estado (mundo oriental, um só homem livre; mundo greco-romano, alguns homens livres; mundo do cristianismo reformado a partir do sécilo XVI, todos os homens são livres) se vai elevando no sentido da liberdade e regressando à fase do ser em si. Hegel é espiritualista dialético. (a resposta vale dois valores)

 

2) D) O "relógio químico" é um fenómeno de ordem a partir do caos que consiste no seguinte: as moléculas de um gás, suponhamos vermelhas e azuis, em vez de se misturarem e darem uma tonalidade heterogénea, num estado de caos, movendo-se ao acaso, alternam entre dois tipos de estado, um em que todo o gás adquire a coloração azul e o outro em que todo o gás adquire a cor vermelha. Isto demonstra a lei dos dois aspectos da contradição que afirma que esta se compõe de dois aspectos, raramente em equilíbrio, sendo um o dominante e o outro o dominado, que invertem posições: o aspecto dominante do gás ora é azul, ora é vermelho. A lei do salto qualitativo afirma que a acumulação lenta e gradual de um aspecto de um fenómeno origina um brusco salto de qualidade nesse fenómeno: a multiplicação de colisões de moléculas do gás faz, num dado instante, a tonalidade do gás mudar bruscamente de azul para vermelha (salto qualitativo) e uma ulterior acumulação gradual de colisões faz que todas as moléculas mudem de repente de vermelho para azul. (A resposta vale dois valores).

 

2)E) Vitalismo é a corrente que afirma que a vida não nasce da matéria mas que, vinda de uma região superior, se aloja na matéria. Defende igualmente que os processos vitais são inteligentes, obedecem a finalidades inteligentes. Na cosmologia de Aristóteles, há vitalismo no facto de as estrelas e os planetas serem entidades inteligentes que começaram a girar em círculo presos às respectivas esferas de cristal com a finalidade de alcançar Deus, o pensamento puro, imóvel, exterior ao cosmos. Mecanicismo é a corrente que afirma que a vida nasce de movimentos mecânicos ( e químicos) da matéria e que o universo é como uma grande máquina regida por leis deterministas.(A resposta vale dois valores).

 

3) A resposta é livre. (A resposta vale dois valores).

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 09:35
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 19 de Setembro de 2011
Schopenhauer: ideia difere de conceito e a história é o individual e contingente

 

Schopenhauer estabeleceu uma diferença entre a ideia, que em Platão é um singular, copiável de forma degradada, e o conceito que, em Aristóteles, é essência (dispersível) ou género supra-essencial, isto é, uma forma que se multiplica sem degradação. O conceito-forma está em todas as coisas concretas que lhe correspondem - Aristóteles chega a dizer que não há esfera fora das esferas de bronze, ferro e outras existentes - mas a ideia não.

 

Em Schopenhauer, nem a ideia nem o conceito guiam o desenvolvimento histórico concreto, à maneira da doutrina de Hegel que estabelece degraus que as sociedades vão percorrendo: mundo oriental (só um homem livre), mudo greco-romano (alguns homens livres) mundo cristão transformado pela reforma luterana e pela revolução francesa (todos os homens são livres), eis o travejamento hegeliano da história. Schopenhauer não embarca nesta hierarquização dos estados da história, insiste no individual e imprevisível.

 

«Sendo a matéria da arte a ideia e a da ciência o conceito vemos que ambos se ocupam do que existe sempre e sempre da mesma maneira, não do que agora é e agora não é, agora é assim e agora é de outra forma: por isso ambos têm a ver com aquilo que Platão estabeleceu como o objecto exclusivo do verdadeiro saber. A matéria da história é, ao contrário, o individual na sua individualidade e contingência, o que é uma vez e logo não volta a ser,  as combinações efémeras de um mundo humano que se move como as nuvens com o vento,e que com frequência se transformam completamente devido ao mais pequeno acidente. Desse ponto de vista, a matéria da história apresenta-se-nos como um objecto quase nada digno de uma séria e esforçada consideração por parte do espírito humano; um espírito humano que, precisamente porque é tão perecível, deveria escolher para seu estudo o imperecível» (Arthur Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, Complementos, pag 493, Editorial Trotta, Madrid).

 

Schopenhauer é, pois, uma das fontes do existencialismo, doutrina segundo a qual o rio da existência humana de cada um escolhe, caprichosamente ou não, o leito da essência. As nossas acções ou actos-existência fazem o nosso carácter-essência e não o inverso.


 

www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 16:31
link do post | comentar | favorito

Quarta-feira, 18 de Maio de 2011
Questionar Kierkegaard: é o nada o objecto da angústia?

Soren Kierkgaard (1813-1855), o grande filósofo dinamarquês fundador do existencialismo contemporâneo, escreveu sobre o conceito de angústia, central na sua doutrina:

 

«Em um sistema lógico é demasiado fácil dizer que a possibilidade passa a ser a realidade. Ao contrário, na própria realidade já não é tão fácil e necessitamos de lançar mão de uma categoria intermédia. Essa categoria é a angústia, a qual está tão longe de explicar o salto qualitativo como de justificá-lo eticamente. A angústia não é uma categoria da necessidade, mas tão pouco o é da liberdade. A angústia é uma liberdade travada, em que a liberdade não é livre em si mesma, mas que está travada, ainda que não travada pela necessidade, mas por si mesma. Não haveria nenhuma angústia se o pecado tivesse vindo ao mundo por necessidade- o que é uma contradição. Nem tão pouco a haveria se o pecado tivesse entrado no mundo mediante um acto de liberum arbitrium abstracto - o qual nunca existiu no mundo, nem ao princípio nem depois, posto que não é mais que um absurdo da mente». (Soren Kierkegaard, El concepto de angustia, Alianza Editorial, pag 99; o negrito nalgumas frases é colocado por mim).

 

É muito interessante a definição da angústia como «liberdade travada». Isso significa que a angústia é uma síntese, um intermediário, entre a liberdade e a necessidade que obriga, trava, como lei da natureza ou destino marcado. Contudo a travagem da liberdade que constitui a angústia não é uma fatalidade, não deriva da necessidade. Restam duas hipóteses: ou a angústia deriva de um livre-arbítrio concreto, singular, em cada indivíduo, em cada momento, ou nasce acidentalmente, sem ser por decisão livre, fruto da pressão do meio físico e social sobre o ego individual.

Note-se que, segundo Kierkegaard, o pecado não entrou no mundo por necessidade - a constituição biológica, sexual, do ser humano não o inclina obrigatoriamente ao pecado - mas também não entrou por . um acto abstracto de livre-arbítrio. Restam a hipótese que entrou no mundo por acidente, por acaso, ou por um acto de livre-arbítrio singular em Adão e em cada um dos posteriores indivíduos.

 

Escreve ainda Kierkegaard:

«A angústia pode comparar-se muito bem com a vertigem. A quem se põe a mirar de olhos fixos uma profundidade abismal acontecem vertigens. A causa está tanto nos seus olhos como no abismo. Se ele não tivesse olhado para baixo! Assim a angústia é a vertigem da liberdade: uma vertigem que surge quando, ao querer o espírito pôr a síntese, a liberdade lança a vista até baixo pelos roteiros da possibilidade, agarrando-se então à finitude para segurar-se. Nesta vertigem a liberdade cai desmaiada. A Psicologia já não pode ir mais longe, nem tampouco o quer. Nesse momento tudo mudou e quando a liberdade se incorpora de novo, vê que é culpada. Entre estes dois momentos há que situar o salto, que nenhuma ciência explicou nem pode explicar. A culpabilidade do que se faz culpado no meio da angústia  é ambígua até não mais poder. A angústia é uma impotência feminina na qual se desvanece a liberdade. A queda, falando em termos psicológicos, acontece sempre no meio de uma grande impotência. E ademais, a angústia é uma das coisas que maior egotismo encerra. Neste sentido nenhuma manifestação concreta de liberdade é tão egotista como a possibilidade de qualquer concreção. Esta é, uma vez mais, a opressão que traz consigo o comportamento ambíguo do indivíduo, a sua situação de simpatia e antipatia simultâneas. Na angústia reside a infinitude egotista da possibilidade, a qual não tenta uma pessoa como uma escolha que haja de fazer, mas que o angustia seduzindo com a sua doce ansiedade.»

 

«No indivíduo posterior a Adão, a angústia é mais reflexa. Isto pode exprimir-se de outro modo, dizendo que o nada - que é o objecto da angústia - parece que se torna más e mais um algo. Não dizemos que de facto se torne algo, ou que realmente signifique algo; nem tão pouco dizemos que o lugar do nada o tenha vindo a ocupar o pecado ou qualquer outra coisa. »

 (Soren Kierkgaard, El concepto de la angustia, pag 118-119, Alianza Editorial, Madrid, 2008; a letra a negrito é colocada por mim).

 

A angústia seria como um dado originário, uma "impotência feminina", uma pulsão que seduz o indivíduo a não ousar ser livre. A angústia como vertigem da liberdade compreende-se bem com o exemplo do homem à beira do precipício: a liberdade absoluta seria o homem poder lançar-se no precipício e aterrar suavemente, ileso; mas como esse facto é praticamente impossível surge a angústia, que trava o homem no seu desejo de liberdade infinita, que seria desastrosa no plano físico, pois levaria, por acto imprudente contra as leis biológicas, à morte ou a um estado de lesões irremediáveis.

 

Parece-me que a angústia é, ontologicamente, um fenómeno psíquico derivado do confronto entre as limitações do ego individual - a força física exígua face aos outros como um todo, a dificuldade em fazer-se ouvir e respeitar, etc- e o desejo de liberdade, expansivo, de tudo experimentar e dominar.

Por que se angustia o homem ao abordar sexualmente certas mulheres? Porque sabe poder ser rejeitado por elas. Por que se angustia o homem com a sua situação laboral? Porque sabe que se perder o emprego ficará sem dinheiro para se alimentar, pagar a renda de casa, sustentar os filhos, etc. O objecto da angústia não é o nada mas a possibilidade de redução ao nada da plenitude do ser e do viver. - o que não é exactamente a mesma coisa. O verdadeiro objecto da angústia é o ser, a preservação da vida e da integridade de cada indivíduo. A angústia é um mecanismo de defesa individual: instala um escudo de preocupação no indivíduo, antes de mais preocupação com a iminência da morte por agressão, doença, velhice, falta de bens materiais, etc.

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 08:45
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 17 de Janeiro de 2011
Questionar Abbagnano: Ortega e Gasset não era fenomenólogo?

As histórias da filosofia possuem, em regra, a grande virtude de oferecer uma visão panorâmica, sinóptica, do percurso do pensamento filosófico desde Lao Tse ou Tales de Mileto até ao século XXI. Mas sobre elas pende a espada de Dâmocles de um risco: não conseguirem sintetizar todos os aspectos essenciais da filosofia de um pensador ou omitirem ou deformarem algum ou alguns desses traços. Sobre o filósofo espanhol José Ortega y Gasset,  escreveu Nicola Abbagnano na sua meritória «História da Filosofia»:

 

«No limite entre o pragmatismo e o existencialismo pode ser colocada a obra do filosófo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) que nasceu em Madrid mas estudou e se formou na Alemanha.» (Nicola Abbagnano, História da Filosofia, volume XIII, Editorial Presença, pag 34).

 

No limite entre pragmatismo e existencialismo ? Mas não há um limite nítido entre ambos: o pragmatismo e o existencialismo não são espécies do mesmo género, são géneros diferentes que se intersectam. Há um pragmatismo existencialista - uma parte do género existencialismo é espécie do género pragmatismo - e um pragmatismo essencialista. Pragmatismo opõe-se, directamente, a especulacionismo - ambos são espécie do género verificabilidade. Por outro lado, existencialismo opõe-se, directamente, a essencialismo - ambos são espécies do género eidologia. Não há, pois, uma linha fronteiriça nítida entre pragmáticos e existencialistas. Interpenetram-se. Como poderia estar Ortega no limite? Poderia, sim, estar na zona comum a ambos, na zona de intersecção.

 

Por outro lado, na súmula que fez da filosofia de Ortega y Gasset, Nicola Abbagnano não refere a posição ontognoseológica daquele: se o realismo, se o idealismo, se a fenomenologia... Ora Ortega é, sem dúvida, fenomenólogo. É, em certa medida, um émulo, na filosofia espanhola, do alemão Martin Heidegger. A sua filosofia da razão vital assenta na perspectiva da fenomenologia.

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 13:46
link do post | comentar | favorito

Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2010
A equívoca definição de «Existência» na doutrina de Heidegger

Em uma passagem fundamental de "O Ser e o Tempo" Heidegger caracteriza assim a essência e a existentia do "ser aí" (Dasein), isto é, cada homem na sua singularidade:

 

«Desta caracterização do "ser aí" resultam duas coisas:

 

«1. A essência de este ente está no seu "ser relativamente a". O "quê é" (essentia) de este ente, até onde se pode falar dele, tem que conceber-se partindo do seu ser (existentia). (...) este termo não tem nem pode ter a significação ontológica do termo existentia: existentia quer dizer ontológicamente "ser diante dos olhos" , uma forma de ser que, por essência não convèm ao ente do carácter do "ser aí". Evitamos a confusão usando sempre em vez do termo "existentia a expressão exegética "ser diante dos olhos" e reservando o termo de existencia como determinação do ser, para o "ser aí".

 

«A essência do "ser aí" está na sua existência. As características que se pode pôr em evidência neste ente não são, portanto, "peculiaridades"  "diante dos olhos" de um ente "diante dos olhos" de tal ou qual "aspecto", mas sim modos de ser possíveis para ele em cada caso e só isto. Todo o "ser tal" de este ente é primariamente "ser". Daí que o termo "ser aí", com que designamos este ente não expresse o seu «quê é», como mesa, casa, árvore, mas o ser.» (Martin Heidegger, El Ser y el Tiempo, pag 54, Fondo de Cultura Económica).

 

Por conseguinte, existência, em Heidegger, significa não a realidade ôntica, visível e palpável, de cada ente mas antes o "ser", na sua dupla faceta de existir universal e essência/estrutura geral que atravessa os entes (o homem, o céu, o cavalo, a casa, etc).

 

Que significa o "ser relativamente a"? É o "ser" universal que podemos imaginar como o centro do círculo e a totalidade deste, isto é, os raios que emana até à circunferência cujos pontos (desta) seriam os entes (o "ser aí" ou homem, as árvores, os rios, as casas, etc).

 

A essência de cada ente foi extraída da existentia - ou existir universal e estrutura geral do "ser" - do mesmo modo que a figura da estátua (essência, quê é) foi extraída do bloco de mármore ("ser", existência transcendente e imanente à estátua). O mármore, que uso como imagem do "ser",  transcende a estátua, é mais vasto que ela e, ao mesmo tempo, é imanente a ela. As leis da estrutura do mármore, a coesão entre as moléculas dos seus componentes ´físico-químicos, é o modo do "ser" relativamente à estátua.

 

Em vez de usar o termo existência, que confunde muitos dos seus leitores, Heidegger deveria ter usado in-sistência e dizer que «a essência do "ser aí" está na sua in-sistência», na interioridade do "ser" . A frase «a essência do homem está na sua existência» é interpretada, na filosofia de Sartre, de forma inversa à de Heidegger: como acidentalismo, construtivismo da essência, sempre incompleta, esboçada, através da acção objectiva. Para Sartre, a essência do homem não existe a priori, nasce da acção. Mas para Heidegger a essência do homem existe a priori, nasce, não da acção mas do "ser" transcendental e, obviamente, tempera-se e consolida-se na acção.

 

Por isso existencialismo, em Heidegger, é essencialismo. E em Sartre, é acidentalismo, libertismo.

 

 www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 

 

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 23:03
link do post | comentar | favorito

Sábado, 20 de Fevereiro de 2010
O conceito dúbio de Manuel Maria Carrilho sobre perspectivismo segundo Nietzsche

Manuel Maria Carrilho não entendeu o que Nietzschze definiu como perspectivismo. Escreveu o catedrático português:

 

«O perspectivismo, ao postular a ubiquidade de interpretação, radicaliza de modo inédito e cheio de consequências o papel da linguagem. É que uma posição perspectivista não se traduz só na reivindicação da prioridade da interpretação face à ordem dos factos, mas sobretudo no carácter geral que essa prioridade apresenta e que, portanto, corta o passo ao privilégio de uma qualquer perspectiva particular.» (Manuel Maria Carrilho, O que é filosofia, Difusão Cultural, Pág. 92; a letra negrita é posta por mim).

 

 

 

Ora o perspectivismo, segundo Nietzschze, não postula a ubiquidade de interpretação nem tão pouco impede de privilegiar uma perspectiva particular em relação às outras . Quem postula a ubiquidade da interpretação é o holismo, que desemboca no fenomenalismo. A perspectiva é sempre mais ou menos fanática, convicta, porque é fragmento visual da realidade que se toma a si mesma como «visão total» ou «a visão mais credível». O perspectivismo é uma metaética individual: afirma que a pessoa («eu») está certa na sua perspectiva, e que esta é suprema, única. O perspectivismo funda o existencialismo – no sentido kierkgaardiano, como doutrina da liberdade do «eu» – enquanto doutrina de que a verdade é íntima a cada indivíduo e intransponível para outros. Em regra, o perspectivismo é incapaz de, por si mesmo, se colocar em dúvida. Ao fazê-lo, deixa de ser perspectivismo.

 

Que escreveu Nietzschze sobre o tema? ,

 

 

 

«Todos os nossos actos são bem, no fundo, supremamente pessoais, únicos, individuais, incomparáveis, certamente; mas desde que a consciência os traduz na sua língua, deixam de parecer assim...Eis o verdadeiro fenomenalismo, eis o verdadeiro perspectivismo, tal como eu o compreendo: a natureza animal faz com que o mundo de que nos podemos tornar conscientes não passe de um mundo de superfícies e signos, um mundo generalizado, vulgarizado» (Nietzsche, A gaia ciência, Guimarães Editores, Lisboa 1977, pag 251; a letra negrita é posta por mim).

 

  

Este texto é algo difícil de interpretar. Fenomenalismo é o mesmo que perspectivismo? Julgo que o fenomenalismo – a concepção de que não podemos atingir senão os fenómenos, o que nos aparece, sem chegarmos à essência oculta da realidade – é consequência do antiperspectivismo ou correlativo a este, ou seja, é consequência da superação do perspectivismo do indivíduo A resultante do facto de este constatar que há perspectivismos infinitos, B: C,D, E, F, etc. A meu ver, o perspectivismo, enquanto dogmatismo, está no início, é geneticamente anterior ao fenomenalismo, enquanto cepticismo parcial. Não são, pois, o mesmo: o segundo deriva dialecticamente do primeiro.

 

Nietzschze escreveu ainda:

 

 

«374- O nosso novo «infinito»- Até onde vai o carácter perspectivo da existência? Possui ela mesmo outro carácter? Uma existência sem explicação, sem «razão», não se torna precisamente uma «irrisão»? E, por outro lado, não é qualquer existência essencialmente «explicativa»? É isso que não podem decidir, como seria necessário, as análises mais zelosas do intelecto, as mais pacientes e minuciosas introspecções: porque o espírito do homem, no decurso destas análises, não se pode impedir de se ver conforme a sua própria perspectiva e só pode ver de acordo com ela. Só podemos ver com os nossos olhos; é uma curiosidade sem esperança de êxito procurar saber que outras espécies de intelectos e de perspectivas podem existir; se, por exemplo, há seres que sentem passar o tempo ao invés, ou ora em marcha para diante, ou ora em marcha para trás (o que modificará a direcção da vida e inverterá igualmente a concepção da causa e do efeito). Espero, contudo, que estejamos hoje longe da ridícula pretensão de decretar que o nosso cantinho é o único de onde se tem o direito de se possuir uma perspectiva. Muito pelo contrário, o mundo, para nós, voltou a tornar-se infinito, no sentido em que não lhe podemos recusar a possibilidade de se prestar a uma infinidade de interpretações.» (ibid, pag 287; a letra negrita é de minha autoria).

 

 

 

À tolerância ou visão holística relativista expressa na ubiquidade chama Carrilho «perspectivismo». Não é essa, parece-me, a ideia de Nietzshze. O perspectivismo não é a ubiquidade de visões, é a unilateralidade da visão de cada um. A infinidade de interpretações no seu conjunto é o antiperspectivismo, retira convicção e força aos fragmentos: cada interpretação isolada é perspectivismo. A ubiquidade é o antiperspectivismo, um ecletismo, ou melhor, um holismo que nasce em consequência da constatação do perspectivismo como hidra de muitas cabeças, uma em cada homem.  

 

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 17:30
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Janeiro 2024
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


posts recentes

Ortega y Gasset: la vida ...

Teste de Filosofia do 11º...

Teste de filosofia do 11º...

Teste de filosofia do 11º...

Teste de filosofia do 11º...

Schopenhauer: ideia difer...

Questionar Kierkegaard: é...

Questionar Abbagnano: Ort...

A equívoca definição de «...

O conceito dúbio de Manue...

arquivos

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Agosto 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

tags

todas as tags

favoritos

Teste de filosofia do 11º...

Suicídios de pilotos de a...

David Icke: a sexualidade...

links
blogs SAPO
subscrever feeds