Sábado, 14 de Setembro de 2019
Questionar Navarro Cordón e Calvo-Martínez: Kant abandonou o racionalismo?

 

A «História da Filosofia, Dos pré-socráticos à filosofia contemporânea», publicada por Edições 70 em Portugal, obra dos catedráticos espanhóis Juan Manuel Navarro Cordón ( 9 de abril de 1942 Hinojosa del Duque, Córdoba, Espanha- ) e Tomás Mariano Calvo-Martínez (22 de Maio de 1942, Ávila, Espanha- ) da Universidade Complutense, é uma obra de mérito mas tem algumas relevantes confusões conceptuais. Sobre Kant escrevem:

 

«Toda a doutrina kantiana do conhecimento se fundamenta na distinção de duas fontes do conhecer: a sensibilidade e o entendimento que possuem características distintas e opostas entre si. A sensibilidade é passiva, limita-se a receber impressões provenientes do exterior (cores, sons, etc.), em termos gerais, aquilo que Locke denominava "ideias simples" e Hume "impressões de sensação"; o entendimento pelo contrário é activo (...).»

«Esta distinção entre sensibilidade e entendimento (e a consequente afirmação de que este produz espontaneamente certos conceitos) pode utilizar-se para fundamentar filosofias muito distintas. Vejamos:

 

«a) Em primeiro lugar, pode ter como resultado uma doutrina racionalista. De facto, Kant foi, de início, um filósofo racionalista(...) 

b) Mas, impressionado pela filosofia de Hume, Kant acabou por abandonar o racionalismo (Kant dizia que Hume o havia despertado do "sono dogmático"em que estava mergulhado). Sob a influência de Hume, Kant chegou à conclusão que o nosso conhecimento não pode pretender ir para além da experiência. Que acontece, então, com aqueles conceitos que não procedem dos sentidos, que o entendimento produz espontaneamente?

«A resposta de Kant será a seguinte: é certo que existem no entendimento conceitos que não procedem da experiencia, mas tais conceitos terão aplicação exclusivamente no âmbito dos dados sensoriais. (...)

«O conceito de "substância" que nos é imprescindível para unificar um conjunto de qualidades sensíveis (cor, etc) não tem sentido se for aplicado, por exemplo, a Deus, do qual não temos experiência sensível».

( Juan Manuel Navarro Cordón, Tomás Calvo Martínez, «História da Filosofia, Dos pré-socráticos à filosofia contemporânea», Edições 70, pp 383-385; o destaque a negrito é posto por nós).

 

Neste excerto há diversas imprecisões.

 

Navarro e Calvo asseguram que a sensibilidade, segundo Kant, «limita-se a receber impressões provenientes do exterior (cores, sons, etc.)».  É uma interpretação realista, distorcida do pensamento de Kant. Cores e sons emergem do interior, são qualidades subjectivas, irreais, conforme Kant escreveu:

 

«O sabor agradável de um vinho não pertence às propriedades objectivas desse vinho, portanto de um objecto, mesmo considerado como fenómeno, mas à natureza especial do sentido do sujeito que o saboreia. As cores não são propriedades dos corpos, à intuição dos quais se reportam, mas simplesmente modificações do sentido da vista que é afectado pela luz de uma certa maneira. O espaço, pelo contrário, como condição de objectos exteriores, pertence necessariamente ao fenómeno ou à intuição do fenómeno...» (Kant, Crítica da Razão Pura, pag. 69, nota de rodapé, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é acrescentado por nós).

 

Portanto, cores e sons não vêm do exterior. São qualidades subjectivas, duplamente interiores ao sujeito.

 

Outro equívoco de Juan Navarro Cordón e Tomás Calvo-Martínez é a tese de que Kant abandonou o racionalismo, pelo facto de considerar o conhecimento limitado ao campo do experienciável e da matemática a priori. Ora Kant permaneceu sempre racionalista, antes de tudo porque era idealista material (a matéria não existe em si mesma é pura ilusão gerada na sensibilidade) e o idealismo pressupõe racionalismo ( a razão elimina a crença ingénua dos sentidos de que há um mundo material fora de nós).

 

Navarro Cordón e Calvo Martínez confundem racionalismo com realismo metafísico, doutrina que sustenta que há um mundo material exterior a nós, incognoscível no seu todo ou em parte. Há racionalismo idealista material (caso de Kant)  um racionalismo ideal-realista (caso de Hegel), e um racionalismo realista material(casos de Aristóteles, São Tomás de Aquino, Karl Popper, etc.). Kant é, como nós o definimos desde há anos, empiro-racionalista, conceito que não pertence ao género ontológico (realismo, idealismo, fenomenologia) mas sim ao género gnosiológico (fonte e modo de conhecimento) .

 

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Segunda-feira, 12 de Dezembro de 2016
Teste de Filosofia do 10º ano de escolaridade (9 de Dezembro de 2016)

Centrado nos grandes temas da filosofia antiga (ontologia de Platão e Aristóteles, ética do taoísmo) na teoria da acção humana e dos valores, na lógica dialética, eis um teste de filosofia para o 10º ano de escolaridade, no Alentejo, região onde a profundidade da planície suscita a profundidade das ideias

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA C

 

9 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Na cosmologia de Aristóteles, há teleologia nos movimentos que ocorrem nos dois mundos que formam o cosmos. O realismo crítico é um racionalismo e não um empirismo. O fatalismo não é o mesmo que o determinismo biofísico com livre-arbítrio (vulgo determinismo moderado).”

 

1)Explique, concretamente este texto.

 

2)Relacione, justificando;

A) Essencialismo transcendente em Platão e Essencialismo imanente em Aristóteles

B) Proté Ousía, Hylé e Eidos, em Aristóteles, e três partes da alma, em Platão.

C) Esfera dos valores espirituais, esfera dos valores vitais, na teoria de Max Scheler e lei dos dois aspectos da contradição.

D).Ética de Aristóteles, Ética do Taoísmo e pragmatismo.. .

 

 

CORREÇÃO DO TESTE ESCRITO COTADO PARA 20 VALORES

 

 1) No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista,  já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas. Ele nada faz mas suscita e atrai o movimento das estrelas.  (VALE TRÊS VALORES).O realismo crítico é a teoria que afirma que há um mundo material anterior às mentes humanas e independente destas que o captam de maneira distorcida. O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor. O realismo crítico é um racionalismo porque esta doutrina diz que só a razão é a fonte do verdadeiro conhecimento, desprezando muitas das percepções empíricas (neste caso, desprezando as cores, os sons, os cheiros , etc). Não é empirismo porque esta é a doutrina que sustenta que a fonte principal ou única dos nossos conhecimentos é a experiência sensorial, as percepções empíricas (o que vemos, tocamos, cheiramos, etc). Fatalismo  é a teoria segundo a qual tudo na vida está predestinado e os homens não dispõem de livre-arbítrio nem existe o acasoDeterminismo com livre-arbítrio (vulgo: determinismo radical) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio) existindo ainda o factor acaso na natureza. Exemplo: um diabético sabe que ingerindo açúcar refinado a taxa de açúcar no seu sangue sobe para valores anormais, isto é o determinismo ou lei necessária biológica, mas pondera racionalmente e decide (livre-arbítrio) se  deve comer doces ou não. (VALE DOIS VALORES).

 

2)A) Essencialismo é toda a filosofia que sustenta que a essência ou forma fundamental dos entes e dos fenómenos precede a existência destes. As essências são as formas eternas e imutáveis tanto em Platão como em Aristóteles. Em Platão, elas são arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Homem, etc, existentes no mundo Inteligível acima do céu visível, por isso são transcendentes, estão além (trans) do universo físico. Em Aristóteles, as essências são formas eternas inerentes ou imanentes aos objectos físicos - exemplo: a essência sobreiro está em todos os sobreiros reais, físicos, porque não há mundo inteligível- daí ser um essencialismo imanente (VALE TRÊS VALORES). 

 

2-B) A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo (eidos)que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma. A teoria de Platão sustenta que a alma se divide em três partes: o nous ou parte superior, razão intuitiva que capta os arquétipos ou formas puras e que, por isso, corresponde ao eidos ou essência em Aristóteles; a epitimya ou parte inferior da alma, a concupiscência, onde reinam os apetites carnais desordenados e que, por isso, fazemos corresponder à matéria prima universal ou hylé; a parte média da alma, o tumus, coragem e valentia militar que, tal como a proté ousía, é uma síntese. (VALE TRÊS VALORES)

 

C) A esfera dos valores espirituais, na concepção de Scheler, engloba os valores estéticos (belo e feio), éticos ( bom e mau, justo e injusto), jurídicos (legal, ilegal; justo, injusto), filosóficos (verdade e erro) científicos (verdade e erro por referência, isto é, na experiência, no pragmatismo). Há valor de coisa - por exemplo, o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci - valor de função - no exemplo olhar o quadro, apreciar o sorriso de Mona Lisa - e valor de estado - no exemplo: a felicidade resultante dessa contemplação visual. A esfera ou modalidade dos valores vitais e sentimentais é a esfera anímica que inclui os valores do nobre e do vulgar, ciúme e ausência deste, orgulho e humildade, coragem e cobardia, sentimento de vitória ou de juventude, sentimento de derrota ou de velhice, etc. A lei dos dois aspectos da contradição sustenta que numa contradição (contrariedade) há dois aspectos, em regra desigualmente desenvolvidos, o principal e o secundário, que podem inverter posições passando o dominado a dominante. A relação pode ser percebida de muitas maneiras, como por exemplo: em uma pessoa é dominante a esfera dos valores vitais, vive centrada nos triunfos do desporto, nos valores do orgulho da pátria e da família mas em dado  momento dedica-se à arte (estética) e à filosofia, que pertencem à esfera dos valores espirituais e esta passa a ser dominante.(VALE TRÊS VALORES).

 

2-D) A ética de Aristóteles é a de que a virtude está no meio termo (mésotes): por exemplo, não se deve ser avarento nem gastar o dinheiro todo de uma vez, mas antes gastar e poupar equilibradamente; não se deve ser ditador tirânico nem anarquista anti poder, mas exercer a autoridade com prudência, etc. A ética do taoísmo consiste no não agir (não entrar na política nem nos altos negócios, não ter estudos universitários para não se corromper, etc) ser astucioso e louvar aquele que é mais forte que nós e um dia tirar-lhe o tapete, não lançar guerras, viver uma vida simples de camponês respeitando o Tao, isto é, o ritmo natural ondulatório do universo, a alternância verão-inverno, sementeira-colheita, etc.

O pragmatismo é a corrente que sustenta que se deve pôr de parte os altos princípios morais e metafísicos impossíveis de pôr em prática e agir de modo útil e eficaz no mundo empírico, buscar o lucro com realismo. Tanto a ética de Aristóteles como a ética taoísta são, de algum modo, pragmáticas, porque buscam a utilidade no modo de viver, têm bom senso. (VALE TRÊS VALORES).

 

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Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2016
Teste de Filosofia do 11º ano, turma C (Fevereiro de 2016)

 

 Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. .

 

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C

1 de Fevereiro de 2016. Professor: Francisco Queiroz“.

 I

"As categorias são conceitos que prescrevem leis a priori aos fenómenos e, portanto, à natureza como conjunto de todos os fenómenos…O entendimento reduz à unidade o diverso das intuições empíricas.» (Kant, Crítica da Razão Pura)

 

1) Explique estes pensamentos de Kant.

2) Explique, como, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno MONTANHA, o conceito empírico de MONTANHA e o juízo a priori «Seis mais seis é igual a doze»

 

3) Relacione, justificando:

A) As sete relações filosóficas em David Hume e as formas a priori da sensibilidade e do entendimento na teoria de Kant.

B) O ser em Parménides e o ser em Hegel.

C) Ontologia de Descartes (as três res) e realismo crítico em Descartes.

D) Três tipos de conhecimento, segundo Bertrand Russel, e lei da tríade.

E) As ideias de «eu», «alma» e «substância» em David Hume, racionalismo e empirismo.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) As categorias (unidade, pluralidade, totalidade, realidade, causa-efeito) existem no entendimento, são conceitos a priori, formais, e impõem leis, ordem aos fenómenos da natureza existentes na sensibilidade, segundo Kant. Por exemplo,  a categoria de realidade permite distinguir se estamos acordados ou a sonhar e, por isso, impõe que um automobilista guie bem o seu veículo sem o despistar, segundo leis de causa-efeito da condução. (VALE DOIS VALORES) O entendimento, com as  suas categorias, em especial a de unidade, transforma em uma imagem mental única, o conceito empírico (de rosa, por exemplo) os milhares de imagens (intuições empíricas vindas da sensibilidade; no caso, os milhares de rosas que vemos e produzimos no espaço a priori) (VALE DOIS VALORES).

 

B) O númeno afecta «do exterior» a sensibilidade e cria, nesta, um caos de matéria (madeira, terra, ferro, etc). Este caos é moldado pelo espaço que nele imprime figuras geométricas e pelo tempo que lhe confere duração, sucessão. Assim nasce o fenómeno montanha, na sensibilidade «externa», isto é, no espaço. O entendimento intervém na medida em que confere à montanha o carácter de substância, de divisibilidade (em partes: tufos de ervas, rochas, árvores, encostasm etc). São enviadas ao entendimento imagens de diferentes fenómenos montanha - com ou sem árvores, etc - e as categorias ou conceitos puros do entendimento como pluralidade, unidade e realidade misturam e tratam essas imagens empíricas transformando-as num só conceito empírico, o de montanha, abstraindo dos pormenores das montanhas particulares. O juízo a priori seis mais seis igual a doze forma-se do seguinte modo: as intuições puras de números seis e doze existem no tempo, isto é na sensibilidade a priori, são apresentadas às categorias de unidade, pluralidade e totalidade do entendimento e estas geram o dito juízo matemático a priori.(VALE QUATRO VALORES).

 

3) A) As sete relações filosóficas em David Hume são as estruturas a priori do espírito humano, as estruturas da tábua rasa, por assim dizer, e são as seguintes: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. É fácil ver que correspondem, de um modo geral, em Kant,  às formas a priori, da sensibilidade (espaço e tempo) e do entendimento (os conceitos a priori de unidade,pluralidade, totalidade; realidade, limitação, negaçao; substância e acidente, causa-efeito, comunidade; possibilidade-impossibilidade, necessidade-contingência) : a relação de causação em Hume equivale às categorias de causa-efeito e de necessidade em Kant;  as relações de espaço e tempo, em Hume, equivalem ao espaço e tempo puros que são as formas a priori da sensibilidade em Kant, etc (VALE DOIS VALORES).

 

3-B) Segundo Parménides de Eleia, a via da verdade, racional, estabelece que o ser é uno, imóvel, imutável, esférico, invisível, imperceptível, eterno, que não foi nem será porque é eternamente o mesmo e diz que «ser e pensar são um e o mesmo». A interpretação realista desta última frase é: o pensamento é idêntico ao ser, é espelho do ser material (realismo é doutrina que sustenta que o mundo de matéria é real em si mesmo). A interpretação idealista da mesma frase é: o ser é pensamento, nada existe fora da ideia absoluta que é o ser, e o mundo de matéria, com a mudança das estações do ano, o nascimento e a morte não passa de ilusão. A doutrina de Hegel define o ser como a ideia absoluta, o pensamento criador, extra humano, que está no princípio de tudo mas, ao contrário de Parménides, devém, coloca-se em movimento. Este ser desdobra-se em três fases, segundo a lei da tríade: fase lógica, Deus sozinho antes de criar o universo o espaço e o tempo (é a tese ou afirmação, o primeiro momento da tríade); fase da natureza, na qual Deus se aliena ou separa de si mesmo ao transformar-se em espaço, tempo, astros, pedras, montanhas, rios, plantas e deixa de pensar (é a antítese ou negação, o segundo momento da tríade); fase da humanidade ou do espírito, em que a ideia absoluta/Deus emerge com a aparição da espécie humana, que é Deus encarnado evoluindo em direção a si mesmo, por sucessivas formas de estado, desde o despótico mundo oriental até ao mundo cristão da Reforma protestante onde todos os homens são livres (é a síntese ou negação da negação) (VALE TRÊS VALORES).

 

3.C) A ontologia ou teoria do ser em Descartes é a seguinte: o ser principial é Deus-espírito (res divina) e o ser derivado é duplo, res cogitans ou pensamento humano e res extensa ou extensão, isto é, o comprimento, largura e altura dos corpos materiais exclunido o peso, a cor, o som, o grau de dureza, etc. Isto, em especial a res extensa, liga-se ao Realismo crítico que é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE TRÊS VALORES). 

 

3-D)  Os três tipos de conhecimento segundo Bertrand Russell são: o saber-fazer, que é um conhecimento empírico-técnico, como andar de bicicleta, nadar, jogar futebol; o conhecimento por contacto, isto é, empírico directo, como ver uma planície alentejana, ouvir uma música dos Bubedanas, saborear gaspacho; o conhecimento proposicional, isto é, racional ou empírico-racional, como por exemplo, «A soma dos três ângulos internos de um triângulo é 180º», «Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986». contrariando muitas vezes as percepções empíricas. A lei da tríade diz que um processo dialético se divide em três fases: a tese ou afirmação (neste caso pode ser o saber fazer, ausência de raciocínio) a antítese ou negação (neste caso pode ser o conhecimento proposicional, o máximo de raciocínio) e a síntese ou negação da negação (neste caso seria o conhecimento por contacto que mistura o empírico-instintivo da tese ao racional da antítese)(VALE DOIS VALORES)

 

3-E) As ideias de «eu», «alma» e «substância» são geradas pela imaginação e a memória que inventam a persistência, a continuidade dos objectos físicos ou psíquicos. Isto pode ser considerado  empirismo radical, doutrina segundo a qual as percepções empíricas são a fonte das nossas ideias e estas copiam aquelas e não se pode ir além da percepção sensorial imediata. Mas também pode ser considerado racionalismo, doutrina segundo a qual o raciocínio é a fonte principal dos nossos conhecimentos, marginalizando ou mesmo contrariando as percepções empíricas, porque a razão está a negar a evidência intuitiva de que «sou um eu», «tenho uma alma ou psique», «a substância X ou Y existe» (VALE DOIS VALORES).

 

 

 

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Quarta-feira, 3 de Setembro de 2014
Cuestionar a Hessen: ¿apriorismo es un intermedio entre racionalismo y empirismo?

En su célebre tratado «Teoría del conocimiento» el filósofo alemán J. Hessen escribió:

 

«La historia de la filosofía presenta un segundo intento de mediación entre el racionalismo y el empirismo: el apriorismo. También este considera la experiencia y el  pensamiento como fuentes del conocimiento. Pero el apriorismo  define la relación entre la experiencia y el pensamiento en un sentido directamente opuesto al intelectualismo. Como ya dice el nombre de apriorismo, nuestro conocimiento presenta, en sentir de esta dirección, elementos a priori, independientes de la experiencia. Esta era también la opinión del racionalismo. Pero mientras éste consideraba los factores a priori como contenidos, como conceptos perfectos, para el apriorismo estos factores son de naturaleza formal. No son contenidos, sino formas del conocimiento. Estas forrmas reciben el contenido de la experiencia, y en esto el apriorismo se separa del racionalismo y se acerca al empirismo»(J.Hessen, Teoría del conocimiento, Espasa Calpe Argentina, Buenos Aires-México, Tercera Edición, 1944, pág. 52; lo destaque en negrito es colocado por nosotros).

 

Hessen está equivocado, al igual que la generalidad de los especialistas en gnoseología . No hay distinción entre racionalismo innatista y apriorismo en la medida que el primero es una modalid del segundo: la teoría que dice que al nacer el hombre ya posee ideas  innatas (innatismo) es un apriorismo sustancial. No hay distinción entre emprismo y apriorismo formal en la medida que el primer se incorpora en el segundo: practicamente todos los empiristas son aprioristas formales, puesto que sostienen que hay estructuras formales a priori como los organos de los sentidos y la razón aunque destituídos de contenidos.

 

La teoría de Kant es un apriorismo sustancial, puesto que las ideas o conceptos de necesidad, unidad, pluralidad,  triângulo, círculo, números un, dos, tres, etc. son innatas, ya existen sea en la sensibilidad (formas y números) sea en el entendimiento a priori (categorías: unidad, pluralidad, necesidad, divisibilidad, etc.) Y es un racionalismo porque sostiene que la razón, bajo su forma  inferior de entendimiento , es el principal, pero no exclusivo, constructor de conocimiento.

 

Apriorismo se opone a aposteriorismo. No se opone a racionalismo ni a empirismo. A Hessen le falta, como a Kant faltó, un verdadero pensamiento dialéctico.

 

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Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013
Teste de filosofia do 11º C, final de Novembro de 2013

 

Eis um teste de filosofia sem perguntas de resposta múltipla que exigem responder com cruzes e não desenvolvem a capacidade discursiva escrita do aluno.

Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
29 de Novembro de 2013. Professor: Francisco Queiroz

 

 

 

I

1) Considere o seguinte silogismo:

 

«Nenhuma cotovia é mamífero.
«Alguns macacos são maníferos».
«Nenhum macaco é cotovia».

 

A) Indique, concretamente, duas regras da construção formalmente válida do silogismo que foram infringidas no silogismo acima.

 

 B) Indique o modo e a figura do silogisno.

 

 

II  

David Hume escreveu: «É assim que inventamos a existência contínua das percepções dos nossos sentidos, para remover a interrupção; e chegamos à noção de alma,...» e Parménides escreveu: «O ser é e o não ser não é...Ser e pensar são um e o mesmo».

 

2) Explique ambos os pensamentos e compare-os no tema do «ser».

                                                                            

                                                                                                      

3) Relacione, justificando:

 

A) Sete relações filosóficas em David Hume e binómio Idealismo/ realismo crítico.

 

B) Os três tipos de conhecimento, segundo Bertrand Russel, empirismo e racionalismo.

 

C) Indução amplificante e lei do salto de qualidade.

 

D) Retórica e sofística.

 

 

 

       CORRECÇÃO DO TESTE, COTADO PARA 20 VALORES

 

1) A) Eis duas regras de validade infringidas no silogismo acima: a conclusão segue sempre a parte mais fraca, se uma premissa é particular a conclusão tem de ser particular (ora isso não sucede, porque a premissa «Alguns macacos...» é particular e a conclusão «Nenhuns...» é universal); nenhum termo pode ter na conclusão maior extensão do que nas premissas (ora o termo "macacos" é particular na premissa e universal na conclusão). (VALE DOIS VALORES).

 

1) B) O modo do silogismo é EIE (E= proposição universal negativa; I= proposição particular afirmativa). A figura do silogismo é a 2ª : PP (termo médio como predicado em ambas as premissas). (VALE UM VALOR)

 

2)  Hume diz que as percepções empíricas são como que fotos desligadas umas das outras, não são contínuas e é a imaginação que fornece a ideia de continuidade dos objectos, o filme das percepções. Assim não há a alma, nem o eu, nem a casa, nem a árvore, nem a montanha - são ideias da imaginação formadas a partir de percepções cuja origem se desconhece. Isto é idealismo: a matéria passa a ser um conjunto de percepções empíricas. Em Parménides dá-se o inverso: não há descontinuidades, a percepção empírica é ilusão, o pensar está a todo o instante centrado no ser uno, imóvel, invisível, esférico, eterno.  Ao empirismo de Hume (" as ideias nascem das impressões sensíveis") contrapõe-se o racionalismo de Parménides (" Só o pensar, o raciocínio e a intuição inteligível captam o ser"). São dois idealismos, numa certa interpretação; mas em Parménides pode tratar-se ainda, ao invés, de um realismo crítico, porque apesar de cores, sons, cheiros, formas mutáveis serem ilusões, a esfera do ser pode ter carácter material, pode ser formada por uma matéria imperceptível aos sentidos.   (VALE QUATRO VALORES).

 

3) A) As sete relações filosóficas são capacidades da nossa mente, modos de interpretar as coisas, não existem no mundo exterior: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Por exemplo, água e fogo não são contrários entre si fora da mente humana, real e objectivamente,  mas são apenas contrários dentro desta que as coloca numa relação de contrariedade.  Assim, as sete relações filosóficas incluem-se no idealismo, que diz que o mundo material não passa de uma ideia. Ao contrário, o realismo supõe que semelhança, identidade, relações de espaço e tempo, quantidade, graus de qualidade, causa-efeito, etc, são modos de ser reais, exteriores às mentes humanas, porque o realismo afirma a realidade da matéria em si mesma. O realismo crítico diz que certas qualidades (cores, sons, cheiros, sabores) são subjectivas, secundárias, e nessa medida coincide em parte com o idealismo. (VALE QUATRO VALORES).

 

3) B) Os três tipos de conhecimento segundo Bertrand Russell são: o saber-fazer, que é um conhecimento empírico-técnico, como andar de bicicleta, nadar, jogar futebol; o conhecimento por contacto, isto é, empírico directo, como ver uma planície alentejana, ouvir uma música dos Bubedanas, saborear gaspacho; o conhecimento proposicional, isto é, racional ou empírico-racional, como por exemplo, «A soma dos três ângulos internos de um triângulo é 180º», «Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986». Os dois  primeiros tipos de conhecimento são empirismo, doutrina segundo a qual as percepções empíricas são a fonte das nossas ideias e estas copiam aquelas. O conhecimento proposicional inclui, geralmente, racionalismo, doutrina segundo a qual o raciocínio é a fonte principal dos nossos conhecimentos, marginalizando ou mesmo contrariando as percepções empíricas. (VALE TRÊS VALORES)

 

3) C) A indução amplificante é aquela que a partir de alguns exemplos empíricos directos generaliza segundo uma lei necessária ou aparentemente necessária. Exemplo: «Como médico pediatra, receitei a 50 crianças com gripe e tosse que tomassem três copos de sumo de laranja diários com uma colher de mel e em todos os casos a gripe e a tosse atenuaram-se ou desapareceram, assim induzo que três copos de sumo de laranja e colheres de mel agem em sentido curativo em todas as crianças do mundo». A lei do salto qualitativo está presente nesta indução: acumulam-se, gradualmente, exemplos de cura (a criança A, a criança B, a criamça C) até que o salto de qualidade, brusco, se dá de X casos particulares para uma lei geral. (VALE TRÊS VALORES).

 

3) D) A retórica é a arte de bem discursar oralmente - ou por escrito, de forma derivada - a um auditório, no sentido de impressionar e persuadir. Bem discursar não significa estar isento de sofismas (erros voluntários de raciocínio) e paralogismos (erros involuntários de raciocínio). A sofística é a filosofia e a retórica dos sofistas, pensadores gregos anti essencialistas que ensinavam retórica, direito, política, etc, com remuneração. Assentava no cepticismo, que duvida de tudo o que fôr além das percepções empíricas, no relativismo que diz que a verdade varia com os povos, as classes e grupos sociais, no subjectivismo que postula que a verdade varia de pessoa a pessoa, no pragmatismo, que prefere os resultados práticos, a utilidade da situação real aos ideais "inúteis" e metafísicos. (VALE TRÊS VALORES).

 

 

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Domingo, 12 de Fevereiro de 2012
Testes de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal (segundo período lectivo)

 

Eis dois testes de filosofia para o 10º ano de escolaridade, a meio do segundo período lectivo, possíveis de ser dado só dentro de uma cultura de exigência e ensino filosófico autêntico. Os alunos dos professores populistas e facilitistas que ensinam pouco, e dão altas classificações sobreavaliadas a muitos desses alunos, não conseguem, presumivelmente, responder com êxito a este teste.

 

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

 

Fevereiro de 2012        Professor: Francisco Queiroz            

 

I

 

“O imperativo categórico em Kant tem analogia com a democracia liberal e é formal e autónomo. O livre-arbítrio, incompatível com o fatalismo mas compatível com o determinismo, parece corresponder às causas eficiente e final de certos actos. A concepção de Estado marxista-leninista é diferente da concepção de Estado fascista.”

 

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frase

 

II

 

2) Construa um diálogo entre um anarquista, um liberal e um social-democrata sobre a natureza do Estado de democracia liberal e o valor das eleições, a propriedade privada das empresas e a economia, os impostos, os direitos à greve, ao aborto voluntário, o ensino, o sistema de saúde, o rendimento mínimo garantido.

 

III

 

«Aquele que se dedica ao estudo cresce de dia para dia, aquele que se dedica ao Tao diminui de dia para dia. Vai diminuindo sempre até chegar ao não agir. Pelo não agir, nada há que se não faça.» (Lao Tse)

 

 

IV

 

4) Relacione, justificando:

 

A) Arquétipo, em Platão, e Tó Tí e Tó On.

 

B) Hermenêutica, ideologia e juízo de valor.

 

C) Empirismo/ Racionalismo e doutrinas éticas de Kant e Stuart Mill.

 

D) Realismo Ontológico/ Idealismo Ontológico e Sujetividade/Objetividade.

 

  

5)Disserte sobre os temas seguintes:

 

«A essência, a lei da tríade e o princípio do terceiro excluído na minha escola e na minha cidade.»

 

 

 

 CORREÇÃO DO TESTE (COTADO EM 20 VALORES)

 

 Respostas: 

 

1) O imperativo categórico, em Kant, é a verdadeira lei moral que preconiza «Age como se quisesses que a tua máxima fosse lei universal da natureza», isto é, um princípio igualmente aplicável a todos os homens, incluindo a ti mesmo, princípio de equidade e não de prazer egoísta. Isto tem semelhança com a democracia liberal (regime político-social de eleições livres, liberdade de associação empresarial, sindical e política, liberdade de greve e manifestação de rua, de religião ou ateísmo, liberdade de criação artística, etc) já que essa democracia deriva do seguinte imperativo categórico existente em milhões de pessoas;. «Age politicamente e vive como se quisesses que a tua ação expandisse a toda a humanidade os princípios da liberdade individual concretizados nas regras de de «a cada um homem, um voto», em eleições livres e periódicas aos parlamentos nacionais, regionais e locais, em liberdade de imprensa, de manifestação de rua, de organização e acção livre de sindicatos, empresas privadas e partidos políticos, etc». O caráter formal do imperativo categórico é o facto de ser abstrato, sem conteúdo, e o caráter autónomo é o facto de variar de pessoa a pessoa, ser criação desta. ( A RESPOSTA A ESTA PRIMEIRA FRASE DO TEXTO VALE DOIS VALORES). 

 

O livre-arbítrio, isto é, capacidade de deliberar, livre e racionalmente, sobre atitudes a adotar ou valores a escolher harmoniza-se com o determinismo - princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos - mas não pode coexistir com o fatalismo, uma vez que este é a teoria segundo a qual todos os acontecimentos estão predestinados ou escritos antes de se materializarem e, portanto, o livre-arbítrio é nele uma ilusão, os seres humanos são marionetas nas mãos do destino. O livre-arbítrio na medida em que exige «ver» intelectualmente a finalidade das nossas decisões e actos corresponde à causa final de algo (exemplo: decido jejuar 24 horas porque "vejo" o resultado final dessa acção, o meu corpo purificado de um excesso de colesterol e ácidos) e na medida em que desencadeia a acção do sujeito corresponde à causa eficiente, isto é, ao agente que faz ou fabrica algo (exemplo: a minha vontade de manter o jejum desvia-me da comida e da bebida). (A RESPOSTA À SEGUNDA FRASE DO TEXTO VALE DOIS VALORES) 

 

A concepção de Estado marxista-leninista é a seguinte: o Estado deve ser um instrumento do poder da classe operária e do seu partido comunista, por isso deve centralizar a economia (nacionalizar todas ou quase todas as empresas e dar emprego a toda a gente), suprimir as eleições "livres" porque estas possibilitam aos partidos da burguesia (conservadores, liberais, centristas e socialistas) fazer propaganda contra o Estado socialista leninista, suprimir o pluripartidarismo, a liberdade de imprensa, de greve e manifestação, eliminar os opositores de esquerda (anarquistas, trotskistas, etc). A concepção de Estado fascista é diferente, embora igualmente ditatorial: o Estado deve ser um instrumento de poder da nação e do seu partido fascista, que regulará a economia deixando coexistir o capitalismo privado e o capitalismo de estado, não permitirá eleições livres e partidos políticos, nem imprensa e televisão livre, impedirá a luta de classes (as greves, as manifestações de rua, etc) e a entrada de emigrantes, fará prender através da polícia política os ativistas de esquerda, centro ou direita liberal que sejam antifascistas perigosos. (A RESPOSTA À TERCEIRA FRASE VALE DOIS VALORES).

 

II

 

2) ANARQUISTA: Não deve haver Estado. O Estado, seja uma ditadura fascista ou monárquica, ou uma democracia liberal ou uma ditadura marxista-leninista, é sempre uma máquina burocrática, uma ditadura sobre a classe operária e os trabalhadores. A propriedade privada das fábricas, terras, bancos e supermercados, empresas de pesca e transportes e comunicações,  é imoral, assenta na exploração dos trabalhadores pela burguesia e deve ser abolida. Sou pela extinção do capitalismo através da autogestão: as fábricas aos operários, as terras aos jornaleiros agrícolas, as escolas aos alunos e professores! O poder aos operários nas fábricas, reunidos em assembleias de base! O poder à assembleia de moradores em cada bairro! O rendimento mínimo garantido é uma concessão dos capitalistas para calar os mais pobres, uma reforma, uma esmola, mas queremos mais, queremos a revolução social, o socialismo autogestionário, a economia colectivista e descentralizada. Apoiamos o direito ao aborto e à greve. 

 

SOCIAL-DEMOCRATA: Tem de haver Estado, um estado de direito democrático, que permita organizar a vida de um povo. A anarquia ou ausência de Estado é uma utopia, um ideal impraticável. Sou contra os Estados totalitários, dominados por um só partido político ou por um presidente ditatorial: o Estado marxista-leninista, à esquerda, e o Estado fascista, à direita, que coincidem ao eliminar as liberdades individuais e as eleições livres, em nome da "classe" ou da "nação". A economia, embora capitalista, deve ter um sector estatizado (metropolitano, carris, águas, electricidade, um canal de televisão, sistema nacional de saúde e ensino, etc) onde o serviço ao público, com preços e taxas baixos se deve sobrepor à busca do lucro. Favoreço o direito à greve, ao aborto livre e impostos progressivos sobre os ricos.O rendimento mínimo garantido e o subsídio de desemprego de longa duração são criações da social-democracia que evitam as situações de pobreza extrema.

 

LIBERAL: O Estado é imprescindível e deve ser uma democracia pluripartidária com eleições livres mas precisamos de menos Estado, isto é, muitas empresas estatais (águas, eletricidade, caminhos de ferro, hospitais e centros de saúde, o sistema prisional ou parte dele, etc) podem e devem ser privatizadas de modo a que desçam os impostos sobre os cidadãos e se atraiam os capitais dos muito ricos, nacionais ou estrangeiros. O capitalismo privado é o grande motor da economia e o modelo justo de sociedade. Sou contra os anarquistas, defensores de um comunismo libertário, de base, e sou contra o socialismo democrático com a sua tendência estatizadora de empresas e o seu rendimento mínimo garantido que desencoraja pessoas válidas a procurar emprego. Sou pela privatização das universidades e dos hospitais, ou de muitos deles, e de parte ou todo o ensino secundário que custam muitos milhões em impostos aos contribuintes. Admito o direito ao aborto livre e à greve. (VALE TRÊS VALORES, NO CONJUNTO DO DIÁLOGO).

 

3)  O Tao é o ritmo do universo, a mãe do Universo, o fundo oculto de onde brotam o ser e o não ser. É uma onda que se desdobra em Yang (calor, convexidade, expansão) e Yin (frio, concavidade, contração). Ver nascer o sol no campo integra-se no Tao mas estar a essa hora numa discoteca a dançar freneticamente ao som de batidas rápidas não é conforme ao Tao. Estudar horas e horas diárias opõe-se ao Tao porque exige um esforço artificial e o estudo não produz os alimentos simples da vida, como o pão, os frutos, as hortaliças. O camponês que cuida do gado e das árvores, esse, sim, dedica-se ao Tao (o ritmo das estações do ano, o crescer e amadurecer das plantas, etc) e vai diminuindo em prestígio até chegar ao não agir, isto é, a não intervir social e politicamente, a apagar-se em importância. E quando não se age, isto é, quando se deixa correr o ritmo natural das coisas, tudo se consegue obter, como no caso daquele que, sentido-se indisposto, jejua dois dias seguidos e com o jejum (não agir) dá repouso ao fígado e permite à força vital corporal eliminar ácido úrico, gorduras de modo a reencontrar a saúde. (VALE DOIS VALORES).

 

4) A)  Arquétipo é uma forma eterna, imutável, do mundo inteligível, incorruptível e perfeita que possui um tó tí, uma determinação ou forma (exemplo: Belo é um to tí diferente de Justo e de Número Dois e todos estes são arquétipos) e possui também um tó ón, uma existência sem forma comum a todos os arquétipos. (VALE DOIS VALORES)

 

4) B) Hermenêutica é a arte de (bem) interpretar os textos e os símbolos em geral, a interpretação supõe juízos de valor isto é afirmações ou negações mais ou menos subjectivos - exemplo: « os líderes políticos e artísticos que saudam fazendo cornos com o dedo indicador e o dedo mínimo estão a transmitir uma mensagem subliminar iluminatti» - e supõe uma ou várias ideologias, isto é, sistemas de valores e ideias correspondentes a grupos sociais, classes sociais, nações, civilizações. (VALE DOIS VALORES).

 

4) C) Empirismo é a doutrina que afirma que a fonte quase exclusiva das nossas ideias é o campo das percepções empíricas e que as ideias são cópias descoloridas dessas percepções. Racionalismo é a doutrina que afirma que a fonte quase exclusiva das nossas ideias é o campo das intuições inteligíveis e dos raciocínios que negam, com frequência, as percepções empíricas. Aparentemente pelo menos, a doutrina de Kant é a mais racionalista, pois formula o imperativo categórico, que despreza o eu empírico e brota do eu racional, que concebe o dever. E a doutrina de Mill é mais empirista, pois maximizar o prazer (sensual ou empírico, antes de mais) implica conhecer bem o terreno, o número de pessoas envolvidos, os resultados práticos - tudo condições empíricas. (VALE DOIS VALORES). 

 

4) D) Realismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo material é real em si mesmo, fora dos espíritos humanos.Liga-se à objetividade pois considera-se a matéria objetiva, isto é, exterior a nós, visível e palpável a todos. Idealismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo de matéria não é real fora de nós mas dentro do nosso espírito, em forma de ideias e sensações. Isto parece ligar-se a subjetividade ou seja interioridade psíquica variável de pessoa a pessoa. (VALE DOIS VALORES).

 

5) A essência é a forma fundamental de algo. Na minha escola, a essência é dupla: o edifício, com salas de aula, ginásio, biblioteca, etc, (essência física); o processo de aprendizagem intelectual e manual que aí se realiza todos os dias, envolvendo professores e alunos. Na minha cidade, a essência é a forma geral arquitectónica e a população que nela vive.

A lei da tríade afirma que um processo dialético se compõe de três partes: a tese ou afirmação, a antítese ou negação e a síntese, ou negação da negação, representando esta última um regresso à tese. Na escola, a aula é a síntese, o resultado do confronto intelectual entre os professor (tese, aquele que põe uma matéria) e os alunos (antítese, aqueles que negam ou ignoram, de início, essa matéria). Na cidade, o centro histórico é a tese, os bairros modernos da segunda metade do século XX e XXI é a antítese, as ruas ou praças em que confluem é a síntese.

O princípio do terceiro excluído afirma que uma coisa ou qualidade ou é tal ou não é tal, ou seja, ou pertence ao grupo A ou ao grupo não A, não havendo a terceira hipótese. Na escola, as salas ou são de aulas ou não são de aulas, não havendo a terceira hipótese. Na cidade, cada casa está classificada como património de interesse municipal ou não está classificada como património de interesse municipal. (VALE DOIS VALORES).  

 

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.

 

Analisemos agora outro teste.

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA D

 

Fevereiro de 2012            Professor: Francisco Queiroz

 

I

“O princípio da máxima felicidade em Stuart Mill tem analogia com a democracia liberal e o imperativo categórico em Kant é formal e autónomo. Nas quatro causas de um ente teorizadas por Aristóteles, duas parecem ter íntima ligação com o livre-arbítrio, e duas parecem ter maior ligação com o determinismo. A concepção de Estado social-democrata é diferente da concepção de Estado fascista.”

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.

                                                        II

2) Construa um diálogo entre um anarquista, um comunista leninista e um conservador sobre a natureza do Estado de democracia liberal e o valor das eleições, a propriedade privada das empresas e a economia, os impostos, os direitos à greve, ao aborto voluntário, o ensino, o sistema de saúde, o rendimento mínimo garantido.

III

«.A virtude suprema é sem virtude, é por isso que ela é a virtude. A virtude inferior não se afasta das virtudes, é por isso que não é a virtude. O Tao que se procura alcançar não é o próprio Tao. Pelo não-ser, atinjamos o seu segredo; pelo ser, abordemos o seu acesso. »(Lao Tse)

 

3)  Explique este poema de Lao Tse.

IV

4) Relacione, justificando:

A) Os três mundos em Platão , em Platão, percepção empírica e conceito.

B) Hedonismo cirenaísta, ideologia e mais-valia.

C) Empirismo/ Racionalismo e Metafísica/Pragmatismo.

D) Realismo Ontológico/ Idealismo Ontológico e Dogmatismo/Ceticismo.

 

5)Disserte sobre os temas seguintes:

«A essência e o acidente (interno e externo), e a lei da luta de contrários na minha escola e na minha cidade.»

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTADO EM 20 VALORES)

 

1) O princípio da máxima felicidade, segundo Stuart Mill, é o que prescreve proporcionar a felicidade à maioria das pessoas envolvidas numa dada situação mesmo que isso implique sacrificar o prazer de quem realiza a ação ou da minoria de pessoas envolvida nessa situação. Sendo a democracia liberal o regime baseado em eleições livres e periódicas por sufrágio universal, com liberdade de imprensa e ação dos partidos políticos, sindicatos, igrejas, etc, regime que forma o seu governo a partir de maiorias de votos da população e dos deputados eleitos por esta, obedece ao princípio da felicidade para o maior número. (VALE UM VALOR) O imperativo categórico de Kant é formal, visto que é vazio de indicações concretas, e autónomo, visto que se baseia no juízo livre de cada pessoa e varia de pessoa a pessoa (VALE UM VALOR).

 

Das quatro causas de um ente, em Aristóteles, as duas que parecem estar mais ligadas ao livre-arbítrio, isto é,à liberdade consciente de escolha são a causa eficiente ( o agente que fabrica o ente; exemplo, os operários que fazem uma casa) e a causa final (a finalidade do ente; exemplo, a casa servir para habitação), ao passo que as causas mais ligadas aparentemente ao determinismo, princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, são a causa formal (a forma do ente; exemplo, a forma da casa, com 2 pisos, 5 quartos, etc) e a causa material (a matéria segunda de que o ente é feito; exemplo, os tijolos, o cimento, o ferro, a tinta da casa) (VALE DOIS VALORES; NOTA: HÁ OUTRAS RESPOSTAS VÁLIDAS).

 

A concepção ou seja a ideia fundamental do Estado social-democrata é: o Estado deve garantir direitos iguais a todos os cidadãos, logo deve ser uma democracia multipartidária e parlamentar, permitindo as liberdades de greve, manifestação de rua, imprensa, associação e ação política e sindical, aborto, e deve favorecer a economia capitalista, de livre concorrência e propriedade privada das empresas, mas deve regular essa economia de modo a evitar oligarquias e, portanto, manterá algumas empresas estratégicas em seu poder (exemplo: eletricidade, águas, um canal de televisão, etc) aplicará impostos progressivos aos ricos, de modo a que haja um sistema nacional de saúde e de ensino gratuitos, uma segurança social que estenda o subsídio a todos os desempregados, incluindo o rendimento mínimo. Este Estado democrático de tonalidade social-democrata difere muito do Estado fascista, que é anti parlamentar e tem um caráter policial repressivo de extrema direita, da oposição e das massas populares, impondo a censura à imprensa escrita e televisão, proibindo eleições livres, sindicatos e partidos políticos, favorecendo as igrejas conservadoras que atacam a liberdade de abortar, as uniões de gays e lésbicas, limitando ou impedindo de todo as entradas de imigrantes estrangeiros no país em nome da "unidade da raça, da pátria, da família, de Deus", intervindo na economia de modo a limitar a plena expansão do capitalismo, admitindo os patrões mas proibindo-lhes despedir operários e proibindo a estes a greve e o sindicalismo livre. (VALE DOIS VALORES).

 

2) Anarquista: O capitalismo é um mau regime. Não deve haver Estado. O Estado, seja uma ditadura fascista ou monárquica, ou uma democracia liberal ou uma ditadura marxista-leninista, é sempre uma máquina burocrática, uma ditadura sobre a classe operária e os trabalhadores. A propriedade privada das fábricas, terras, bancos e supermercados, empresas de pesca e transportes e comunicações,  é imoral, assenta na exploração dos trabalhadores pela burguesia e deve ser abolida. Sou pela extinção do capitalismo através da autogestão: as fábricas aos operários, as terras aos jornaleiros agrícolas, as escolas aos alunos e professores! O poder aos operários nas fábricas, reunidos em assembleias de base! O poder à assembleia de moradores em cada bairro! O rendimento mínimo garantido é uma concessão dos capitalistas para calar os mais pobres, uma reforma, uma esmola, mas queremos mais, queremos a revolução social, o socialismo autogestionário, a economia colectivista e descentralizada. Apoiamos o direito ao aborto e à greve. 

 

Comunista leninista: O capitalismo é sem dúvida um mau regime. Assenta na extração de mais valia pelos patrões aos operários assalariados: se, por exemplo, o operário gera um valor de 80 euros diários, o patrão só lhe paga 30 euros, sendo a mais valia equivalente a 50 euros. O anarquismo, de extrema esquerda, é utópico porque faz desaparecer o Estado e permite que a restauração da ordem pública seja levada a cabo pelas forças de direita. A autogestão generalizada não resulta. É necessário um Estado centralizado, forte, a ditadura do proletariado sobre a burguesia, que nacionalize quase todas as empresas, substuindo o patrão por um gestor público comunista. O partido leninista e os sindicatos e sovietes serão a ossatura do novo Estado socialista operário que acabará com as chamadas "eleições livres" da democracia liberal, onde os vencedores são sempre os partidos que a burguesia financia: conservadores, liberais, centristas, socialistas. No Estado leninista, ensino e cuidados de saúde são gratuitos, não há desemprego, são proibidas as greves, há um partido único, o comunista e são proibidos os partidos políticos burgueses e os grupos anarquistas e trotskistas, da extrema-esquerda sectária e irrealista. No entanto, dentro das democracias liberais, nós comunistas concorremos às eleições, promovemos greves, manifestações de rua, acções sindicais e políticas variadas.

 

Conservador: O capitalismo é o melhor regime possível. O Estado é imprescindível e deve ser uma democracia pluripartidária com eleições livres mas precisamos de menos Estado na economia, isto é, muitas empresas estatais (águas, eletricidade, caminhos de ferro, hospitais e centros de saúde, o sistema prisional ou parte dele, etc) podem e devem ser privatizadas de modo a que desçam os impostos sobre os cidadãos e se atraiam os capitais dos muito ricos, nacionais ou estrangeiros. O capitalismo privado é o grande motor da economia e o modelo justo de sociedade. Sou contra os anarquistas, defensores de um comunismo libertário, de base, e sou contra o comunismo leninista, estatizador e totalitário, e contra socialismo democrático com a sua tendência estatizadora de empresas e o seu rendimento mínimo garantido que desencoraja pessoas válidas a procurar emprego. Sou pela privatização das universidades e dos hospitais, ou de muitos deles, e de parte ou todo o ensino secundário que custam muitos milhões em impostos aos contribuintes. Não admito o direito ao aborto livre e ao casamento de gays e lésbicas. Favoreço a moral religiosa tradicional, apoiando igrejas como a católica ou as protestantes, de modo a que não reine a ausência de valores éticos.  (VALE TRÊS VALORES NO SEU CONJUNTO).

 

3) «A virtude suprema é sem virtude» significa: a virtude superior, como por exemplo, a sabedoria, é interior, discreta, não se apresenta com sinais exteriores de virtude (o sábio pode ir dar uma conferência em mangas de camisa, sem gravata e outros adereços exteriores ligados à imagem de "cientista ou professor universitário"). «A virtude inferior não se afasta das virtudes, é por isso que não é a virtude» significa: a virtude inferior, como por exemplo, saber pôr o dinheiro a render em depósitos de juros altos, coisa que toda a gente faz se puder, não é virtude, é esperteza prática. «O Tao que se procura alcançar não é o próprio Tao» pode significar: o Tao ou ritmo ondulatório do universo e fonte de todos os seres é inatingível e não pode ser alterado, é composto de oscilações «Yang» (luz, dilatação, vermelho) e Yin (escuridão, contração, azul) e não é o Tao pessoal que rege a nossa vida (exemplo:o meu Tao é levantar-me às oito da manhã, trabalhar até ao meio dia, almoçar, fazer uma sesta das duas às três, voltar ao trabalho...)«Pelo não ser atinjamos o seu segredo» significa: através do vazio, do não agir, do não desejar nada (não desejar construir um hotel ou um restaurante num lindíssimo campo de oliveiras do Alentejo, por exemplo) entendemos o segredo do Tao, o ritmo do universo. «Pelo ser, abordemos o seu acesso» significa: como o ser é visível e palpável, ao contrário do não ser, é através do ser natural, físico, que acedemos ao Tao (exemplo: o agricultor observa que em tal dia é lua cheia - ser visível- e sabe que dias depois iniciará uma dada sementeira, conforme ao ciclo natural ou Tao). (VALE DOIS VALORES).

 

4) A) Os três mundos em Platão são: o mundo do Mesmo ou Inteligível, povoado de essências eternas, imóveis e imateriais, como o Bem, o Belo, o Justo, o Igual, o Sábio, o Jústo, o Número Um, o Número Dez, mundo que a mente humana só pode alcançar através do conceito, nunca através da perceção empírica ou visão, audição, tato, gosto, gerada nos orgãos sensoriais; o mundo do Semelhante ou do Céu Visível, onde os astros incorruptíveis giram e geram o tempo, «imagem móvel da eternidade», e na medida em que são vistos estão ao alcance da perceção empírica, mundo que é também o das operações matemáticas e nessa medida é alcançado pelo conceito ou ideia que geramos; o mundo do Outro ou Sensível, onde vivemos fisicamente e onde os "seres" nascem, crescem, declinam e morrem e que está ao alcançe da percepção sensível e do conceito. (VALE DOIS VALORES)

 

4) B) O hedonismo cirenaísta ou sensualista identifica o maior bem com os prazeres físicos (comer, beber, nadar ou correr por gosto, etc) e o maior mal com os sofrimentos físicos (dores corporais, fome, sede, etc) e constitui em si uma ideologia - sistema de ideias e valores próprios de um dado grupo social ou de uma civilização - e a mais valia, ou fruto do trabalho operário ilicitamente apropriado pelo capitalista, manifesta o hedonismo cirenaísta deste último («Vou pagar mal aos meus operários para extrair grande mais valia deles e ter jantares de caviar e faisão com as minhas amantes ou acompanhantes»). (VALE UM VALOR).

 

4)C) O empirismo, corrente que sustenta que quase todas as nossas ideias são cópias pálidas das perceções empíricas, liga-se, aparentemente, ao pragmatismo, corrente que centra o conhecimento nas coisas (pragnata) visíveis e sensíveis, e na utilidade delas, pondo entre parêntesis a metafísica, ou reino das entidades invisíveis, inaudíveis, impalpáveis cuja existência é dificil ou impossível de demonstrar. A metafísica liga-se ao racionalismo se este é definido como a corrente que sustenta que as nossas ideias fundamentais são provenientes não dos orgãos dos sentidos mas da razão ou de um mundo racional-ideal que transcende cada pessoa. (VALE DOIS VALORES)

 

4)D) O realismo ontológico diz que o mundo material é real em si mesmo, independente das consciências humanas. Na medida em que não duvida da exterioridade da matéria, é um dogmatismo. O idealismo ontológico diz que um mundo material é ilusório em si mesmo, é um filme montado no salão vastíssimo da nossa consciência. Na medida em que duvida da realidade exterior da matéria, é um cetismo. (VALE DOIS VALORES).

 

5) Essência é a forma fundamental e estável de algo. Exemplo: O edifício da escola, a comunidade alunos em aprendizagem e professores em transmissão dos saberes e avaliação quotidiana.  Acidente interno é um aspeto interior à essência que se manifesta só às vezes. Exemplo: A campainha da escola que toca em cada 45 minutos, aproximadamente. Acidente externo é o que não pertence à essência mas lhe sobrevém. Exemplo: a vinda da equipa médica hospitalar à escola num determinado dia. A lei da luta de contrários estipula que em cada coisa há uma luta de contrários que constitui a essência e o motor de desenvolvimento dessa coisa. Exemplo: na cidade, a luta política entre a burguesia (os ricos, os agricultores abastados, os grandes comerciantes) e o proletariado e semiproletariado (os operários agrícolas, os pequenos funcionários, os empregados de armazém, as cozinheiras, os varredores, etc) (VALE DOIS VALORES).

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.

 

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Sábado, 17 de Dezembro de 2011
Teste de Filosofia do 11º ano de escolaridade em Portugal.

 

Eis um modelo de teste de filosofia para o 11º ano de escolaridade para o final do primeiro período letivo, que me agrada bastante.

 

 

 

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

 

 

I

 

« As impressões podem dividir-se em duas categorias: as de sensação e as de reflexão. A primeira categoria surge originariamente na alma, a partir de causas desconhecidas. A segunda é, em grande parte derivada das nossas ideias, na seguinte ordem: primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão, a mente tira uma cópia…» David Hume (Tratado do Entendimento Humano)

 

 

 

1) É a teoria de David Hume um realismo gnosiológico? Ou outra corrente? Justifique, explicando, em particular, a expressão «a partir de causas desconhecidas».

 

 

 

2) Explique o que são as ideias, segundo David Hume, como se formam – em particular as ideias de “eu” e “substância”.

 

 

 

3) Exponha e problematize as sete relações filosóficas ou de conhecimento segundo Hume e o papel que desempenham.

 

 

 

4) Exponha os quatro passos do racionalismo de Descartes, que celebrizaram este filósofo, iniciados na dúvida hiperbólica, apontando alguma eventual incoerência..

 

 

 

5)Relacione, justificando:

 

A) Conhecimento por contato e conhecimento proposicional, segundo Ryle e Russel, e racionalismo/ empirismo.

 

B) Indução, por um lado, e falácias depois de por causa de, da composição e da derrapagem, por outro lado.

 

C) Lei do salto qualitativo e binómio percepção empírica/conceito.

 

 

 

6)Considere o silogismo :

 

«Alguns cubenses não são andaluzes».

 

«Os cubanos não são cubenses ».

 

«Os andaluzes não são cubanos».

 

 

A)Identifique o modo e a figura do silogismo. Justifique.

 

 

B)     Identifique e enuncie, em concreto, duas leis do silogismo regular formalmente válido que foram infringidas no silogismo acima.

 

 

 

 

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA. 20 VALORES)

 

1) A teoria de David Hume não é um realismo gnosiológico porque não postula existir um mundo de objetos materiais fora da nossa mente. Ou é  um idealismo similar ao de Kant e pioneiro em relação a este, uma vez que afirma que os objetos materiais como árvores, montanhas, animais, etc, são meras representações  em nós, de «causas desconhecidas» exteriores. Ou é  um ceticismo fenomenológico na linha de Pírron e Carnéades que se limita a descrever as aparências fazendo a epochê (suspensão do juízo) .

 

2) As ideias, segundo Hume, são junto com as impressões, as duas espécies de perceções que o espírito humano forma. Toda a ideia deriva de uma impressão, seja esta uma impressão sensível - exemplo: a ideia de maçã é uma cópia pálida das impressões sensíveis que são o objeto maçã, objeto esse não exterior ao espírito - ou seja uma impressão de reflexão- exemplo: a ideia de Deus é composta na base de impressões de reflexão e ideias como as de governante supremo, ser bondoso, criador, ser justo. Há ideias complexas e ideias simples. David Hume é um empirista:

«Não podemos formar uma ideia exata do gosto de um ananás, antes de realmente o saborearmos» (David Hume, Tratado do Entendimento Humano, pag 33, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

«As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias; mas, como se supõe que as primeiras ideias derivaram de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem.» (David Hume, ibid, pag 35).

 

As ideias de "substância" e de "eu" derivam da ideia filosófica ou categoria de identidade, que supõe a permanência, a continuidade, e da relação filosófica de causação (determinismo, princípio segundo o qual as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos), entre outras. Não existe a substância, como por exemplo, maçã: a cor amarela, a forma redonda, o pedúnculo, o sabor açucarado são impressões sensíveis que se conjugam e, combinadas pela imaginação, fornecem a noção unitária ou ideia de substância maçã.

 

3)  David Hume escreveu:

     «Há sete espécies diferentes de relação filosófica: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Podem dividir-se estas relações em duas classes: as que dependem inteiramente das ideias que comparamos entre si e as que podem variar sem qualquer mudança de ideias.» (David Hume, Tratado do Entendimento, Humano, pag 103).

      

Estas sete relações são categorias ou estruturas lógico-ontológicas que, diferentemente do realismo aristotélico, se situam na mente do sujeito, no espírito humano. Se não possuíssemos em nós, a priori, a relação de semelhança não conseguiríamos perceber que um pinheiro e um sobreiro são coisas semelhantes enquanto espécies do género árvore. Se não possuíssemos em nós a relação de tempo não distinguiríamos entre o ontem, o hoje e o amanhã. As três relações mais estáveis, segundo Hume são as de identidade, tempo e lugar e causação.

 

 

4) Os quatros passos gnosiológicos que celebrizaram Descartes a partir da dúvida hiperbólica são os seguintes:

 

1º CETICISMO ABSOLUTO - Se quando estou a dormir me parecem verdadeiros os meus sonhos, quem me garante que, acordado, não estarei a sonhar? Assim tudo se me afigura duvidoso, ilusório: o mundo que vejo, os outros, as teorias da matemática e das ciências, Deus, o meu corpo e eu mesmo.. Não tenho certeza de nada.

2º  IDEALISMO MONISTA E SOLIPSISTA - Neste mar de dúvidas, surge-me a primeira certeza, uma ideia evidente: «Eu penso, logo existo» (COGITO ERGO SUM). Existo, como mente, não como corpo. Assim, sou único e sou tudo.

IDEALISMO PLURALISTA - Se existo e tenho a perfeição de pensar, há-de existir alguém mais perfeito que eu que me colocou essa perfeição: Deus, um espírito sumamente bom e perfeito, fonte da criação.

4º  REALISMO CRÍTICO-  Se Deus existe e é infinitamente bom e verdadeiro, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e toco: assim, embora as cores, sons, cheiros, sabores, sensações de duro e mole, de calor e frio, não existam nos objetos fora de mim mas apenas no meu cérebro, há, fora de mim, um mundo de matéria indeterminada dotado de corpos extensos com as respetivas formas e tamanhos, números e movimentos. 

 

A problematização destes argumentos oferece múltiplas vias. Eis uma delas: se Deus é o garante da verdade por que razão admite que nos enganemos sobre cores, cheiros, sons, dureza dos objetos mas não nos deixa enganar sobre as formas, os tamanhos e os movimentos? Eis outra: como sei que só possuo um certo grau de perfeição e não a perfeição toda, a ponto de remeter o que me falta para a existência de um Deus criador?

 

5) a) O conhecimento por contato, segundo Ryle e Russell, é o conhecimento direto das coisas, por via sensorial - exemplo: conheço a ponte sobre o rio Guadiana ao olhá-la, junto dela, e ao atravessá-la -  e parece articular-se com empirismo, doutrina segundo a qual as nossas ideias são provenientes, direta ou indiretamente, das perceções sensoriais. O conhecimento proposicional - definição algo ambígua, porque há conhecimento proposicional por contato; exemplo: «Estou a ver a água do rio a correr, límpida...» - articular-se-ia com o o racionalismo, corrente segundo a qual as nossas ideias são provenientes na totalidade ou em grande parte da razão, do raciocínio, mas também se articularia com o empirismo como se vê no exemplo que acabo de dar.

 

B) As três falácias referidas representam formas de indução pouco sólida, isto é, partem de um ou vários dados empíricos e generalizam: a falácia depois de, por causa de, que associa com caráter determinista, de vículo necessário dois acontecimentos vizinhos por casualidade (exemplo: vi um gato preto e duas horas depois perdi o porta moedas, uma semana depois voltei a ver um gato preto e horas depois bateram-me no automóvel, ver um gato preto dá-me azar); a falácia de composição atribui ao todo uma qualidade da parte (exemplo: Luisão, jogador do Benfica, é muito alto, logo toda a equipa de futebol do Benfica é feita de jogadores muito altos); a falácia da derrapagem encadeia sucessivamente ideias que vão perdendo gradualmente o encadeamento lógico-material entre si, o que é visível na conclusão (exemplo: vou a Madrid e visito a Puerta del Sol; na Puerta del Sol, encontro uma dinamarquesa loira a quem falo; a dinamarquesa leva-me a uma discoteca e vai comigo para o hotel; no hotel entramos na sala do bar e há um apagão geral em Madrid; logo, se vou a Madrid há um apagão elétrico geral).

 

5) c)  A lei do salto qualitativo  estabelece que uma acumulação lenta e gradual de um aspeto num fenómeno ou ente gera, num dado instante, um salto de qualidade desse fenómeno ou ente. Vou acumulando percepções empíricas de pinheiros, faias, sobreiros, isto é, imagens visuais de árvores e em seguida dá-se o salto qualitativo - a imagem presente nos sentidos é substituída por uma imagem intelectual- forma-se em mim o conceito ou representação abstrata de árvore. 

 

6) a) Modo do silogismo (classificação deste com as letras A,E,I,O segundo a qualidade e a quantidade em cada uma das 3 proposições que o compõem): OEE. E significa proposição universal negativa e O significa proposição particular negativa.

        Figura do silogismo (classificação deste segundo a posição do termo médio nas premissas, como sujeito ou predicado): primeira figura.

 

6) B) De duas premissas negativas nada se pode concluir.         

A conclusão segue sempre a parte mais fraca: havendo uma premissa particular («Alguns cubenses...») a conclusão deverá ser particular e não universal como sucede («Os andaluzes não são...»).

 

 

 

 

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Domingo, 25 de Setembro de 2011
John Locke: as duas fontes das nossas ideias

John Locke (29 de Agosto de 1632- 28 de Outubro de 1704), filósofo inglês liberal, salientou que há duas fontes do conhecimento: os sentidos, que nos dão a percepção dos objectos externos, e a reflexão ou percepção interna das operações da razão. Os sentidos são a única fonte material do conhecimento, os fornecedores da "matéria-prima", isto é, das formas, cores, sons, densidade, impenetrabilidade, etc, dos objectos exteriores. Escreveu:

 

«3. Em primeiro lugar, os nossos sentidos, no comércio com objectos sensíveis particulares, introduzem na mente várias percepções distintas de coisas, consoante os diversos modos segundo aos quais esses objectos os afectam. E, assim, chegamos a possuir essas ideias que temos do amarelo, do branco, do quente, do frio, do mole, do duro, do amargo, do doce, e de todas aquelas que chamamos qualidades sensíveis. E quando digo que os sentidos as introduzem na mente, quero significar que eles transmitem, dos objectos exteriores para a mente, aquilo que nela produz aquelas percepções. Chamo SENSAÇÂO a esta grande fonte da maior parte das ideias que temos, posto que estas dependem totalmente dos nossos sentidos e por eles são comunicados ao entendimento. »

 

 

«4. Em segundo lugar, a outra fonte a partir da qual a experiência provê de ideias o entendimento é a percepção das operações interiores da nossa própria mente enquanto se debruça sobre as ideias que recebeu. Essas operações, quando a alma sobre elas reflecte e as considera, abastecem o entendimento de uma outra série de ideias que não se poderiam receber das coisas exteriores. Tais são as de percepção, pensar, duvidar, acreditar, raciocinar, querer e de todas as diversas acções do nosso próprio espírito, as quais - pouco delas temos consciência e as podemos observar em nós mesmas - recebemos no nosso entendimento tão distintamente como as que temos os corpos que impressionam os nossos sentidos. Todo o homem possui totalmente em si mesmo essa fonte de ideias e, ainda que ela não seja um sentido por nada ter que ver com objectos externos, assemelha-se-lhe muito, todavia, e pode com propriedade ser chamada sentido interno. Mas como à outra fonte de ideias chamo sensação, a esta denomino REFLEXÃO, porque por seu intermédio a mente só recebe as ideias que adquire ao reflectir sobre as próprias operações internas. (...) Estas duas fontes, isto é as coisas externas materiais, como objectos da SENSAÇÂO, e as operações internas da nossa mente, como objectos da REFLEXÃO, são, para mim, os únicos princípios de onde todas as nossas ideias originariamente procedem. (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, volume I, pag 107`-108, Fundação Calouste Gulbenkian; a colocação do negrito é obra minha).

 

 

Há que meditar neste texto para acabar com a ideia apressada e errónea de que os empiristas entendem que todo o conhecimento é proveniente dos sentidos externos. Nesta passagem, Locke, adopta, aparentemente, a posição realista que afirma os sentidos como receptores de estímulos dos objectos materiais exteriores à mente. A sua posição parece, à primeira vista, diferente da de David Hume, uma vez que fala das «coisas externas materiais», ao passo que Hume é idealista, nega a matéria em si mesma, independente das mentes humanas.

 

 

 

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Quinta-feira, 25 de Agosto de 2011
Hume: nem todas as ideias derivam formalmente das impressões sensoriais

 

No «Tratado da Natureza humana», David Hume expôs a sua tese empirista fundamental de que  todas as nossas ideias derivam das impressões sensoriais. Frisou, no entanto, que há excepções, o que esbate ou anula, em certa medida, a tese emprirista primitiva de que «nada está no intelecto que não tenha estado previamente nos sentidos». Hume escreveu:

 

«Imaginemos pois uma pessoa que durante trinta anos gozou da visão e se familiarizou perfeitamente com todas as espécies de cores , excepto, por exemplo, uma determinada cambiante de azul que o acaso jamais lhe proporcionou encontrar. Coloque-se diante dessa pessoa todas as cambiantes da referida cor, com excepção de tal cambiante, numa transição gradual, em ordem descendente da mais escura para a mais clara; é evidente que notará uma lacuna onde falta essa cambiante e sentirá que existe nesse lugar maior distância entre as corescontíguas do que em qualquer outro. E agora pergunto se será possível essa pessoa, usando a sua imaginação, suprir essa deficiência para alcançar a ideia dessa cambiante que os seus sentidos jamais lhe transmitiram? Julgo que poucas pessoas serão de opinião que não é possível e isto pode servir de prova de que as ideias simples nem sempre derivam das impressões correspondentes; contudo, o caso é tão particular e tão singular que quase não vale a pena notá-lo e não merece que, só por causa dele, modifiquemos a nossa máxima geral».

 

«Mas, além desta excepção, talvez não seja descabido notar aqui que o princípio da prioridade das impressões sobre as ideias deve entender-se com outra limitação, a saber: que assim como as nossas ideias são imagens das nossas impressões, assim também podemos formar ideias secundárias que são imagens das ideias primárias, conforme resulta deste mesmo raciocínio a respeito delas. Falando com propriedade, isto não é tanto uma excepção à regra como a sua explicação. As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias; mas, como se supõe que as primeiras ideias derivam de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem.»

 

  (David Hume, Tratado da natureza humana, pag 34-35, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrita é por mim colocada).

 

 

Se considerarmos que as ideias de pai, juíz e imperador absoluto são ideias primárias, podemos supor que a ideia de Deus, um ser espiritual regente do universo, todo poderoso e apto a julgar os actos dos homens, é uma ideia secundária que se formou, na imaginação, pela combinação daquelas três ideias primárias.

 

 

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Domingo, 8 de Maio de 2011
A equívoca divisão realismo-empirismo-racionalismo em Gaston Bachelard

Gaston Bachelard (1884-1962), sem embargo da sua grande erudição, procedeu a uma arrumação não dialéctica, algo confusa, das correntes gnoseológicas. Não é um pensador de síntese, dialéctico, por excelência. E quantos pensadores deste tipo dialéctico de excelência passaram pelas cátedras universitárias? Um número ínfimo. Quase todos os filósofos, e mais ainda os catedráticos de filosofia, cometem erros de classificação das doutrinas.

 

Sobre a noção de massa, Bachelard estruturou a seguinte divisão: realismo ingénuo, empirismo claro e positivista, racionalismo clássico da mecânica racional, racionalismo completo (relatividade), racionalismo discursivo

A respeito da noção de energia, criou a seguinte divisão pentádica: realismo ingénuo, empirismo claro e positivista, racionalismo clássico de macânica racional, racionalismo completo (relatividade), racionalismo discursivo.

 

Bachelard escreveu sobre esta divisão:

 

«Com efeito, não vemos como se poderiam dispor de forma diferente as filosofias que tomamos por base. As numerosas tentativas de modificação que levámos a cabo falharam todas a partir do momento em que as referimos a um conhecimento particular. Tentámos assim o nosso método de dispersão na base realismo-racionalismo-empirismo claro. » (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, páginas 64-65; a letra negrito é colocada por mim)

 

O defeito desta divisão em Bachelard está em misturar espécies do género ontologia (realismo) com espécies do género gnosiologia (empirismo, racionalismo). Há uma sobreposição de géneros extrínsecos entre si. Bachelard confunde realismo com realismo natural ou ingénuo e chama racionalismo ao realismo crítico/ racionalista, à fenomenologia e ao idealismo crítico que são correntes ontológicas.

 

O REALISMO NÂO SE PODE DIALECTIZAR?

Bachelard escreveu:

 

«Com efeito, segundo pensamos a dialectização de uma noção prova o carácter racional dessa noção. Um realismo não se pode dialectizar. Se a noção de sunstância se pode dialectizar, teremos a prova de que ela pode funcionar verdadeiramente como uma categoria.» (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, páginas 73; a letra negrita é colocada por mim).

 

Bachelard confunde realismo com descritivismo naturalista. Confunde o ontológico com o gnoseológico, a matéria com a forma. Por que razão "um realismo não se pode dialectizar", isto é, dividir em forças opostas entre si, experiência e razão? Há dialéctica na realidade em si mesma, no realismo, ou seja mundo real de matéria exterior às mentes humanas: a luta e o movimento dos contrários, a água contra o fogo, o electrão contra protão, a força gravítica versus força antigravítica são dialectização no interior da realidade. O realismo não exclui a realidade invisível à qual só a racionalidade tem acesso, como parece supor Bachelard. A esse realismo que exige a razão para construir o ultra-ojecto (exemplo: o protão e os quarks up e down em que se divide, supostamente) chama Bachelard, equivocamente, racionalismo, em vez de o denominar realismo racionalista ou crítico ou epistémico..

 

O KANTISMO CLÁSSICO OPÕE-SE AO RACIONALISMO DA TABELA PERIÓDICA DOS ELEMENTOS NA QUÍMICA?

 

Bachelard escreveu ainda sobre o racionalismo da química contemporânea e do seu insubstancialismo:

 

«Raciocina-se sobre uma substância química desde que se tenha estabelecido a sua fórmula desenvolvida. Vemos pois que a uma substância química está de ora em diante associado um verdadeiro númeno. Este númeno é complexo e reune várias funções. Seria rejeitado por um kantismo clássico; mas o não-kantismo, cujo (papel é o de dialectizar as funções do kantismo, pode aceitá-lo.» (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, página 83).

 

Não se percebe por que razão o conceito de substância expresso em número atómico ou número de massa seria rejeitado pelo kantismo clássico. Kant era racionalista: na sua doutrina, o entendimento impõe leis à sensibilidade, isto é, à natureza física. Se a tabela periódica dos elementos tivesse sido descoberta em vida de Kant, este poderia perfeitamente integrá-la na actividade do entendimento. A tabela é um conjunto de conceitos de recorte pitagórico. Bachelard parece ter sofrido deste mal geral das universidades que é a incompreensão global da ontognoseologia de Kant...

  

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