Sexta-feira, 1 de Abril de 2022
Fenomenismo e idealismo na filosofia inglesa

 

Ayer era, como Stuart Mill, um adepto do fenomenismo. E este, bebido em David Hume, não é senão idealismo ( os objectos físicos são ideias, criações mentais nossas que não passam disso mesmo) tal como em Kant que copiou Hume em alguns aspectos essenciais.

«No sentido em que é compatível com o realismo ingénuo a teoria causal é compatível também com o fenomenismo, isto é, com a tese de que os objectos físicos são construções lógicas de dados sensoriais..

(A.J. Ayer, O Problema do Conhecimento, Editora Ulisseia, pág. 98; o destaque a negrito é posto por mim).

Quanto à impropriamente designada teoria causal esta é um realismo crítico (os objectos físicos estão fora de nós mas não têm algumas ou todas as cores, não produzem sons, não são quentes nem frios, etc, isto é, as suas aparência enganam). 



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Segunda-feira, 28 de Outubro de 2019
Teste de filosofia 11º ano (Outubro de 2019)

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMAS A e D

24 de Outubro de 2019. Professor: Francisco Queiroz

 

“.O espaço não é um conceito empírico extraído de experiências externas…O entendimento faz a síntese do diverso da intuição empírica e é condicionado, ao passo que a razão é incondicionada e produz antinomias» (Kant, Crítica da Razão Pura)

 

1) Explique estes pensamentos de Kant.

 

2) Explique, como e onde, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno MAÇÂ, e o conceito empírico de MAÇÃ.

3) Exponha os 4 passos gnosiológicos do raciocínio de Descartes, desde a dúvida hiperbólica à existência do mundo exterior.

 

4) Relacione:

A) As três RES em Descartes e os três tipos de ideias em Descartes.

B) Impressões de sensação, impressões de reflexão e ideias em David Hume.

C) Razão, Entendimento e Númenos em Kant.

D) Fenomenologia, cepticismo e metafísica.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) O espaço não é um conceito empírico, na doutrina de Kant, porque existe antes da experiência, antes da formação dos objectos físicos e do mundo destes. O entendimento, faculdade que pensa os fenómenos,  sintetiza sob a forma de conceitos os múltiplos dados empíricos que até ele ascendem. Exemplo: os milhares de imagens de rosas (fenómenos) são levados às categorias de pluralidade e unidade do entendimento e convertidos em um só conceito abstracto de rosa. O entendimento é condicionado pelos fenómenos da sensibilidade (casa, mar, barco, fogo, etc.), impõe-lhes leis de causa-efeito, realidade, etc. A razão é incondicionada, pois pensa livremente os númenos, objectos metafísicos de duvidosa existência, e produz antinomias tipo «Deus existe, Deus não existe». (VALE TRÊS VALORES).

 

2) Segundo a gnoseologia de Kant, o fenómeno maçã forma-se na sensibilidade, no espaço exterior ao meu corpo físico, do seguinte modo: de «fora» da sensibilidade, os númenos afectam esta fazendo nascer nela um caos de matéria (exemplo: madeira, ferro, areia, etc, em um magma) que as duas formas a priori da sensibilidade, o espaço (com figuras geométricas) e o tempo (com a duração, a sucessão e a simultaneidade) moldam, fazendo nascer um ou mais fenómenos de maçãO entendimento, com as categorias de unidade, pluralidade, necessidade, confere consistência ao objecto/fenómeno maçã. Não existe númeno maçã, esta é fenómeno na sua totalidade. O  conceito de maçã forma-se no entendimento, faculdade que pensa mas não sente, do seguinte modo: a imaginação, situada entre a sensibilidade e o entendimento, transporta desde aquela a este as imagens de maçã e as categorias do entendimento de pluralidade e unidade, realidade, recebem as diversas imagens e transformam-na numa só imagem abstracta, o conceito empírico de maçã. (VALE TRÊS VALORES)

 

   

3) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos:

 

1º Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »)

 

2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»)

 

3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).

 

4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios. (VALE TRÊS VALORES)

 

4) A) As três res ou substâncias primordiais em Descartes são: a res divina, Deus, espírito criador do universo, fonte das outras duas; a res cogitans ou pensamento humano sobre ciências, filosofia, senso comum, etc; a res extensa, isto é, a matéria, abstracta e indeterminada, constituída por comprimento, largura e altura dos corpos, destituída de cor, som, cheiro. Os três tipos de ideias são: inatas, que a mente humana já traz ao nascer e que são claras e distintas, como as ideias de "corpo", "alma", "triângulo", etc; adventícias, provenientes dos orgãos dos sentidos, ou seja percepções empíricas de formas, cores, sabores, em parte ilusórias  Há vários modos de relacionar umas e outras, por exemplo: a res divina equivale às ideias inatas, insusceptíveis de erro, como Deus; a res cogitans equivale às ideias factícias porque em muitas ciências e lendas entra a imaginação; a res extensa equivale às ideias adventícias porque estão designam figuras, cores, sons, etc.(VALE TRÊS VALORES).

 

4) B) Impressões de sensação são para Hume as percepções empíricas em acto. Exemplo: o mar que estou a ver, o calor que sinto agora, etc. Impressões de reflexão são impressões outrora sensoriais que conservamos na memória. Exemplo: a memória da sensação de frescura ao tomar banho de mar em Agosto. Ideias são cópias menos vivas das impressões, cópias desbotadas que a imaginação e a memória formam a partir de ambos estes tipos de impressões, as de sensação e as de reflexão. (VALE TRÊS VALORES).

 

4) C) A razão é a faculdade das ideias, pensa os númenos ou seres metafísicos incognoscíveis (Deus, mundo como totalidade infinita, alma imortal, etc.), está desligada da sensibilidade. O entendimento é a falculdade dos conceitos e dos juízos, pensa os fenómenos (trovoadas, montanhas, animais, mar, casas, etc.) que existem na sensibilidade e aos quais confere consistência, unidade, realidade, causalidade. (VALE DOIS VALORES)

 

4)D) Fenomenologia, como ontologia, é a teoria que descreve o mundo de matéria exterior ao corpo do sujeito sem garantir que esse mundo seja real, permanecendo na dúvida. Cepticismo é a corrente que afirma ser impossível conhecer a realidade além dos sentidos ou qualquer realidade. A fenomenologia é parcialmente céptica quanto à realidade da matéria. Metafísica é o campo das ideias e supostas realidades que transcendem o mundo físico, a experiência palpável dos sentidos: Deus, reencarnação, multiverso, etc. (VALE TRÊS VALORES)

 

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Sábado, 26 de Outubro de 2019
Ortega explica Herbart: synecologia e eidolologia

 

José Ortega e Gasset, (9 de Maio de 1883, Madrid; 18 de Outubro de 1955) o grande filósofo espanhol do século XX, émulo de Heidegger e, a nosso ver, superior a este, expôs em síntese as ideias do filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (Oldenburgo, 4 de Maio de 1776 - Goettingen, 11 de Agosto de 1841) o fundador da pedagogia como disciplina acadêmica. A metafísica, segundo Herbart, implicaria ou apresentaria quatro aspectos: metodologia, ontologia, synecologia e eidolologia.

 

Escreve Ortega, resumindo Herbart:

 

c) SYNECOLOGÍA

 

«A metafísica é "um movimento em forma de arco", que partindo da aparência, que é um problema, vai procurar a realidade absoluta, que é um princípio, e achado este torna a explicar aquela. A ontologia conduz aos problemas do mundo aparente: o espaço, o tempo, a matéria, o movimento que Herbart estuda como formas particulares de um problema geral: a continuidade. De aqui o nome de Synecologia.» (...).

«Todo esse mundo que resulta da metafísica é - dizíamos - uma "aparência objectiva", uma imagem firme, científica, mas, ao fim e ao cabo, uma imagem. Do que seja imagem, já o vimos; mas como "toda a aparência alude a um ser", é forçoso achar quem é o Ser em que a aparência surge, quem é o sujeito que imagina. Conclui, pois, a metafísica com a teoria da aparência ou imagem como tal (Eidolologia) que serve de fundamento e trânsito para a psicologia.»

 

d) EIDOLOLOGIA

 

«Toda a imagem apresenta-se como uma dupla referência: de um lado apresenta o imaginado; do outro, declara-se a si mesma como pertencendo a um eu. O mundo da aparência objectiva é um mundo de representações de um eu. Com isto damos com um daqueles temas contradictórios que a experiência iniludivelmente nos coloca. Não posso representar algo sem atribuir ao meu eu, como uma propriedade e parte dele, essa representação. Não obstante o meu eu aparece-me como uma unidade frente às muitas representações que o constituem. (...)»

«O eu é um Real que está em comércio e concorrência com outros Reais: às perturbações com que estes o ameaçam responde com actos de conseração de si mesmo, e estes são a génese das representações, propriamente as sensações, reações elementares da alma. A sua multidão, variedade, as suas idas e vindas, dependem das séries de Reais com quem entre ou deixe de entrar em concorrência».

 

(José Ortega y Gasset, Obras completas, Tomo I, 1902/1915, Penguin Random House e Fundación Ortega y Gasset, Sabadell, Barcelona, 2017, pp. 693-694; o destaque a negrito é posto por nós).

 

Na Grécia Antiga, eidolon (plural: eidola or eidolons) é uma imagem espiritual de uma pessoa viva ou morta, uma sombra ou fantasma com forma humana. Os prisioneiros da caverna descrita na alegoria da caverna de Platão viam na parede de fundo da caverna eidola, sombras da realidade que se desenrolava nas suas costas. No meu «Dicionário de Filosofia e Ontologia» plasmei o conceito de eidologia ( eidos, na teoria de Aristóteles, signifca essência ou forma comum a muitas entidades) como designando a ciência das essências incluída na ontologia:

 

«B) Por sua vez, a metafísica subdivide-se em duas áreas: teologia ou metafísica teológica e eidologia protológica ou teoria das essências principiais, excluindo divindades,»

(Francisco Limpo Queiroz, «Dicionário de Filosofia e Ontologia, Dialética e Equívocos dos Filósofos», Edições Colibri, Lisboa, 2017, pag.127).

 

É óbvio que eidolologia como ciência das imagens e eidologia como ciência das essências se opõem do mesmo modo que a sensação se opõe ao conceito e a doxa (opinião baseada na aparência) se opõe à episteme (ciência demonstrativa, operando sobre essências). A menos que se considere, como no fluxismo sensista, a essência como imagem efémera ab-rogada ou alterada a cada instante.

 

Note-se uma diferença entre a visão de David Hume e a de Johann Friedrich Herbart sobre o eu: para Hume, o eu não existe, há apenas um fluxo de sensações mutáveis a cada momento; para Herbart, como para Ortega, o eu existe em mutação devido à multiplicidade das representações. 

 

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Sexta-feira, 21 de Julho de 2017
O idealismo é contra a auto-certeza imediata do eu? Um equívoco de Hessen

 

Johannes Hessen sustenta, erroneamente, que o idealismo não tem a intuição imediata do eu e afirma que esta está inerente ao realismo volitivo que derrotaria o idealismo. Escreveu:

 

«Frente ao idealismo, que pretendera fazer do homem um puro ser intelectual, o realismo volitivo chama a atenção sobre o lado volitivo do homem e sublinha que o homem é, em primeiro lugar, um ser de vontade e de ação. Quando o homem, no seu querer e desejar, tropeça com resistências, vive nestas, de um modo imediato, a realidade.»

 

«A nossa convicção da realidade do mundo exterior não descansa, pois, num raciocínio lógico, mas sim numa vivência imediata, numa experiência da vontade. Com isto, fica, com efeito, superado o idealismo.»

«Mas o idealismo fracassa também no problema da existência do nosso eu, da qual estamos certos por uma auto-intuição imediata. (...) Todo o idealismo fracassa, necessariamente, contra esta auto-certeza imediata do eu».

 

(Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Arménio Amado- Editor Sucessor, Coimbra, 7ª edição, 1978, página 112; o bold é posto por nós).

 

Hessen fala como se fosse a vontade, mola do realismo volitivo, o orgão apreensor do eu. Mas a vontade é cega, funciona nos dois sentidos: tanto no sentido intuitivo, como no sentido contra-intuitivo, racional, tanto pode aperceber-se do eu como não se aperceber. Hessen está redondamente equivocado: todo o idealismo material parte do primado do eu que se descobre intuitivamente a si mesmo. A tese «ser é ser percebido» de George Berkeley é tanto intelectual como sensorial, isto é, o idealismo não é puramente intelectual: o mundo é o conjunto das percepções sensoriais formadas no meu eu e este apreende-se intuitivamente. Tanto Descartes (idealista provisório no início, realista crítico no final) como George Berkeley como Emanuel Kant partem do eu mental e espiritual como primeira certeza, anterior ao mundo dos objectos que é considerado como um aglomerado de sensações tácteis, visuais, olfactivas, sem autonomia própria. Kant fala na apercepção pura ou transcendental como base de todo o conhecimento, isto é, de um eu originário anterior à matéria não passando esta  de representação, imagem, sensação. Só o idealismo de David Hume, fundador longínquo da filosofia analítica,   coloca em dúvida a existência do eu afirmando que somos apenas um fluxo contínuo de percepções e ideias sem um substrato permanente. Dizer que o idealismo em geral não tem a intuição imediata do eu é um erro monumental.

 

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Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2016
Teste de Filosofia do 11º ano, turma C (Fevereiro de 2016)

 

 Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. .

 

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C

1 de Fevereiro de 2016. Professor: Francisco Queiroz“.

 I

"As categorias são conceitos que prescrevem leis a priori aos fenómenos e, portanto, à natureza como conjunto de todos os fenómenos…O entendimento reduz à unidade o diverso das intuições empíricas.» (Kant, Crítica da Razão Pura)

 

1) Explique estes pensamentos de Kant.

2) Explique, como, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno MONTANHA, o conceito empírico de MONTANHA e o juízo a priori «Seis mais seis é igual a doze»

 

3) Relacione, justificando:

A) As sete relações filosóficas em David Hume e as formas a priori da sensibilidade e do entendimento na teoria de Kant.

B) O ser em Parménides e o ser em Hegel.

C) Ontologia de Descartes (as três res) e realismo crítico em Descartes.

D) Três tipos de conhecimento, segundo Bertrand Russel, e lei da tríade.

E) As ideias de «eu», «alma» e «substância» em David Hume, racionalismo e empirismo.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) As categorias (unidade, pluralidade, totalidade, realidade, causa-efeito) existem no entendimento, são conceitos a priori, formais, e impõem leis, ordem aos fenómenos da natureza existentes na sensibilidade, segundo Kant. Por exemplo,  a categoria de realidade permite distinguir se estamos acordados ou a sonhar e, por isso, impõe que um automobilista guie bem o seu veículo sem o despistar, segundo leis de causa-efeito da condução. (VALE DOIS VALORES) O entendimento, com as  suas categorias, em especial a de unidade, transforma em uma imagem mental única, o conceito empírico (de rosa, por exemplo) os milhares de imagens (intuições empíricas vindas da sensibilidade; no caso, os milhares de rosas que vemos e produzimos no espaço a priori) (VALE DOIS VALORES).

 

B) O númeno afecta «do exterior» a sensibilidade e cria, nesta, um caos de matéria (madeira, terra, ferro, etc). Este caos é moldado pelo espaço que nele imprime figuras geométricas e pelo tempo que lhe confere duração, sucessão. Assim nasce o fenómeno montanha, na sensibilidade «externa», isto é, no espaço. O entendimento intervém na medida em que confere à montanha o carácter de substância, de divisibilidade (em partes: tufos de ervas, rochas, árvores, encostasm etc). São enviadas ao entendimento imagens de diferentes fenómenos montanha - com ou sem árvores, etc - e as categorias ou conceitos puros do entendimento como pluralidade, unidade e realidade misturam e tratam essas imagens empíricas transformando-as num só conceito empírico, o de montanha, abstraindo dos pormenores das montanhas particulares. O juízo a priori seis mais seis igual a doze forma-se do seguinte modo: as intuições puras de números seis e doze existem no tempo, isto é na sensibilidade a priori, são apresentadas às categorias de unidade, pluralidade e totalidade do entendimento e estas geram o dito juízo matemático a priori.(VALE QUATRO VALORES).

 

3) A) As sete relações filosóficas em David Hume são as estruturas a priori do espírito humano, as estruturas da tábua rasa, por assim dizer, e são as seguintes: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. É fácil ver que correspondem, de um modo geral, em Kant,  às formas a priori, da sensibilidade (espaço e tempo) e do entendimento (os conceitos a priori de unidade,pluralidade, totalidade; realidade, limitação, negaçao; substância e acidente, causa-efeito, comunidade; possibilidade-impossibilidade, necessidade-contingência) : a relação de causação em Hume equivale às categorias de causa-efeito e de necessidade em Kant;  as relações de espaço e tempo, em Hume, equivalem ao espaço e tempo puros que são as formas a priori da sensibilidade em Kant, etc (VALE DOIS VALORES).

 

3-B) Segundo Parménides de Eleia, a via da verdade, racional, estabelece que o ser é uno, imóvel, imutável, esférico, invisível, imperceptível, eterno, que não foi nem será porque é eternamente o mesmo e diz que «ser e pensar são um e o mesmo». A interpretação realista desta última frase é: o pensamento é idêntico ao ser, é espelho do ser material (realismo é doutrina que sustenta que o mundo de matéria é real em si mesmo). A interpretação idealista da mesma frase é: o ser é pensamento, nada existe fora da ideia absoluta que é o ser, e o mundo de matéria, com a mudança das estações do ano, o nascimento e a morte não passa de ilusão. A doutrina de Hegel define o ser como a ideia absoluta, o pensamento criador, extra humano, que está no princípio de tudo mas, ao contrário de Parménides, devém, coloca-se em movimento. Este ser desdobra-se em três fases, segundo a lei da tríade: fase lógica, Deus sozinho antes de criar o universo o espaço e o tempo (é a tese ou afirmação, o primeiro momento da tríade); fase da natureza, na qual Deus se aliena ou separa de si mesmo ao transformar-se em espaço, tempo, astros, pedras, montanhas, rios, plantas e deixa de pensar (é a antítese ou negação, o segundo momento da tríade); fase da humanidade ou do espírito, em que a ideia absoluta/Deus emerge com a aparição da espécie humana, que é Deus encarnado evoluindo em direção a si mesmo, por sucessivas formas de estado, desde o despótico mundo oriental até ao mundo cristão da Reforma protestante onde todos os homens são livres (é a síntese ou negação da negação) (VALE TRÊS VALORES).

 

3.C) A ontologia ou teoria do ser em Descartes é a seguinte: o ser principial é Deus-espírito (res divina) e o ser derivado é duplo, res cogitans ou pensamento humano e res extensa ou extensão, isto é, o comprimento, largura e altura dos corpos materiais exclunido o peso, a cor, o som, o grau de dureza, etc. Isto, em especial a res extensa, liga-se ao Realismo crítico que é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE TRÊS VALORES). 

 

3-D)  Os três tipos de conhecimento segundo Bertrand Russell são: o saber-fazer, que é um conhecimento empírico-técnico, como andar de bicicleta, nadar, jogar futebol; o conhecimento por contacto, isto é, empírico directo, como ver uma planície alentejana, ouvir uma música dos Bubedanas, saborear gaspacho; o conhecimento proposicional, isto é, racional ou empírico-racional, como por exemplo, «A soma dos três ângulos internos de um triângulo é 180º», «Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986». contrariando muitas vezes as percepções empíricas. A lei da tríade diz que um processo dialético se divide em três fases: a tese ou afirmação (neste caso pode ser o saber fazer, ausência de raciocínio) a antítese ou negação (neste caso pode ser o conhecimento proposicional, o máximo de raciocínio) e a síntese ou negação da negação (neste caso seria o conhecimento por contacto que mistura o empírico-instintivo da tese ao racional da antítese)(VALE DOIS VALORES)

 

3-E) As ideias de «eu», «alma» e «substância» são geradas pela imaginação e a memória que inventam a persistência, a continuidade dos objectos físicos ou psíquicos. Isto pode ser considerado  empirismo radical, doutrina segundo a qual as percepções empíricas são a fonte das nossas ideias e estas copiam aquelas e não se pode ir além da percepção sensorial imediata. Mas também pode ser considerado racionalismo, doutrina segundo a qual o raciocínio é a fonte principal dos nossos conhecimentos, marginalizando ou mesmo contrariando as percepções empíricas, porque a razão está a negar a evidência intuitiva de que «sou um eu», «tenho uma alma ou psique», «a substância X ou Y existe» (VALE DOIS VALORES).

 

 

 

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Sábado, 13 de Junho de 2015
Imprecisões de Alfred Ayer sobre o Fenomenismo

 

 Alfred Julius Ayer, um dos grandes filósofos analíticos do século XX, escreveu:

 

   «Mas seja qual for a posição de Berkeley o fenomenista não nega que há objectos físicos. O que afirma é que se os há são constituídos por dados sensoriais. Se há alguns é uma questão de facto empírico, para ele indiferente. Basta-lhe que possa haver objectos físicos; o seu problema é então analisar as proposições que se lhes referem.» ( A. J. Ayer, O problema do conhecimento, Editora Ulisseia, Lisboa- Rio de Janeiro, pag 99; o destaque a negrito é por mim colocado.)

 

Há aqui uma contradição nos termos: segundo Ayer para o fenomenista há objectos físicos, ou seja extrasensoriais, porque a matéria é, em si mesma, extrasensorial, real, mas «são constituídos por dados semsoriais». Assim os objectos físicos existiram só sensorialmente, isto é, não existiriam em si mesmos ... Isto é uma incoerência. O raciocínio de Ayer assume a seguinte forma, violando o princípio da não contradição porque o mesmo objecto não pode ser em simultâneo e no mesmo aspecto físico e não físico:

«Segundo o fenomenista, há objectos físicos, isto é objectos materiais além dos sentidos.

Mas o objecto físico é apenas um conjunto de dados sensoriais.

Logo, o mundo físico da matéria é meramente sensorial, interior ao campo dos sentidos.»

 

David Hume, fenomenista, disse que apenas podemos chegar à certeza última que é o movimento dos corpos-ideias mas não podemos ter a certeza de que há objectos físicos além da percepção e do pensamento (cepticismo):

 

«Podemos pois concluir que o movimento pode ser, e de facto é, a causa do pensamento e da percepção...» Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 296)

«A ideia de movimento supõe necessariamente a de corpo movente. Ora qual é a nossa ideia de corpo movente, sem a qual o movimento é incompreensível? Deve reduzir-se à ideia de extensão ou de solidez, e por conseguinte a realidade do movimento depende da realidade destas outras qualidades. » (Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 274).

«A razão não nos dá e é impossível que alguma vez nos dê, em qualquer hipótese, qualquer convicção da existência contínua e distinta dos corpos. Esta opinião tem de se atribuir inteiramente à imaginação, que passa a ser o objecto da nossa investigação ».(Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 238; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Hume admite a realidade do movimento e das ideias de solidez e extensão. Mas não afirma a existência da solidez e da extensão, isto é, da matéria em si mesma. Logo, Hume nega que haja objecto físicos.

 

«Todas as percepções do espírito são de duas espécies, a saber, impressões e ideias, as quais diferem entre si apenas nos diferentes graus de força e vivacidade. As ideias são copiadas das impressões e representam-nas em todas as suas partes. Quando queremos fazer variar de qualquer modo a ideia de um objecto particular podemos apenas aumentar-lhe ou diminuir-lhe a força e a vivacidade. Se operarmos nela qualquer outra mudança, representa um objecto ou impressão diferente.» Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag.132).

 

Hume distingue entre objecto e percepção, sempre indissociáveis:  o objecto é sempre uma crença, uma espécie de númeno (coisa incognoscível, ontologicamente duvidosa) ou uma ideia complexa ou simples, resultante da associação, mistura ou reestruturação de percepções operada pela imaginação. Portanto o fenomenista Hume nega a existência de objectos físicos, ao contrário do que sustenta Ayer. Hume é um idealista ou oscila entre o cepticismo e o idealismo, a cada passo é um ou outro.

 

 

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Quarta-feira, 14 de Maio de 2014
Equívocos no manual «Novos contextos, Filosofia 11º ano», da Porto Editora (Crítica de Manuais Escolares- LXIV)

 

 

Vários equívocos matizam o manual do professor Novos contextos, Filosofia 11º ano, de José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares,  da Porto Editora.

 

 

OS JUÍZOS A PRIORI SÃO SEMPRE UNIVERSAIS E NECESSÁRIOS?

 

Sobre juízos a priori lê-se no manual:

 

«Juízos cuja verdade pode ser conhecida independentemente de qualquer experiência, tendo, portanto, origem no pensamento ou na razão.»

 

CARACTERIZAÇÃO

«Estes juízos são universais - no sentido em que não admitem qualquer excepção, sendo verdadeiros sempre e em toda a parte - e necessários - são verdadeiros em quaisquer circunstâncias, e negá-los implicaria entrar em contradição. »

 (José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares,  Novos contextos, Filosofia 11º ano, Porto Editora, pág. 142.

 

Esta definição, válida na filosofia de Kant, não tem rigor em toda a extensão do panorama filosófico. O juízo a priori de um psicopata que está prestes a cometer o primeiro assassinato é do seguinte teor: «Matar uma pessoa indefesa e desprevenida é bom, vai fortalecer o meu ego». Podemos dizer que este juízo é universal e necessário? Não, porque só se aplica ao universo dos psicopatas. A maioria das pessoas formula um juízo a priori - ou a posteriori - oposto:« Se eu matasse alguém indefeso sentir-me-ia muito mal».  Por conseguinte, muitos juízos a priori não são universais e necessários.

 

O PIRRONISMO É UM CEPTICISMO RADICAL, COMO O DE DESCARTES? HUME CRÊ NO MUNDO EXTERIOR?

 

Escreve o manual:

 

«Hume afasta-se do ceticismo radical ou pirrónico. Se duvidássemos de tudo, se abandonássemos a crença na realidade do mundo exterior e no princípio da causalidade (mesmo que este não tenha um valor objectivo), cairíamos numa hesitação constante e a vida prática tornava-se insuportável. »

(José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares,  Novos contextos, Filosofia 11º ano, Porto Editora, pág. 175).

 

«Distinguimos o cepticismo absoluto ou radical do cepticismo mitigado ou moderado. Pirro de Élis terá sido o fundador do primeiro. Para ele, é impossível qualquer conhecimento.»

(José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares,  Novos contextos, Filosofia 11º ano, Porto Editora, pág. 179).

 

Não consta que Pirron perfilhasse um cepticismo radical, eliminador de todas as certezas. Os cépticos clássicos não duvidam dos dados dos sentidos mas sim das extrapolações, das inferências da razão e da imaginação. Escreve Rodolfo Mondolfo:

 

«Os primeiros cépticos, PIRRÓN e TIMÓN, colocam três problemas capitais para o sábio: qual é a natureza das coisas; que atitude devemos assumir face a elas; que resultará de essa atitude. À primeira questão respondem (desenvolvendo motivos do relativismo de Heráclito e Protágoras): nós só conhecemos o que sentimos; podemos afirmar o fenómeno tal como nos aparece, por exemplo, que o mel nos parece doce, mas não que tal seja o ser em si. E por isso, a resposta à segunda questão é que devemos reconhecer e seguir os fenómenos, mas suspender o juízo sobre o que está oculto (a coisa em si); desta maneira temos no fenómeno o critério necessário para a conduta prática, sem presumir possuir o inalcançável critério da verdade objectiva.» (Rodolfo Mondolfo, Breve Historia del pensamiento antiguo, Editorial Losada, Buenos Aires, 1953, pág. 75)

 

Ora. Hume era, sem dúvida, um céptico pirrónico oscilando para o idealismo; às vezes, era um idealista. O fenomenismo de Hume não é senão um pirronismo do século XVIII, amadurecido e complexificado, com reflexões vindas do budismo, do nominalismo medieval, do idealismo de Berkeley.  

 

Quanto à afirmação do manual de que Hume não abandonou a crença no mundo exterior é falsa. Vejamos o que diz Hume:

 

«Não temos ideias perfeitas de nada senão de percepções. Uma substância é inteiramente diferente de uma percepção. Não temos pois nenhuma ideia de substância.(...) Nada parece necessário para servir de suporte à existência de uma percepção.»

 

(David Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág 280).

 

As percepções flutuam sozinhas, por si mesmas. Não assentam em corpos materiais exteriores. Portanto, Hume descrê do mundo exterior, ao contrário do que diz o manual.

 

A REALIDADE NÃO É VERDADE?

 

Alguma nebulosidade existe na distinção entre verdade e realidade neste manual onde se lê:

 

« Na maioria das vezes o conceito de "realidade" surge como sinónimo de "verdade" ,mas trata-se de conceitos distintos, embora estreitamente relacionados. Num certo sentido, a realidade surge como algo que, independentemente do sujeito, está aí para ser conhecido.»

(José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares,  Novos contextos, Filosofia 11º ano, Porto Editora, pág. 263).

 

Realidade e verdade são conceitos distintos, embora ligados intimamente? Em certo sentido, sim, quando verdade é aletheia, desocultação, movimento em direcção à realidade. Mas em outro sentido, não, porque se fundem e são o mesmo, a realidade é verdade objectiva, verdade extra humana.

 

 

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Sexta-feira, 2 de Maio de 2014
Equívocos no manual «Cogito, Filosofia 11ºano» da Asa (Crítica de Manuais Escolares- LX)

 

 

Vários equívocos caracterizam o livro do professor Cogito, Filosofia 11º ano, de Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão, da Asa.

 

DESASTRE EM PERGUNTAS DE ESCOLHA MÚLTIPLA

 

O manual comporta várias questões de escolha múltipla mal concebidas. Vejamos exemplos:

 

«Para cada uma das questões que se seguem, indique a única resposta correcta.

 

«1. De acordo com a definição tradicional de conhecimento proposicional, uma crença é conhecimento:

a. se for verdadeira.

b. só se derivar da experiência.

c. só se for verdadeira

d. se derivar da experiência.»

(Cogito, Filosofia 11º ano, Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,  Asa, pág. 181)

 

Segundo os autores do manual a única resposta certa é a 1-c.(Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

Crítica minha: há duas respostas certas, 1-a e 1-c. A palavra «só» da hipótese c é redundante. Como se pode negar que a resposta a está correcta? Só por miopia, ultra-detalhismo deformante...

 

Eis outra questão da ficha informativa da página 181 do manual:

 

«2. O conhecimento a priori:

a. tem de basear-se na experiência

b. pode não se basear na experiência.

c.  resulta de ideias inatas.

d.  não pode basear-se na experiência.»

(Cogito, Filosofia 11º ano, Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,  Asa, pág. 181)

 

Segundo os autores do manual a única resposta certa é a 2-b.(Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

Crítica minha:  Há duas respostas certas ,  c e d, e uma semi certa,  b. De facto, o conhecimento a priori resulta de ideias inatas, anteriores à experiência, e, como tal não pode basear-se na experiência. Custa a crer como os autores se equivocam e equivocam os alunos de forma tão grosseira...

 

Vejamos outro exemplo:

 

«4. De acordo com o falibilismo, uma crença justificada:

a. baseia-se na experiência.

b. pode ser falsa.

c. não pode ser falsa

d. baseia-se na intuição racional.»

 

(Cogito, Filosofia 11º ano, Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,  Asa, pág. 181)

 

Segundo os autores do manual a única resposta certa é 4-c.(Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

Crítica minha: a resposta correcta é b, e não c como assevera o manual. Senão vejamos: a teoria de Popper sobre as ciências é falibilista, isto é, admite que qualquer tese ou crença justificada das ciências empíricas - como por exemplo: «a molécula de água é composta por dois átomos de hidrogénio e um átomo de oxigénio», «o efeito Doppler, a deslocação da luz para o vermelho prova que o universo está a expandir-se» - pode ser falsa, ou sendo verdadeira, apresentar falhas, excepções significativas às regras..

 

Outro exemplo:

 

«2. Para dar uma explicação científica de um fenómeno é preciso:

a. referir uma previsão útil. que melhore a vida da humanidade.

b. indicar a lei geral dentro da qual o fenómeno não podia deixar de ocorrer, considerando as condições iniciais verificáveis.

c. descrever uma regularidade observável, em termos muito exactos.

d. subsumir o fenómeno numa lei geral muito precisa e informativa, que apenas permite explicar outras ocorrências do mesmo fenómeno.»

 

(Cogito, Filosofia 11º ano, Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,  Asa, pág. 248).

 

b.(Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

Crítica minha: há três respostas certas, b,c,d. As respostas b e d são praticamente indistinguíveis. Com que direito e racionalidade opta o manual por excluir a d? A resposta c também está certa porque «descrever uma regularidade observável» é esboçar ou formular uma explicação científica. Exemplo: ainda que não se saiba bem o que é um OVNI, várias aparições de objectos deste tipo nos céus possibilitam descrever certo tipo de comportamentos físicos e electromagnéticos, com regularidades.

 

 

Com este tipo de questões, de resposta errónea ou equívoca, os alunos ficam sujeitos à pura arbitrariedade, o que é desastroso para a justiça na avaliação de conhecimentos e para a imagem da filosofia como disciplina prestigiada e ensinável.

 

A EXISTÊNCIA DO EU É UMA QUESTÃO DE FACTO PARA HUME?

 

Nas páginas que se referem à teoria de David Hume o manual propõe como actividade:

 

1. "Eu existo" é uma relação de ideias ou uma questão de facto?»

 

E dá a seguinte resposta:

«1. Uma questão de facto. Ao afirmar a minha existência, estou a afirmar a existência de uma entidade concreta. Além disso, eu poderia não ter existido: negar a proposição não leva a uma contradição.»

(Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,Cogito, Filosofia 11º ano,   Asa, pág. 153).

 

Crítica minha: Ao contrário do teor desta resposta, Hume considerava o "eu" uma relação de ideias, não um facto provado. Cito Hume:

 

«Mas o eu ou pessoa não é uma impressão, mas aquilo a que se supõe que as várias impressões têm referência. (...) Nunca consigo apanhar-me a mim próprio, em qualquer momento, sem uma percepção, e nada posso observar a não ser a percepção».

 

(David Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág 300).

 

Portanto, a existência do eu é indemonstrável, segundo Hume. É uma suposição pois os homens são fluxos de perceções em constante devir:

 

 

«... Atrevo-me a afirmar do resto dos homens que cada um deles não passa de um feixe ou colecção de diferentes percepções que se sucedem umas às outras com inconcebível rapidez e que estão em perpétuo fluxo e movimento.» (David Hume, ibidem, pág 301).

 

Lembra a teoria budista dos dharma ( à letra: lei) ou qualidades existenciais de cada ser humano ( exemplo: percepção visual, percepção táctil, memória, inteligência, etc) que flutuam como átomos no espaço vazio e se juntam, por acaso, para produzir este ou aquele indivíduo concreto.

 

 

 

HUME ACEITA O REALISMO INDIRECTO OU REALISMO CRÍTICO?

 

 

Na ficha formativa da página 181 deste manual «Cogito» figura a seguinte questão:

 

«3. Leia o texto seguinte:

 

«Os realistas indirectos aceitam que a minha chávena de café existe independentemente de mim. Consideram, no entanto, que eu não tenho uma percepção directa desta chávena. O realismo indirecto afirma que a percepção envolve imagens mediadoras. Quando olhamos para um objecto não é esse objecto que vemos directamente, mas sim um intermediário perceptual. (...) Para o realista indirecto, a chávena de café na minha secretária causa a presença de um dado dos sentidos bidimensional: vermelho na minha mente, e é este objecto que eu percepciono directamente. Consequentemente, a chávena de café só é por mim percepcionada indirectamente, isto é, eu só a percepciono porque estou ciente do dado dos sentidos que a causou na minha mente.» (Dan O´Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento, Lisboa, Gradiva, 2013, pag 82).

 

3.1.  Será que Descartes defende o realismo indirecto? Porquê?

3.2   Será que Hume defende o realismo indirecto? Porquê? »

(Cogito, Filosofia 11º ano, de Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,  Asa, pág. 181)

 

As respostas que os autores dão são as seguintes:

 

«3.1.

Sim Descartes defende o realismo indirecto.

- Em seu entender, os objectos imediatos da percepção são ideias. Embora coloque a possibilidade céptica de as ideias sensíveis não serem representações de objectos físicos. Descartes argumenta que provando que Deus existe e não é um ser enganador, podemos ficar certos de que as nossas ideias sensíveis são, de facto, "imagens mediadoras"  de objectos físicos.

- Assim, através dessas ideias, percepcionamos realmente objectos físicos.»

(Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

3.2

«Hume aceita o realismo indirecto, mas não parece defendê-lo propriamente.

«- Acredita, sem dúvida, que os objectos imediatos da percepção são impressões e que estas são causadas por objectos físicos.

«- No entanto, julga ser impossível justificar esta crença. Pois, em seu entender, só podemos estabelecer relações causais a partir de conjunções constantes observadas. Mas, acrescenta, nunca podemos observar uma conjunção constante entre impressões e objectos físicos, pois só as primeiras podem ser directamente percepcionadas». (Paula Mateus, Pedro Galvão, Ricardo Santos e Teresa Cristovão,Guia do Professor, Cogito, 11º ano, pág 83).

 

Crítica minha:

3.1.

Descartes perfilha, sim, o realismo indirecto ou crítico. Os autores enganam-se ao dizer que «os objectos imediatos da percepção são ideias». É uma confusão: os objectos imediatos da percepção são as cadeiras, as nuvens, os corpos de animais ou de humanos, isto é, os corpos físicos, as ideias essas, são, sim, as percepções - refiro-me às ideias adventícias.

Os autores manifestam ignorância ao não distinguirem, na gnosiologia de Descartes, as qualidades primárias (forma, tamanho, movimento, número) existentes realmente nos objectos físicos e as qualidades secundárias (peso, dureza, cor, odor, som, prazer, dor, etc) que existem apenas dentro da mente e não nos objectos exteriores. Por isso quando dizem «Assim, através dessas ideias, percepcionamos realmente objectos físicos.» fica-se sem perceber de que tipo de ideias se trata em concreto, isto é, não se percebe como são os objectos físicos segundo Descartes: a rosa vermelha na visão (ideia adventícia) corresponde a uma rosa vermelha na realidade exterior? Vaguismo, nebulosidade do manual, incompreensão da ontognoseologia cartesiana... Eis uma amostra do saber dos que pontificam na universidade portuguesa actual e na Sociedade Portuguesa de Filosofia.

 

Crítica minha:

3.2.

 

A frase dos autores «Hume aceita o realismo indirecto, mas não parece defendê-lo propriamente» é confusa, incoerente. Hume não aceita o realismo, seja este directo, ingénuo, ou indirecto, crítico. É um erro grave dizer que Hume «acredita, sem dúvida, que os objectos imediatos da percepção são impressões e que estas são causadas por objectos físicos». Se assim fosse, Hume seria realista. Um dos pilares da doutrina idealista de Hume é, justamente, afirmar a impossibilidade de demonstrar que há um mundo físico real fora das nossas mentes. Logo, ao contrário do que diz o manual, Hume não acreditava que as impressões eram causadas por objectos físicos exteriores:

 

«Esta mesa que, neste momento, se me apresenta, é apenas uma percepção e todas as suas qualidades são qualidades de uma percepção. Ora a mais óbvia de todas as suas qualidades é a extensão». (David Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág 286).

 

«Não temos ideias perfeitas de nada senão das percepções. Uma substância é inteiramente diferente de uma percepção. Não temos, pois, nenhuma ideia de substância. A inerência a qualquer coisa é, segundo se supõe, necessária, como suporte das nossas percepções. Nada parece necessário para servir de suporte à existência de uma percepção.» (David Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág 280; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Ricardo Santos, Paula Mateus ou Pedro Galvão são doutorados? São. E são «especialistas em lógica proposicional»? Diz-se que sim. E de que lhes serve isso, se não são capazes de visualização ontológica das doutrinas de Descartes, Hume, Kant, etc, o que só uma lógica intuitiva, informal, dialética pode proporcionar? Note-se que, neste manual, por não dominarem a ontognosiologia,  os autores omitem a oposição frontal entre idealismo material e realismo material e, no seio deste, entre realismo ingénuo e realismo crítico, em particular na teoria de Descartes, evitam definir o idealismo de Kant, etc.

 

A filosofia analítica é uma filosofia menor, feita de cortes e sobreposições de conceitos, organizados em hierarquias mais ou menos disformes. As universidades oficiais são um viveiro de doutorados medianamente inteligentes que burocratizam a filosofia, isto é, a fazem decair rapidamente na vulgaridade e no lodo dos equívocos. As perguntas de escolha múltipla, tão em voga nos manuais e testes escolares de quase todos os docentes de filosofia do secundário, são um exemplo dessa burocratização e fraca qualidade de pensamento.

 

 

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Domingo, 20 de Janeiro de 2013
Mistakes about Phenomenalism and Idealism on «Metaphysics, the Key Concepts»

The British authors and teachers of Philosophy  Helen Beebee, Nikk Effingham and Philip Goff wrote in his book «Metaphysics»:

 

«Phenomenalism and idealism are closely related philosophical positions and basically amount to the view that the external world (and the familiar objects that populate it - trees, cars, bananas and so on) is really no more than a collection of sensations or experiences or sense data. As George Berkeley put it, "esse es percipi" or "to be is to be perceived". Phenomenalism and Idealism are both version of anti-realism(...); because on both views the existence and nature of the external world are mind-dependent (indeed the external world are mind-dependent (indeed the external world just is mental, it is just a collection of sensations).»(Helen Beebee, Nikk Effingham and PhilipGoff, Metaphysics, The Key Concepts, pages 162, Routledge, London and New York, 2011; the bold is put by me).

 

It is true that for idealism the external world just is mental but that is not a correct definition  for phenomenalism as a hole. Phenomenalism is not, necessarily, anti-realism. There can exist four versions of phenomenalism: idealistic (like Hume, Kant), realistic, phenomenological, skeptical. What is phenomenalism? It is empiricism: the view that we only know the phenomena, the objects as they appear to us, the data-sense, and that we can only infer, by metaphysical intuition, in a vague way, the nature of what is behind the phemonena (an unknown matter, as realism says; a spiritual world or nothing, as idealism sostains; something unknown, as skepticism).

 

Why was David Hume an idealistic phenomenalist?  Because he sostained that the permanence of the objects and their matter were ideas of our imagination, and not realities in themselves. However, no author of analitical philosophy classifies Hume as an idealist: they don´t have a clear vision of ontognosiology. Idealism is beyond empiricism, on the ontological plan. And Kant was also an idealistic phenomenalist: he maintaind that we only know the phenomena (for example: houses, dogs. cities, humans bodies), which are creations in our external mind (the space), and that the real objects are the the noumenon, metaphysical beings outside of space and time, that is, outside the sensibility of each person (noumenon : God, Soul, Freedom).

 

«Phenomenalists and idealists do not want to deny obvious facts such as the fact that my feet still exist when I am asleep, and the difference between them comes to exactly how they account for those facts. Idealism - the position advocated by Berkeley -  appeals to the existence of God: you might not feel your feet when you are asleep, but God is all-seeing, and he perceives your feet, thus ensuring their continued existence.»(...)

«Phenomenalism makes no such appeal to God. On the phenomenalist view an object is (as J.S.Mill put it) a "permanent possibility of sensation».

  (Helen Beebee, Nikk Effingham and Philip Goff , Metaphysics, The Key Concepts, pages 163, Routledge, London and New York, 2011)

 

It is an error to assure that « phenomenalists and idealists do not want to deny obvious facts such as the fact that my feet still exist when I am asleep». In fact, the phenomenalist David Hume has doubts about the existence of our feet when we are sleeping, since the notion of permanence resides in us, in our mind, and not in the problematic external world, including our body. Of course some idealists and phenomenalists guarantee the invariably permanence of our feet organically linked to body while sleeping,  but not all support this opinion.

 

Another error of this text above is to postulate that «Idealism - the position advocated by Berkeley -  appeals to the existence of God». Some kind of idealistic Buddhism holds that the world is illusion and there is only my spirit and need not conceive of God. Even Descartes, when formulating the reasoning «I think therefore I am», plunges into solipsistic idealism without needing the existence of God.

 

«The phenomenalist denies that there is any distinction between the way the world is and the way our experiences represents it as being.»(Helen Beebee, Nikk Effingham and Philip Goff , Metaphysics, The Key Concepts, pages 165, Routledge, London and New York, 2011).

 

This is a falsehood. All phenomenalists distinguish between the sensa-data, the way they perceive the problematic external world, and the partially or totally ignored constitution of these last. For example, Kant, a phenomenalist, distinguish between phenomena and noumenon, the unknown reality. Only the naive realism identify the content of the external world and the content of empirical perception of it.

 

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Segunda-feira, 19 de Março de 2012
Teste de filosofia do 11º ano de escolaridade em Portugal (final do 2º período)

 

Eis um teste de filosofia de 11º ano de escolaridade que trata com substancialidade e razão dialética a temática " O conhecimento e a racionalidade científico-tecnológica".

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

 

Março de 2012            Professor: Francisco Queiroz   

 

I

 

«Chamamos a estas faculdades entendimento e razão; esta última, sobretudo, distingue-se propriamente e, sobremodo, de todas as forças empiricamente condicionadas, porque examina os seus objetos segundo ideias, determinando, a partir daí o entendimento ».

 

 (Kant , Crítica da Razão Pura», pag. 471)

 

 

 

1-1) Explique a frase do texto acima.

 

1-2) Explique, segundo a gnosiologia de Kant, o que é e “onde” existe o númeno e onde e como se forma o fenómeno sobreiro.

 

1-3) Explique onde e como se forma o juízo empírico «os sobreiros estão na planície».

 

 

 

II

 

 

2) Relacione, justificando:

 

 

 

A)  Os quatro passos do percurso gnosiológico de Descartes desde a dúvida hiperbólica,  e ser em si e ser para si na teoria de Hegel.

 

B) Anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend e conjeturas na ciência em Popper.

 

C) Finalidade dos diversos tipos de movimentos dos entes no cosmos segundo Aristóteles e Vontade em Schopenhauer.

 

D)  Realismo crítico em Descartes e idealismo em David Hume.

 

E)  Verificacionismo/ Corroboracionismo segundo Karl Popper e o positivismo lógico e  causação /necessidade em David Hume.

 

F)  Ciências hermenêuticas/ Ciências empírico-formais, por um lado, e método hipotético-dedutivo, por outro lado.

  

 

 

 CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES)

 

 

1-1) A razão é a faculdade das ideias, conceitos metafísicos, incondicionados, e é a faculdade dos princípios: pensa os númenos e a estrutura do entendimento a priori. O entendimento é a faculdade dos conceitos, a priori (exemplo: número dois, unidade) ou a posteriori (exemplo: átomo, cão), e a faculdade dos juízos, puros ou empíricos: pensa os fenómenos mas não sente. O entendimento recebe os dados empíricos da sensibilidade, a razão não. As forças empíricamente condicionadas, isto é, sujeitas a leis da natureza ou do espírito são a sensibilidade com os fenómenos e o entendimento com as suas formas a priori, categorias e juízos puros. Estão, pois fora da razão que é incondicionada, livre. (VALE DOIS VALORES).

 

 

1-2) O númeno, objeto metafísico incognoscível, como Deus e mundo (como totalidade), está, em princípio, fora do espírito humano que se compõe de três níveis essenciais, a sensibilidade, o entendimento e a razão. O fenómeno está dentro da sensibilidade, no espaço ou sentido externo, no caso de fenómenos físicos como árvores, casas, rios. O fenómeno sobreiro forma-se deste modo: do exterior ao espírito, o númeno afeta a sensibilidade e cria nesta um caos de matéria, de intuições, a que o espaço e o tempo, como formas a priori da sensibilidade, vão dar forma e enquadramento temporal e assim surge o sobreiro. (VALE TRÊS VALORES)

 

 

1-3) O juízo empírico "os sobreiros estão na planície"  forma-se no entendimento do seguinte modo: em primeiro lugar, a imaginação reprodutora transporta para o entendimento as intuições empíricas de sobreiro e de planície que são transformadas em conceitos empíricos pelas categorias de unidade, pluralidade, realidade, etc. Estes conceitos acedem à tábua de juízos puros e aqui são unidos em forma de juízo afirmativo «S é P». (VALE DOIS VALORES).

 

 

2-A) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos: 1º Dúvida hiperbólica ( «Duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo uma vez que quando sonho tudo me parece real»); 2º Idealismo solipsista («Penso, logo existo» como mente); 3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe); 4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, existe fora de mim»). Podemos dizer que o segundo passo («Existe a minha mente») conjugado com o quarto passo («Existe o meu corpo e o mundo físico») formam o ser-para-si da doutrina de Hegel, que significa a humanidade, o homem, que é a Ideia absoluta voltando a si mesma. E o terceiro passo («Existe Deus») significa o ser em si, a Ideia absoluta antes de criar o universo. (VALE TRÊS VALORES).

 

2- B) O realismo crítico em Descartes é a doutrina segundo a qual existe um mundo de matéria real em si mesmo fora das mentes humanas destituído de qualidades secundárias (cores, sons, cheiros, sabores, calor, frio, prazer, dor), consistindo apenas em qualidades primárias ou geométricas. Assim, por as árvores não são duras nem moles, não têm cor, só têm qualidades primárias: figura, matéria impenetrável indeterminada, número, movimento. O idealismo de David Hume vai mais longe do que o idealismo parcelar de Descartes, uma vez que afirma que os objetos materiais são apenas ideias confirmáveis por impressões de sensação, isto é, existem na nossa perceção, mas não necessariamente no mundo exterior cujo conteúdo é incognoscível para nós. Hume insiste, ademais, na impermanência das coisas, no caráter fictício de substância, objeto permanente: é a nossa imaginação que atribui a continuidade a um mesmo objeto em tempos diferentes. (VALE DOIS VALORES)

 

2- C) No mundo sub-lunar de Aristóteles, a finalidade do movimento dos corpos, que nunca é circular, é o regresso à origem do seu constituinte fundamental: assim, a pedra lançada na esfera do ar cai em direção à esfera da Terra, que é a sua origem, porque as pedras integram a terra. No mundo celeste, estrelas e planetas giram em círculos agarrados às suas esferas de cristal com o objetivo de tentar alcançar Deus, o pensamento puro que está fora do universo e funciona como motor imóvel. A vontade em Schopenhauer é a força criadora do universo material e podemos, nesta complexa comparação com o universo de Aristóteles, identificá-la quer com as esferas do mundo sub-lunar, alvos do movimento dos corpos e de certo modo "criadoras" destes movimentos, quer com Deus, que não criou o mundo mas desperta o movimento das esferas celestes. (VALE DOIS VALORES)

 

2-D) O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend é a teoria segundo a qual o motivo de haver ciências universitárias proeminentes que excluem ciências antigas (medicina natural, astrologia, etc) ou práticas religiosas e mágicas é o interesse egoísta dos "cientistas" e académicos e industriais do setor em auferirem de prestígio e grandes financiamentos por parte dos Estados e a visão filosófica deficiente desses cientistas e académicos. Assim, o anarquismo de Feyerabend defende a pluralidade de métodos e a improvisação ad hoc de novos métodos e exige que todas as ciências e rituais não científicos de comprovada utilidade sejam postos em plano de igualdade e sujeitas a testes, a controlos, que eliminem a ideologia dominante. Popper, por sua vez, reconhece que todas as ciências de base empírica são conjuntos de conjeturas ou suposições mas aceita hierarquizá-las, provisoriamente, dizendo que são melhores as que resistiram aos testes de falsificabilidade, e não põe em causa a medicina oficial alopática, classifica a astrologia como "superstição" e afasta a acusação de «má intenção e abuso de poder» que Feyerabend faz aos círculos científicos e tecnocráticos dominantes hoje. (VALE DOIS VALORES)

 

2- E) O verificacionismo é, segundo Popper, impossível de comprovar porque estende, por indução amplificante, alguns casos empíricos (uma amostra) a todos os casos . Assim, verificacionismo e indução amplificante são sinónimos na perspetiva do positivismo lógico: por exemplo, observar 1000 pedaços de quartzo e constatar que em todos  há uma estrutura cristalina trigonal composta de tetraedros de sílica autoriza proclamar que em todo o quartzo existente no mundo há uma estrutura trigonal. Popper discorda desta indução amplificante e prefere dizer que o estudo dos 1000 pedaços de quartzo corroborou ou confirmou nesses casos e só nesses (corroboracionismo) a estrutura trigonal do quartzo, mas não verificou esta.

David Hume é um percursor de Popper ao teorizar que o princípio do determinismo, segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, denominado causação, não é real na natureza porque há muitas excepções ou porque é impossível verificar a totalidade dos casos da lei, mas é apenas uma construção da nossa mente, uma das sete relações filosóficas. (VALE DOIS VALORES)

 

2-F) As ciências hermenêuticas ou sociais são aquelas que não assentam num rigoroso determinismo, quantificável, mas sim em teses mais ou menos metafísicas, desdobrando-se em várias interpretações ( hermenêutica, arte da (boa) interpretação de textos e símbolos diversos) sobre um mesmo tema. A psicanálise, por exemplo, é uma dessas ciências: a hipótese de os meninos de 3 a 5 anos de idade sentirem o complexo de Édipo (desejo de matar ou afastar o pai e casar com a mãe) não se verifica em todas as sociedades, segundo Margaret Mead, logo não é universalmente induzível. De um modo geral, estas ciências hermenêuticas não utilizam o método hipotético-dedutivo que comporta quatro fases: a observação, a hipótese (e sua matematização numa fórmula), a dedução da fórmula (para casos concretos) e a experimentação. Ao contrário, às ciências empírico-formais, isto é, construções racionais matematizadas a partir de uma infinidade de dados sensoriais, aplica-se perfeitamente o método hipotético-dedutivo.  (VALE DOIS VALORES)

 

 

Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los.

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 19:03
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