O termo «eduquês», algo ambíguo, entrou há cerca de uma década no vocabulário pedagógico em Portugal, ao que parece pela voz de Marçal Grilo. Designa, segundo parece, a corrente construtivista libertária na pedagogia que, por exemplo, A.S.Neil encarnava: é mais importante o aluno aprender por si mesmo, a heurística, a forma livre do captar e conceber algo, do que o conteúdo deste algo, do que a substancialidade do conhecimento. Nuno Crato, professor universitário de matemática, caracterizou assim o eduquês:
«A corrente tem uma interpretação pós-moderna pois sublinha a intervenção, a interpretação e o processo, não os factos, os currículos, os conteúdos e os resultados educativos. Descrê da objectividade, da capacidade de apreender a realidade e da possibilidade de o conhecimento científico chegar a conclusões, ainda que questionáveis e possivelmente provisórias. Aí se encontra a raiz do desprezo pelos conteúdos científicos e processos cognitivos, a par da arrogância construtivista, que imagina os alunos capazes de criticar e construir conhecimentos a partir do nada. A corrente tem uma inspiração romântica, não por propagar ideias lunáticas e atoleimadas - que, muitas vezes, são de facto, lunáticas e atoleimadas - mas porque se enquadra num movimento filosófico e pedagógico anti-racionalista que tem Jean Jacques-Rosseau (1712-1778) e outros como precursores.» ( Nuno Crato, O eduquês em discurso directo, uma crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva 2006; http://www.filedu.com/ncratoeduques.pdf).
Um dos pressupostos do «eduquês» é sacudir a carga histórica memorizadora do saber e permitir a "descoberta virginal" da verdade pelos alunos. Saber centrado no aluno, respeitador da sua autonomia, portanto...
Assim, os teóricos portugueses do eduquês no campo da filosofia - entre outros, o núcleo de professores universitários e liceais que impulsiona a revista "crítica na rede" - sustentam (alguns já perceberam a inconsistência da sua posição) que dar aulas de filosofia interpretando textos de Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Descartes, Hegel, Heidegger, etc, registando os conceitos e raciocínios destes filósofos consagrados é «fazer história da filosofia» mas não, filosofar.
Confundem o continente(exemplo: o diálogo "Sofista" ou o "Fédon" de Platão) com o conteúdo (exemplo: a ideia filosófica de que "o ser, o movimento, o repouso, o mesmo e o outro são os géneros supremos"). Imaginemos que, em pleno século XXI, um aluno que nunca tivesse lido Platão chegava por si mesmo à conclusão de que há cinco géneros supremos - o ser, o movimento, o repouso, o mesmo e o outro.
«Isso sim, é filosofar!» - exclamariam os construtivistas do "eduquês". Mas outro aluno, que lesse esses cinco géneros no "Sofista" de Platão e questionasse a sua natureza, ou os aceitasse, "não estaria a filosofar", segundo aqueles teóricos, pois cometeu o pecado de ler um documento histórico "fossilizado", contaminado pela "autoridade" de Platão O filosofar seria, pois, o acto construtor de um raciocínio ou série de raciocínios mas não o momento final deste acto, a apreensão de uma dada essência, de uma ideia, uma tese....Basta que outro a tenha pensado antes para já "não ser filosofia" mas sim ... "história da filosofia".
É ridícula esta confusão entre a ideia e o raciocínio filosóficos, por um lado, e a chancela do tempo ou contexto histórico em que surge, por outro. Por este deficiente modo de pensar, estudar a tabela periódica dos elementos não seria estudar química mas sim história da química e por aí adiante...
Não deixa de ser engraçado ver artífices da "crítica na rede" (Desidério Murcho, Aires Almeida, Pedro Galvão, etc) disparar flechas de crítica contra o "eduquês" quando eles mesmos, pela separação artificial que fazem entre filosofia e história da filosofia e pela supervalorização da lógica proposicional que promovem ,são militantes e impulsionadores desse mesmo eduquês, romanticamente superficial e populista.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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