Domingo, 5 de Fevereiro de 2012
Valerie Solanas: «o homem é uma fêmea incompleta, um ser egocêntrico incapaz de amar»

 

Valerie Solanas (9 de Abril de 1936, Ventnor, New Jersey- 25 de Abril de 1988, São Francisco) foi uma escritora norte-americana, feminista radical, que teorizou a superioridade genética, psicofísica e intelectual, da mulher face ao homem. Celebrizou-se por ferir a tiro Andy Wharol, em 3 de Junho de 1968, a quem acusava de a controlar demais e de roubar o seu trabalho. Ela foi, de certo modo, a "extrema-esquerda" do feminismo, atacando «a sociedade norte-americana, totalitária e demagógica» no dizer de Joëlle Gazharian. No «Manifesto da Scum», sigla - Scum quer dizer «Escumalha»- de Society for Cutting-Up Men (Associação para destroçar os Homens), escreveu:

 

«O homem é um acidente biológico. O gene Y (masculino) é um gene X (feminino) incompleto, quer dizer, é um conjunto imperfeito de cromossomas. Por outras palavras, o homem é uma fêmea incompleta, um aborto com pernas, falhado na fase do gene. Ser homem é ser deficiente, emocionalmente limitado; a masculinidade é uma doença e os homens são seres emocionalmente estropiados.»

«O homem é um ser egocêntrico, fechado em si próprio, incapaz de desenvolver afinidades, de se identificar com os outros, de amar, de sentir amizade, afeição ou ternura. É uma célula completamente isolada incapaz de se relacionar.» (Valerie Solanas, Manifesto da Scum, página 7, Fenda; o destaque a negrito é posto por mim).

 

«A inabilidade para se relacionar com os outros, ou com as coisas, torna a vida do homem tão falha de sentido e tão insípida (o princípio fundamental do pensamento masculino é que a vida é absurda) que ele inventou a filosofia e a religião. Sem nada dentro de si, olha para o exterior, não apenas para orientação e controle, mas também para salvalção e sentido para a vida. Na impossibilidade de ser feliz nesta terra, criou o Céu.» (Manifesto da Scum, pag 19; o destaque a negrito é posto por mim).

 

«O segredo mais profundo de todos os homens é o medo de se vir a descobrir que ele não é uma mulher, mas sim um homem, um ser sub-humano.» (ibid, pag 27)

 

«A DESCONFIANÇA - Incapaz de desenvolver afinidades ou sentimentos de afeição ou lealdade, vivendo exclusivamente para si próprio, o homem não tem o sentido da honestidade; de forma cobarde, necessita constantemente de "engraxar" a mulher para conseguir a sua aprovação sem a qual não é ninguém; sempre no fio da navalha, temendo que sejam descobertas a sua animalidade, a sua masculinidade, sempre a encobrir, sempre a mentir; vazio, o homem não tem honra nem integridade; não conhece o significado destas palavras. Em resumo, o homem é traiçoeiro, e a única atitude apropriada, numa "sociedade" masculina, é o cinismo e a desconfiança.»

 

«A FEALDADE - Dominado totalmente pelo sexo, incapaz de reagir de forma cerebral ou estética, materialista e ambicioso, o homem para além de impor ao mundo a sua "Grande Arte", também criou cidades sem paisagem, com edifícios feios (por dentro e por fora), decorações feias, painéis publicitários, auto-estradas, carros, camiões de lixo e, acima de tudo, a sua pútrida pessoa.» (VS, ibid, pag 28; o destaque a negrito é posto por mim).

 

«ÓDIO E VIOLÊNCIA - O homem é roído pela tensão, pela frustração de não ser mulher, de nunca conseguir alcançar satisfação ou prazer; é devorado pelo ódio, não um ódio racional dirigido a quem calunia ou insulta, mas um ódio indiscriminado e irracional, um ódio, no fundo, à sua própria e inútil pessoa.»

«A violência gratuita, para além de demonstrar que ele é um "Homem", serve como tubo de escape para o seu ódio; considerando que o homem reage apenas de forma sexual e que tem necessidade de estímulos realmente fortes para excitar a sua natureza meio morta, a violência gratuita dá-lhe oportunidade para uma pequena sensação sexual» (VS, ibid, 28-29).

 

O PROJETO DE SOCIEDADE DOMINADA PELAS MULHERES E O COMBATE ÀS MENINAS DO PAPÁ

 

O projeto ideológico de Valerie Solanas é o de uma sociedade igualitária para as mulheres em que os homens são uma casta subserviente, inferior. E, como é habitual na dialética revolucionária, identifica, no campo dos oprimidos, um segmento colaboracionista com os opressores, o segmento das meninas do Papá. Paradoxalmente, ou não, as SCUM, mulheres que enfrentam a «escumalha masculina» assumem-se como egoístas e violentas para impor a sua ditadura:

 

«Numa sociedade sadia, o homem trotaria obedientemente atrás da mulher. O homem é dócil, conduz-se facilmente e facilmente se submete ao domínio de uma mulher que o queira dominar. O homem, na realidade, deseja desesperadamente ser conduzido pelas mulheres, quer que a Mamã assuma a responsabilidade, quer entregar-se aos seus cuidados. Mas esta não é uma sociedade sadia e a maioria das mulheres não tem a menor ideia do ponto em que está em relação aos homens.»

«O conflito, portanto, não é entre mulheres e homens, mas entre as SCUM - mulheres dominantes, seguras, confiantes, terríveis, violentas, egoístas, independentes, orgulhosas, aventureiras, desembaraçadas, arrogantes, que se consideram prontas a governar o universo, que soltaram as suas amarras para fora dos limites desta "sociedade" e estão prontas a deixar-se ir para além do que ela tem para oferecer - e as meninas do Papá, amáveis, passivas, "cultas", educadas, dignas, subjugadas, dependentes, receosas, cabeças no ar, inseguras, carentes de aprovação, que não conseguem enfrentar o desconhecido, que querem continuar agarradas aos macacos, que só se sentem seguras com o Papá ao lado, com um homem grande e forte para se encostarem, que precisam de um rosto gordo e peludo na Casa Branca, que são demasiado cobardes para enfrentar a medonha realidade que um homem é, que o Papá é,  que partilham com os porcos o seu destino, que se adaptaram ao animalismo, sentindo-se superficialmente bem e não conhecem outra forma de "vida", que rebaixaram as mentes, pensamentos e opiniões ao nível masculino, que com falta de percepção, imaginação e humor, apenas conseguem ser valorizadas numa "sociedade" masculina, que só conseguem um lugar ao sol, ou melhor, no lodo, como afagadoras e impulsionadoras do ego masculino, como embaladoras e procriadoras, que são rejeitadas como inconsequentes pelas outras mulheres, que projetam as suas deficiências, a sua masculinidade, em todas as mulheres e as vêem como vermes

«Mas a SCUM está demasiado impaciente para esperar pela deslavagem ao cérebro de milhões de caras de cú.»

 

(Valerie Solanas, ibid, pag 33; o destaque a negrito é posto por mim).

 

O ANTI TRABALHO E A ELIMINAÇÃO DOS HOMENS QUE RESISTAM ÀS MULHERES DA SCUM

 

O antitrabalho na sociedade industrial, capitalista privada (EUA, Canadá, Grã-Bretanha, etc) ou capitalista de estado (URSS, RDA até 1989, China Popular, etc) , tema dos internacionais situacionistas, anarquistas clássicos e hippies, é preconizado por Valerie Solanas. A finalidade é destruir o sistema do trabalho-dinheiro o que implicará a automatização total da produção de bens:

 

«A SCUM tornar-se-á membro dos grupos antitrabalho, dos grupos do arrebenta; arranjarão os mais variados empregos e porão em prática o antitrabalho. Por exemplo, as vendedoras da SCUM não aceitarão o pagamento das mercadorias; as operadoras telefónicas não exigirão o pagamento das chamadas; as trabalhadoras SCUM de escritórios e fábricas, para além de foderem o trabalho, destruirão secretamente o equipamento. A SCUM fará anti trabalho até ser despedida; depois arranjará um novo emprego onde prosseguirá o antitrabalho».

«As SCUM forçarão  os condutores de autocarro, taxistas e vendedores de bilhetes de Metro a abandonar os seus postos; de seguida conduzirão os autocarros e táxis e distribuirão gratuitamente os bilhetes ao público.» (...)

 

 

Mas onde o projeto anarco-feminista de Valerie Solanas adquire uma configuração que se poderia classificar de ginocrático-fascista, um reino de Amazonas implacáveis, transparece nestas passagens marcadamente utópicas que falam da aliança entre os gays, que enfraquecem o campo masculino, e as lésbicas da SCUM. Isso implicaria, decerto, um genocídio na forma de androcídio:

 

«A SCUM intrometer-se-á entre os casais mistos (homem-mulher) prendendo-os

«A SCUM liquidará todos os homens que não façam parte do Auxiliar Masculino da SCUM. Os homens do Auxiliar Masculino são aqueles homens que trabalham diligentemente para a própria eliminação, homens que, independentemente dos seus motivos, fazem o bem; homens que são camaradas da SCUM. Exemplos de homens do Auxiliar Masculino: homens que matam homens; biólogos que trabalham em  programas construtivos e não em prol da guerra biológica; jornalistas, escritores, editores que disseminam e promovem ideias conduzindo à realização dos objetivos da SCUM; bichas que, com o seu estilo flamejante, encorajam outros homens a desmasculinizarem-se e a tornarem-se assim relativamente inofensivos; homens que dão coisas: dinheiro, serviços; homens que contam as coisas como elas são (até agora nunca nenhum o fez) que se mostram corretos com as mulheres, que revelam a verdade àcerca de si próprios, que dão às desmioladas mulheres-homem frases corretas para elas papaguearem, que lhes dizem que o objetivo principal na vida de uma mulher devia ser esborrachar o sexo masculino (para ajudar os homens nesta diligência, a SCUM organizará Sessões do Cagalhão, nas quais todos os homens presentes farão um discurso que começa assim: «Eu sou um cagalhão, um vil e ajeto cagalhão», elaborando depois uma lista de todos os pontos em que o são.»(VS, ibid, pag. 34-35; o destaque a negrito é posto por mim).

 

E no seu terrível diagnóstico social escreve:

 

«Todas as mulheres têm em maior ou menor grau um sinal de loucura, mas isso resulta de uma longa vivência entre os homens. Eliminem-se os homens e as mulheres hão-de recuperar a forma. As mulheres têm possibilidades de melhorar, os homens não; é o comportamento destes que pode melhorar. Quando a SCUM lhes apertar os calos, eles hão-de entrar rapidamente na ordem.»

 (Valerie Solanas, ibid,pag. 36).

«A SCUM pretende destruir o sistema, não pretende alcançar alguns direitos dentro do sistema. A SCUM sempre egoisticamente e de cabeça fria, evitará ser detida e condenada. A SCUM agirá sempre de forma furtiva, dissimulada e clandestinamente (no entanto,os assassinatos das SCUM serão sempre reconhecidos).»

«Os assassinatos e destruições serão seletivos. A SCUM opõe-se aos tumultos desorientados, sem discernimento, sem objetivos claros, em que muitos dos próprios apoiantes são apanhados. » (VS, ibid, pag 38). 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 23:16
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Janeiro 2024
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


posts recentes

Valerie Solanas: «o homem...

arquivos

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Agosto 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

tags

todas as tags

favoritos

Teste de filosofia do 11º...

Suicídios de pilotos de a...

David Icke: a sexualidade...

links
blogs SAPO
subscrever feeds