Heidegger escreveu:
«Ontológico significa levar a cabo a reunião do ente com a sua entidade. Ontológica é aquela essência que, segundo a sua natureza, se encontra em esta história desde o momento em que a suporta segundo o desocultamento do ente de cada momento. De acordo com isto, podemos dizer que a consciência é consciência ôntica na sua representação imediata do ente. Para ela, o ente é o objecto. Mas a representação do objecto representa, de maneira impensada,o objecto enquanto objecto. Já reuniu o objecto na sua objectividade e por isso é consciência ontológica. Mas como não pensa a objectividade como tal e sem embargo, já a representa, a consciência natural é ontológica, e sem embargo, ainda não o é. Dizemos que a consciência ôntica é pré-ontológica. Enquanto tal, a consciência natural ôntico-préontológica é, em estado latente, a diferença entre o onticamente verdadeiro e a verdade ontológica.» (Martin Heidegger, Caminos de Bosque, pag. 134, Alianza Editorial; o negrito é colocado por mim).
Este texto de Heidegger merece algumas reservas na sua claridade. Por que razão «a consciência natural é ontológica, e sem embargo, ainda não o é»? Heidegger sabe-o, sem dúvida, mas poderia precisar que a consciência natural é ontológica na sua constituição, mas ôntica no seu conteúdo, na sua função representativa. O ontológico é o verdadeiro profundo por desocultar, o objectivo, o fenómeno (no sentido heideggeriano) oculto sobre as aparências, o alicerce da casa.
O ôntico é o verdadeiro aparente. Exemplo: «Onticamente, a febre é um mal porque causa mal-estar térmico, suores, etc, e onticamente é verdadeiro que os medicamentos antipiréticos baixam e fazem desaparecer a febre; ontologicamente, a um nível mais profundo, a febre é bem, porque é um mecanismo de expulsão de toxinas, sais de ácido úrico, colesterol, através de suores, sebo, urinas carregadas, etc, e, portanto, um esforço libertador da doença, e os medicamentos antipiréticos são maus porque bloqueiam a febre, acção vital de defesa do organismo.»
Na acepção de Heidegger, entidade significa o ser: a entidade do ente é o ser. Mas haveria que distinguir o ser na sua dupla vertente de qualidade de existir e de estrutura ou essência geral unificada de todos os entes. São coisas distintas, ainda que indissociáveis.
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
1. Sou curioso e crítico, por natureza. Li explicações sobre o que significa ôntico e ontológico, a partir do pensamento Heideggeriano e achei essas explicações excelentes, por facilitarem o entendimento de um tema tão abstrato.
2. Como um estudioso, iniciante, da obra de Heidegger, concluí, com base nas suas explicações, existirem dois horizontes ontológicos diversos, mas complementares entre si.
3. O PRIMEIRO HORIZONTE ONTOLÓGICO seria o horizonte infinito de possibilidades para se determinar a natureza do Ser. Podemos investigar a natureza do Ser, por meio de diversos expedientes de reflexão consciente. Exemplo. Quero saber como está o clima (objeto de investigação).
4. Utilizando seus exemplos, posso ligar a TV, o rádio, buscar a informação na Internet, no meu celular, ligar para um conhecido, um amigo etc.
5. Percebamos! Ainda não sabemos como o clima está. Apenas nos propuzemos a saber como o clima está e, ao nos propormos a saber como o clima está, se abrem para nós um horizonte de inúmeras possibilidades de investigação do objeto de investigação (saber como o clima está), que é o primeiro horizonte ontológico, a meu ver.
6. Quando se investiga a ontologia do Ser, aqui entendida como esforço deliberado e consciência na tentativa de traduzir o Ser em linguagem compreensível para a mente mortal surge o SEGUNDO HORIZONTE DE POSSIBILIDADES, mais complexo e abstrato que o primeiro horizonte de possibilidades tratado anteriormente.
7. O SEGUNDO HORIZONTE ONTOLÓGICO seria o horizonte infinito de possibilidades para se determinar o próprio Ser.
8. Ser é movimento. Ser é devir. Ser é algo inconstante que está na necessidade. Ser é algo inacabado. Ser é algo em evolução. Ser é algo sujeito a processo evolutivo. Ser é algo, em evolução, sujeito ao tempo e ao movimento.
9. Ser é algo que, constantemente, no tempo e no processo de evolução, muda do momento “A” para o momento “B”, para o momento “C” e, assim, infinitamente, nos momentos, infinitos, que compõem a cadeia temporal.
10. Ser é algo que, constantemente, está vindo a ser diferente daquilo que era a um segundo atrás.
11. A materialidade, ilusória, criada pela mente, não nos ajuda a fixar conceitos fugidios. Exemplo. Vejo um copo, com água, em cima da mesa. Passo horas olhando esse copo, fixamente, e nada acontece. O ente copo, a forma copo, o ente e a forma mesa, o ente e a forma água, dentro do copo, não mudam.
12. Contudo, em física quântica, demonstra-se em laboratório, que a energia da matéria do copo, da água e da mesa são trocadas, constantemente, quase que instantaneamente, o tempo todo, de forma que o constante é, apenas, o fluxo da energia que se renova como ocorre, por exemplo, no curso de um rio.
13. Assim, com base na ciência, pergunta-se por que então, a água não derrama, já que a matéria do copo é trocada o tempo todo?
14. Questões mais inquietantes são: POR QUE, APESAR DA TROCA DA MATÉRIA E DA ENERGIA, A MESA, O COPO E A ÁGUA NÃO SE ALTERAM?
15. O que faz com que o ente (mesa, copo e água) se mantenham constantes, apesar da troca, constante e quase instantânea, da matéria e da energia que compõem esses entes (mesa, copo e água)?
16. Onde está o mecanismo que faz com que os corpos envelheçam, já que a matéria e a energia dos corpos é sempre nova e renovada, o tempo todo?
17. Retomando nosso raciocínio. O Ser é evolutivo e pelo fato de o Ser estar sujeito ao processo de evolução, há um campo de infinitas possibilidades, mutantes e intercambiáveis, sobre o que o Ser é a cada momento (SEGUNDO HORIZONTE ONTOLÓGICO).
18. Vamos tentar “materializar” esses conceitos, que para mim são diferentes, de PRIMEIRO HORIZONTE ONTOLÓGICO e SEGUNDO HORIZONTE ONTOLÓGICO!
19. Imagine que temos sete cegos em torno de um elefante. Cada cego toca uma parte do elefante. Se você perguntar para um dos cegos o que é o elefante, ele dirá que o elefante é a parte do elefante que referido cego toca. Essa é a verdade do “Ser Elefante” para esse cego.
20. Assim, o primeiro cego descreverá a pata traseira que toca como sendo o elefante. O segundo cego descreverá o elefante como sendo a pata dianteira. O terceiro cego descreverá o elefante como sendo a orelha e, assim, sucessivamente.
Continua
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