Kant dividiu os objectos em duas espécies: fenómeno ou objecto sensível para mim, que vejo, toco, ouço, saboreio, cheiro, etc., e númeno ou objecto inteligível, em si, fora do alcance da sensibilidade e de toda a manifestação sensível (Deus, mundo metafísico, liberdade, alma imortal). Mas foi ambíguo ao definir fenómeno:
«O objecto indeterminado de uma intuição empírica chama-se fenómeno» (Kant Crítica da Razão Pura, I parte, Fundação Calouste Gulbenkian, Pág. 61).
Há aqui uma imprecisão de Kant no interior da sua arquitectónica, do seu sistema de pensamento. Que é fenómeno?
«Chamam-se fenómenos as manifestações sensíveis na medida em que são pensadas como objectos, segundo a unidade das categorias.» (Ibidem, pág. 265, nota).
Fenómenos são, por exemplo: nuvem, máquina de lavar, corpo de animal, corpo humano, rio, planície, casa, estrela, céu, oceano. Mas todos estes entes ou coisas são determinados: possuem uma forma, uma substância, uma cor, um tamanho, etc., que os determina, que os essencializa ou individua.
Portanto, a definição correcta de fenómeno, dentro do sistema de Kant e em coerência com este, deveria ser: «Fenómeno é o objecto determinado de uma intuição empírica». Objecto indeterminado é o númeno ou coisa incognoscível.
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De f.limpo.queiroz a 28 de Janeiro de 2010 às 15:54
Kant tinha grandezas e misérias, como todos os seres humanos. Mas a sua influência filosófica perdura hoje e perdurará, creio.
De
ali_se a 28 de Janeiro de 2010 às 13:18
São essas imprecisões de Kant ou até de contradições, propositadas ou não (às vezes mais me parece que são mesmo propositadas), que me levam a crer que a sua filosofia é arrogante, impositiva e autoritária e a considerar os seus pensamentos como que ideias (regras) de âmbito ideológico-político (e em nome de que "filosofia" ou em que "filósofo" que muito bem esteve, colado ao poder vigente da época).
De Weuller Junio Gonçalves Borges a 16 de Abril de 2020 às 18:10
Não acho que seja uma imprecisão ou erro. Veja bem. Ele considera o fenômeno indeterminado na medida em que não é dotado de permanência, mas pode ser alterado em todas as suas características referentes ao que é passível de apreensão por meio da sensibilidade. Trata-se da indeterminação frente ao que é a essência imutável e eterna, a qual sim é determinada. Dizer que o carro é verde é fenômeno e é indeterminado, pois é uma apreensão sensorial não só variável conforme a estrutura de percepção sensorial do indivíduo que observa, bem como variável no tempo, à medida que a característica observada se altera mediante intempéries e outros acidentes.
Agradeço o seu comentário. Em minha opinião, o fenómeno é sempre determinado. Sou obrigado a discordar da sua frase «Dizer que o carro é verde é fenômeno e é indeterminado, pois é uma apreensão sensorial não só variável conforme a estrutura de percepção sensorial do indivíduo que observa, bem como variável no tempo, à medida que a característica observada se altera mediante intempéries e outros acidentes». O carro verde é fenómeno e é duplamente determinado, isto é, definido na sua essência: é um carro e é verde. A mudança de cor do carro é apenas a passagem de uma determinação (cor verde) a outra determinação (cor amarela ou outra).
Dizer que o fenómeno é, globalmente, indeterminado é confundi-lo com o númeno, objecto incognoscível, esse sim, indeterminado . O que Kant poderia dizer é que o fenómeno é um objecto determinado, visível, com certa forma e textura mas possui uma estrutura interna, oculta algo indeterminada (penso nos electrões, quarks e leptons que flutuam numa certa indeterminação).
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