Quarta-feira, 29 de Abril de 2009
Para Aristóteles, Deus é substância, tema em que São Tomás se contradiz

Aristóteles definiu Deus como um pensamento activo, perfeito, imutável, imóvel, fonte do bem e causa indirecta, passiva, de todo o movimento no universo. E esse pensamento vivo é substância, isto é, a substância primeira imaterial, princípio da perfeição. Todavia, o neoaristotélico medieval SãoTomás de Aquino recusou atribuir a Deus a condição de substância. 

 

Escreveu Aristóteles:

 

 

«E posto que há algo que move sendo ele mesmo imóvel, estando em acto, esse não pode mudar em nenhum sentido. (…) Trata-se de algo que existe necessariamente. E enquanto existe necessariamente é perfeito, e deste modo é princípio. (…)

 

«De um tal princípio pendem o Universo e a Natureza. E a sua actividade é como a mais perfeita que somos capazes de realizar por um breve intervalo de tempo (ele está sempre em tal estado, o que para nós é impossível), pois a sua actividade é prazer (por isso o estar desperto, a sensação e o pensamento são sumamente prazenteiros e em virtude disto são-no também as esperanças e as recordações). »

 

«Do que foi dito, resulta evidente, por conseguinte, que há uma certa substância (ousía) eterna e imóvel, e separada das coisas sensíveis. Foi igualmente demonstrado que tal substância não tem em absoluto, tamanho, mas carece de partes e é indivisível.» (Aristóteles, Metafísica, Livro 12, capítulo VII, 1072b-1073a; o bold é nosso).»

 

 

São Tomás de Aquino nega que Deus pertença a qualquer género, inclusive ao género substância:

 

«Artigo 5º

 

Deus pertence ou não pertence a algum género?

 

Objecções pelas quais parece que Deus pertence a algum género:

 

1.      Substância é o ser que subsiste por si mesmo. Isto corresponde sobretudo a Deus. Portanto, Deus pertence ao género da substância. (…)

 

Resposta às objecções: À primeira há que dizer: A palavra substância não significa somente o que subsiste por si mesmo, pois o que é ser enquanto tal não é género, como se demonstrou. Mas significa a essência a que lhe corresponde ser assim, isto é, ser por si mesma. Sem embargo, o ser não é a sua própria essência. Deste modo, é claro que Deus não pertence ao género da substância.» (Santo Tomás de Aquino, Suma de Teologia, I, Parte I, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, pags 119-120; o bold sem itálico é nosso).

 

 

Não é claro, a meu ver, este texto do doutor angélico: a frase «o ser não é a sua própria essência» é equívoca, como equívoca é a consequência «Deste modo, é claro que Deus não pertence ao género da substância». São Tomás joga com um duplo sentido da palavra ser: existência em geral; ente supremo, princípio criador. É certo que a substância é um ser-aí, um ser-algo, além de ser (existir em geral). Mas para fazer Deus escapar da redoma do género substância, que identifica com essência, o doutor angélico afirma, em contradição com outras passagens da Suma, que o ser (Deus) «não é a sua própria essência».

 

São Tomás usa nos dois sentidos conferidos por Aristóteles, com alguma ambiguidade, a palavra substância (ousía): objecto ou ente singular, único; essência, ou seja, forma comum (eidos), colectiva, a diversas substâncias individuais.

 

Deus, ser singular, é uma substância espiritual, imóvel e eterna, no dizer de Aristóteles; mas não é substância e não pertence ao género substância para São Tomás . Parece que o erro reside neste último.

 

Aliás, São Tomás admitiu que o Filho - uma das pessoas constituintes de Deus - é engendrado substancialmente do Pai, isto é, a substância (essência individualizada) do Filho nasce do Pai:

 

«Segundo o Damasceno, ingénito significa o mesmo que incriado, em um sentido: o substancial. E nisto se diferencia a substância criada da incriada.(...) É assim que não se pode deduzir que o Pai ingénito se distinga do Filho engendrado substancialmente, mas que só há distinção de relação, isto é, enquanto a relação filial não se dá no Pai.» (Santo Tomás de Aquino, Suma de Teología, Tomo I, pag 353).

 

Não pode haver dúvidas de que o Filho, parte integrante de Deus, possui substância. Como seria possível, pois, que Deus não pertencesse ao género substância?

 

Afinal, o que é substância, em sentido pleno do termo, isto é, de substância primeira (proté ousía), na doutrina aristotélica? É uma forma individualizada: pela matéria ou não. Deus é a substância incriada (a proté ousía), a forma pura sem matéria, a única substância em que a essência é a sua própria existência.

 

Pertence pois à espécie substância, sendo embora absolutamente singular e distinto, em grau superior, de todas as outras substâncias.O problema central da divergência entre Aristóteles e São Tomás está no conceito de substância. Para Aristóteles, a substância primeira (prote ousia) resulta da fusão entre a essência ( exemplo: cavalo) e uma porção de matéria prima que individualiza ( e assim a substância é, por exemplo, «este cavalo chamado Pégaso de cor branca»).

David Icke é uma substância, um homem individualizado, Eduardo Aroso é outra substância, outro homem individualizado distinto de Icke:  só têm a mesma essência, isto é, a forma comum «homem». Diferenciam-nos os acidentes, isto é, os pormenores.

Ora São Tomás pretende que Deus não seja uma substância, neste caso um Deus individualizado, julgo, porque isso implicaria a partição de Deus: o Deus dos católicos, o Deus dos cátaros, o Deus dos judeus, Allah, etc. Substância primeira é individualização mas Aristóteles não recusa que Deus seja a substância, o ente, anterior ao universo e regente deste.


 

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Domingo, 26 de Abril de 2009
Karl Popper e o ataque incoerente à Dialéctica

 Karl Popper ataca a dialéctica sem a compreender integralmente. Tal como Kant, Popper toma a dialéctica como uma erística, capaz de sair fora da lógica, uma arte sofística de argumentar, uma visão eclética paradoxal e não uma ciência holística e hierarquizadora de géneros, espécies e dos diversos aspectos de cada fenómeno.

 

Escreveu Popper:

 

 «A dialéctica (no sentido moderno, isto é, especialmente no sentido em que Hegel usou o termo) é uma teoria que afirma que algo – mais particularmente o pensamento humano – se desenvolve de uma forma caracterizada por aquilo a que se chama a tríade dialéctica: tese, antítese e síntese. (…)»

 

 «E é quanto basta relativamente ao que se chama tríade dialéctica. Não pode haver grandes dúvidas de que a tríade dialéctica descreve razoavelmente bem determinadas fases da história do pensamento, em especial certos desenvolvimentos de ideias e teorias, bem como dos movimentos sociais que neles se inspiram. Esse desenvolvimento dialéctico pode ser “explicado” demonstrando que se processa em conformidade com o método de ensaio e erro que atrás analisámos. Mas temos de admitir que não é exactamente o mesmo que o desenvolvimento (atrás descrito) de uma teoria por ensaio e erro. A nossa anterior descrição do método de ensaio e erro envolvia apenas uma ideia e a sua crítica, ou, usando a terminologia dos dialécticos, a luta entre uma tese e a sua antítese. Originalmente, não fizemos quaisquer sugestões acerca de um desenvolvimento ulterior, não indicámos que a luta entre uma tese e uma antítese desembocaria numa síntese. Sugerimos antes que a luta entre uma ideia e a sua crítica, ou entre uma tese e uma antítese, conduziria à eliminação da tese (ou talvez da antítese), se esta não se revelasse satisfatória; e que a competição entre teorias só conduziria à adopção de novas teorias se estas existissem em número suficiente e pudessem ser postas à prova .(…)»

 

 «Temos de ter cuidado, por exemplo, relativamente a uma série de metáforas usadas pelos dialécticos e muitas vezes levadas, infelizmente, demasiado a sério. Um exemplo é a afirmação do dialéctico de que a tese “produz” a sua antítese. Na verdade, é apenas a nossa atitude crítica que produz a antítese, e onde uma tal atitude não esteja presente – o que é muitas vezes o caso – nenhuma antítese se produzirá. Do mesmo modo, temos que ter cuidado para não pensar que é a “luta” entre uma tese e a sua antítese que “produz” uma síntese. »

 

 «Tendo deste modo observado que as contradições – especialmente, como é óbvio, a contradição entre uma tese e uma antítese, que «produz» um progresso sob a forma de síntese – são extremamente fecundas e constituem, na verdade, as forças motrizes de qualquer progresso do pensamento, os dialécticos concluem – erradamente como veremos – que não há necessidade de evitar essas fecundas contradições. E afirmam mesmo que as contradições não podem ser evitadas, dado que surgem em toda a parte no mundo.»

 

 «Uma tal afirmação equivale a um ataque contra a chamada “lei da não-contradição” (ou, mais concretamente, contra a “lei da exclusão das contradições”) da lógica tradicional: uma lei que determina que dois enunciados contraditórios nunca podem ser ambos verdadeiros, ou que um enunciado que consista na conjunção de dois enunciados contraditórios deve ser sempre rejeitado como falso por razões puramente lógicas. Fazendo apelo à fecundidade das contradições, os dialécticos afirmam que esta lei da lógica tradicional deve ser rejeitada. E declaram que a dialéctica conduz deste modo a uma nova lógica – uma lógica dialéctica. Assim sendo, a dialéctica, que eu até aqui apresentei como uma doutrina meramente histórica – uma teoria do desenvolvimento histórico do pensamento – revelar-se-ia uma doutrina muito diferente: seria em simultâneo uma teoria lógica e (como veremos) uma teoria geral do mundo.»

 

 «Estas são afirmações portentosas, mas sem o mínimo fundamento. Não se baseiam, na verdade, em nada melhor do que uma maneira de falar vaga e confusa.»

 

 «Os dialécticos dizem que as contradições são fecundas, férteis ou produtivas em termos de progresso, e nós admitimos que isso não deixa de ser, em certo sentido, verdadeiro. Será verdadeiro, porém, unicamente na medida em que estejamos dispostos a não tolerar contradições e a modificar qualquer teoria que as envolva. Por outras palavras, determinados a não aceitar nunca uma contradição. É somente em virtude dessa nossa determinação que a crítica, isto é, a indicação de contradições nos induz a modificar as nossas teorias e, nessa medida, a progredir.»

 

  (Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, Coimbra 2006, pag 419-422; o bold é colocado por nós)

 

 Popper tem alguma razão neste texto. Mas carece de razão numa parte substancial dele. A interpretação da síntese como um terceiro momento do círculo ou espiral que se desenvolve é uma limitação hegeliana, ao menos de carácter terminológico,  na definição da dialéctica. Nesse ponto, Popper parece certo.

 

Kierkegaard, por exemplo, negou a existência da síntese circunscrevendo a dialéctica ao Aut/Aut (Ou..Ou) da tese-antítese. Também não parece que a antiga filosofia chinesa, em particular o taoísmo, que divide a Vida e o Cosmos em dois princípios opostos, relativos, o Yang (Luz, Calor, Expansão, Fogo, Masculino) e o Yin (Escuridão, Frio, Contração, Água, Feminino) consagre a síntese (de Hegel) como instância independente no processo dialéctico. E na teoria psicanalítica de Freud, nitidamente dialéctica, discernimos o Ego – o mediador, a síntese, de certo modo - como uma instância não posterior mas simultânea com o Id ou Infra-Ego (tese) e o Super-Ego (antítese)- sem embargo de o Ego preceder geneticamente o Super-Ego. De facto, a síntese – ou chamar-lhe-emos síncrese, neste caso? - pode existir e existe em simultâneo com a tese e a antítese e constitui:

 

 1)      A mediação ou mistura parcial destas.

 

 2)      O conjunto das duas. Neste caso, não existiria separada delas ou de uma parte delas, mas englobá-las-ia, seria a soma exacta das duas. Hegel chama a isto o tôdo como unidade dos contrários, não o designa por síntese.

 

 Parece que Platão admitiu a mediação, o intermédio entre os contrários  – que Hegel chama síntese –mas não o situou isoladamente num momento posterior. A crítica de Popper à tríade é, pois, parcialmente justa no que se refere à tríade diacrónica estabelecida por Hegel mas injusta, errada, no que se refere à tríade sincrónica estabelecida por dialécticos como Lao Tse, Platão, Kierkegaard e muitos outros, também chamada lei da unidade e luta de contrários formulada por Heráclito e Hegel, entre outros.

 

Popper reconhece aliás, acima, que a luta entre uma ideia e a sua crítica é uma luta entre tese e antítese e que conduz, muitas vezes, à eliminação da tese. Estamos de acordo. É, pois, um movimento dialéctico. O método de ensaio e erro, é ao contrário do que sugere Popper, perfeitamente dialéctico: o ensaio é a antítese da formulação teórica, como o acto é a antítese da potência (na terminologia aristotélica); o erro constatado pelo ensaio é a antítese da formulação teórica original, destrói parcial ou totalmente esta, impõe a sua rectificação ou eliminação. Ao dizer que a dialéctica não impregna o método de ensaio e erro, como seu carácter intrínseco, mas que é algo de «extrínseco» à falsificabilidade, à eliminação indefinida do erro pelo «racionalismo crítico», Popper mostra não compreender a universalidade da dialéctica como lógica multilateral.

 

 Ademais, Popper deturpa a dialéctica ao dizer que esta nega o princípio da não-contradição ( ou «lei de exclusão das contradições»). É uma absoluta falsidade. Isso é interpretar dialéctica como sofística – como o fazia Kant com as suas antinomias da razão pura que dão lugar ao paradoxo (incoerência do raciocínio como por exemplo: «Deus existe e não existe no mesmo instante e sob o mesmo aspecto»; «2+2 é igual 4 e 2+2 é igual a -4»).

 

 Popper ignora que «toda a diferença é uma contradição» - – a diferença insere-se no princípio do terceiro excluído; exemplo, verde e azul contradizem-se porque azul pertence ao conjunto não verde – - e interpreta o termo contradição como erro lógico, paradoxo, não como realidade multilateral de contrários e contraditórios. Há contradição dentro da lógica (a dialéctica) e contradição fora da lógica, (paralogismo, sofisma, a sofística, o ecletismo paradoxal). Esse é o equívoco de Popper: não distingue estas duas formas de contradição, ao menos no plano teórico.

 

 A dialéctica autêntica engloba os três princípios da lógica clássica: identidade, não contradição e terceiro excluído. Não se desfaz deles. Não os atropela. Aliás o princípio da não contradição é eminentemente dialéctico: uma coisa não pode ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto duas qualidades ou estados contrários entre si; mas pode ser qualidades ou estados contrários ao mesmo tempo em aspectos diferenciados.

 

Por exemplo, a dialéctica marxista –- note-se que a teoria marxista não é dialéctica em toda a sua extensão, o comunismo mundial final é uma ideia metafísica que foge à lei dialéctica de «um divide-se em dois» (o proletariado divide-se em dois: governantes e governados e isso gera uma nova sociedade de classes desfazendo o comunismo ideal) –-  diz o seguinte: a burguesia é uma classe progressista no aspecto de combater a classe feudal e, simultaneamente, é uma classe reaccionária no aspecto de combater as reivindicações socialistas revolucionárias do proletariado. Isto respeita perfeitamente o princípio da não contradição: a burguesia é, ao mesmo tempo, uma classe revolucionária, num aspecto, e uma classe reaccionária, noutro aspecto. Não há aqui confusão nenhuma.

 

 Não restrinjamos a dialéctica ao marxismo. Há muito mais dialéctica para além da visão marxista do mundo.

 

 Existe, por exemplo, uma contradição – que neste caso assume a forma de contrariedade (termo aristotélico) isto é oposição directamente bipolar como branco/negro e grande/pequeno -  a cada fracção de segundo, entre a força centrífuga do electrão do átomo do hidrogénio e a força centrípeta do núcleo. É essa contradição ou luta de forças contrárias que mantém o átomo uno. Popper seria imbecil se negasse que se trata de uma contradição e, mais ainda, se tivesse a pretensão de suprimi-la.

 

 A dialéctica impregna a fisiologia humana e a naturopatia (teoria médico-higienista e metodologias práticas) que visa preservá-la: a doença, aguda ou crónica, é uma luta entre a força vital, centrífuga (que actua de dentro para fora) e as toxinas (sais de ácido úrico, sulfúrico; colóides, etc) centrípetas (que se deslocam de fora para dentro e entopem o organismo). Assim a febre é simultaneamente um mal e um bem: um mal, na medida em que gera mal-estar e impede, em regra, as pessoas de se comportarem de forma prazenteira e normal; um bem, na medida em que a crise de suores e urinas carregadas existente na febre, faz sair do corpo, pela pele e pelo aparelho urinário, as substâncias tóxicas, restabelecendo a saúde.

 

 Bem e mal são contrários entre si mas, neste caso, não há qualquer violação do princípio da não contradição, pois bem e mal na febre aplicam-se a diferentes aspectos da fisiologia humana. Segundo parece, Popper, nem sequer conhecia a visão dialéctica da naturopatia científica neo-hipocrática sobre a saúde e a doença. É natural que não reconhecesse que a luta de contrários – e a lógica multilateral que lhe corresponde – atravessa por completo a natureza física e biocósmica nos seus infinitos aspectos, é a essência desta.

 

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Sexta-feira, 24 de Abril de 2009
A luz não é forma substancial, segundo São Tomás de Aquino, e o calor «é e não é»

Na Suma de Teologia, uma das grandes obras da filosofia perene, Tomás de Aquino sustenta que a qualidade (por exemplo: cor branca)- um dos acidentes, na classificação de Aristóteles - resulta da forma substancial (por exemplo: homem). Nessa óptica, classifica a luz não como forma substancial, substância, mas como acidente, qualidade.

No Tratado da Criação Corpórea, da Suma de Teologia, escreveu Tomás de Aquino:

 

«Artigo 3

A luz é ou não qualidade?

Objecções pelas quais parece que a luz não é qualidade:

1) Toda a qualidade permanece no sujeito inclusive depois de desaparecer o agente. Exemplo: o calor permanece na água depois de tirá-la do fogo. Mas a luz não permanece no ar uma vez retirado o corpo que despede luz. Por tanto, a luz não é qualidade. (...)

Solução:

...Portanto há que dizer: assim como o calor é uma qualidade activa consequência da forma substancial do fogo, assim também a luz é uma qualidade activa consequência da forma substancial do sol ou de qualquer outro corpo com luz própria, se é que há outro. (...)

 

Resposta às objecções: 1. À primeira há que dizer: Como a qualidade é consequência da forma substancial, o sujeito comporta-se de maneira distinta ante a recepção da qualidade e a recepção da forma. Pois quando a matéria recebe completamente a forma, também fica firmemente ancorada nela a qualidade que é consequência da forma. Como se a água se convertesse em fogo. Pelo contrário, quando a forma substancial é recebida incompleta, por certa incoacção, então a qualidade permanece algum tempo, mas não sempre. Como a água aquecida que volta ao seu estado natural. Mas a iluminação não é produzida por alguma mudança que se dá na matéria ao receber a forma substancial, como se houvesse alguma incoacção da forma. Por isso a luz não permanece mais do que estando o agente.

3. À terceira há que dizer: Assim como o calor pela sua forma substancial coopera instrumentalmente na produção da forma do fogo, assim também a luz, em virtude dos corpos celestes, coopera instrumentalmente na produção de formas substanciais; e também em fazer que as cores sejam visíveis, enquanto é a qualidade do primeiro corpo sensível.»

(São Tomás de Aquino, Suma de Teología I, parte I, pags 631-632, Biblioteca de Autores Cristianos)

 

Note-se uma contradição na análise do doutor angélico: acima designa o calor como qualidade da forma substancial fogo e por último atribui forma substancial ao calor. Ou seja, num lado é acidente e no outro substância.

 

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Quinta-feira, 23 de Abril de 2009
A experiência estética não é uma atitude cognitiva? (Crítica de Manuais Escolares -XXXV)

No manual Filosofia 10º ano de Luís Rodrigues lê-se:

 

«A atitude estética...

b) Não é uma atitude cognitiva (de conhecimento).

A relação com os objectos naturais e artísticos na experiência estética não é motivada primordialmente pela vontade de adquirir e de ampliar conhecimentos.» (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ANO, 2º volume, Plátano Editora, pag 70)

 

A atitude estética não é cognitiva?  Luis Rodrigues, tal como John Hospers, Pedro Galvão, Desidério Murcho e outros, está claramente equivocado nesta matéria.

Toda a experiência estética é conhecimento sensorial ou sensorial-intelectual. Sem ver - isto é conhecer através da visão, obter cognição - um quadro de Rafael ou de Leonardo da Vinci, não há emoção estética àcerca desse quadro. Sem ouvir - isto é conhecer sensorialmente através da audição- os sons de uma música de Mozart, não se experiencia esteticamente esta.

 

O conceito de cognitivo é deformado por Luís Rodrigues e outros. Há o cognitivo sensorial e o cognitivo intelectual. Não se pode reduzir o cognitivo ao intelectual-racional.

 

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Sexta-feira, 10 de Abril de 2009
A filosofia é sofisticada? E não é mais profunda que a química e a matemática?

Em artigo do seu blog A Filosofia no Ensino Secundário, intitulado «10 falsas questões  mais habituais sobre a filosofia» escreve Rolando Almeida, um dos membros do grupo «crítica na rede»:

 

«Em filosofia não tem de se ser mais profundo do que em matemática ou química. Em primeiro lugar deve-se privilegiar a clareza que nem sempre coincide com facilidade, dependendo do estudo que se realize. Obviamente se estamos a falar de filosofia como eu estou a falar neste texto, não se exige profundidade alguma. Exige-se clareza e rigor. A ideia da profundidade em ciência e filosofia, diz respeito à sofisticação dos problemas em análise. Se estamos numa área como a Lógica Modal, envolvendo a discussão de conceitos como possibilidade e necessidade, o mais provável é que a discussão não seja muito acessível a quem não possui qualquer preparação em filosofia. A mesma questão é atribuível a uma qualquer investigação em física ou química. Mas, regra geral, estas teorias mais profundas podem ser expostas a um nível mais intuitivo. E porque é que existe esta necessidade de explicar aos mais leigos os problemas mais sofisticados? Por uma razão muito simples. Somos seres limitados no tempo e um dia alguém vai ter de continuar os nossos estudos, desenvolvendo-os e possibilitando novas descobertas, por isso temos de ensinar aquilo que sabemos ou condenamos o saber à sua morte. Depois porque um filósofo só descobre as fragilidades das razões que oferece em favor das suas teses se um outro o puder estudar e refutar.» (Rolando Almeida)

 

É óbvio que, ao contrário do que sustenta Rolando Ameida, em filosofia se tem de ser mais profundo que em matemática e em química - o que é uma tarefa para a elite dos filósofos autênticos. Se a filosofia não descer às raízes, à substancia oculta da química e da matemática, não pode constituir-se em epistemologia destas, nem pode aspirar a ser uma visão de síntese, holística. 

 

Rolando Almeida contradiz-se, ademais, ao dizer que ao falar de filosofia, do modo que o faz, «não se exige profundidade» alguma mas sim «clareza e rigor». Na verdade, clareza e rigor pressupõem profundidade de pensamento. Profundidade de pensamento e simplicidade de exposição deste são apanágio dos grandes pensadores, não do vulgo dos professores de filosofia.

Ao qualificar a «profundidade filosófica» como sofisticação, Almeida desliza sem o saber para o glaciar da sua verdade: sofisticação designa subtileza excessiva, falsificação (vem de sofística; ver Dicionário de Língua Portuguesa, 6ª edição, Porto Editora). A filosofia profunda não é sofisticada.

 

Sofisticados (sofistas, pseudofilósofos) são os que,  mediante uma terminologia complicada, pretendem, sem clareza nem rigor, arvorar-se em «filósofos, lógicos modais e proposicionais,» antepondo as suas regras fragmentárias do «pensar» à perfeição conteudal do pensar.

O «simplex» filosófico que Rolando de Almeida advoga é, no fundo, a outra face do cientismo - essa pretensão  que a ciência dominante ostenta de ser intocável, de explicar tudo por «factos científicos», de ser  tão ou mais profunda que a filosofia e blindada à investigação desta.

 

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Domingo, 5 de Abril de 2009
Peter Singer não sabe o que é o relativismo

Peter Singer, o renomado teórico da ética, define erroneamente relativismo como o conjunto das morais e opiniões dominantes nas diversas sociedades e não como o conjunto de todas as opiniões de grupo ou classe social existentes no seio de cada sociedade. Para Singer, o relativismo não permitiria, por exemplo, que na Cuba «comunista» de Castro a oposição, que exige eleições livres e o fim da censura e da ditadura do partido único,  tivesse algum quinhão de verdade. Singer interpreta relativismo como ditadura da maioria sociológica no seio de uma sociedade. Ora isto é absolutismo, não relativismo.

 

 

Escreveu Singer:

 

«Mas isto levanta um problema: se a moral é relativa, o que há de especial no comunismo? Por que razão haveria alguém de tomar o partido do proletariado, e não o da burguesia?

 

Engels abordou este problema da única forma possível: abandonando o relativismo em favor de uma tese mais restrita que defendia que a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante, embora a moral de uma sociedade sem antagonismos sociais pudesse ser «realmente humana». Aqui já não há relativismo , mas é ainda o marxismo que, de uma forma meio confusa, impulsiona muitas ideias relativistas vagas. (..)

 

 

 

«Pior ainda, o relativista não consegue explicar satisfatoriamente o inconformista. Se «A escravatura é um mal» significa «A minha sociedade rejeita a escravatura», nesse caso qualquer pessoa que viva numa sociedade que a aceita está a cometer um erro factual ao dizer que a escravatura é um mal. Uma sondagem poderia então demonstrar o erro de um juízo ético. Os candidatos a reformadores ficam numa posição terrível: quando pretendem modificar as perspectivas éticas dos seus concidadãos, estão necessariamente errados; só quando conseguem conquistar a maioria da sociedade passam as suas opiniões a estar certas.

 

Estas dificuldades são suficientes para afundar o relativismo ético; o subjectivismo ético evita pelo menos que se tornem absurdos os esforços valorosos dos pretendentes a reformadores, pois faz os juízos éticos dependerem da aprovação ou desaprovação da pessoa que faz esse juízo, e não da sociedade em que essa pessoa se insere. »(Peter Singer, Ética prática, Gradiva, pags 21-23; o bold é nosso)

 

 

Ao dizer que Engels abandonou o relativismo, Singer equivoca-se: uma das características do materialismo histórico marxista é o seu relativismo, pois desvenda que em cada sociedade não existe uma moral única mas , pelo menos, duas morais em luta entre si, cada uma delas relativa a uma classe, a dominante e a dominada. Relativismo é isto e não a uniformização no seio da mesma sociedade nacional. O próprio raciocínio de Singer é confuso quando diz «Engels abordou este problema da única forma possível: abandonando o relativismo em favor de uma tese mais restrita que defendia que a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante». Então se Engels defendeu que " a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante", como pode ter abandonado o relativismo? Moral relativa a cada classe não é relativismo?

  

Singer padece de  uma confusão teórica completa sobre o que é relativismo - doutrina que diz que há diferentes verdades ou interpretações da verdade no seio de cada sociedade, consoante os grupos sociais, culturais, políticos, religiosos, etc, e também no seio da comunidade internacional- confusão que já denunciamos existir também em James Rachels e nos manuais de filosofia para o 10º ano em Portugal de Desidério Murcho, Pedro Galvão, Luís Rodrigues e muitos outros.

 

 

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