Na Metafísica, Aristóteles explana a sua concepção de movimento:
«Y puesto que lo que está en potencia y lo que está plenamente realizado se dividen conforme a cada uno de los géneros, afirmo que el movimiento es la actualización de lo que está en potencia, en tanto que tal.» (...)
«Es, además, evidente que el movimiento se dá en la cosa movida, ya que es la realización de ésta bajo la acción de lo que es capaz de mover.»
(Aristóteles, Metafísica, Livro XI, Editorial Gredos, pag 452-454).
Aristóteles afirma que o movimento se dá na coisa movida. É uma visão redutora: parece escamotear o facto de o movimento de translacção (designado movimento local) se dar no espaço e representar uma actualização do próprio espaço. De facto, as coisas estão no espaço mas o espaço está igualmente nas coisas e não permanece como um fundo neutro.
E há que remeter para as duas espécies de movimento teorizadas por Platão: alteração e translação.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No manual português Filosofia 10º ano, de Luís Rodrigues, da Plátano Editora, manifesta-se uma confusão entre as noções de «acção causada» e de «acção não causada». Diz o manual:
«Transformar o indeterminismo em posição filosófica é defender que as acções livres são acções não causadas. Por mais que esta ideia possa parecer simpática ao defensor do livre-arbítrio, encerra vários problemas:
1- Acções não causadas são simplesmente algo que nos acontece, o que não parece coadunar-se com a noção de acção como algo que acontece por nossa iniciativa.
2- Acções não causadas ou imprevisíveis são acções que escapam ao nosso controlo, o que não parece coadunar-se com a ideia de livre-arbítrio, isto é, de que há acções que dependem da nossa vontade.
3- Se uma acção não é causada então propriamente não é da minha autoria e por ela não posso ser responsabilizado. Só somos responsáveis pelas acções que resultam da nossa vontade e não do acaso. »( Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 90).
Luís Rodrigues, como aliás outros autores, adultera o conceito de acção não causada identificando-o com o de acção não causada por mim (sujeito). É subverter a semântica: ninguém pensa bem se distorcer o significado das palavras. A semântica (lógica informal) prevalece sobre a lógica formal.
Ora, afinal, ao contrário do que defendem Rodrigues e os seus amigos, são também causadas as acções geradas por outrém, ou pelo sistema de causas e efeitos invariáveis designado por determinismo, ou pelo destino. A queda de uma maçã é uma acção «incausada»? Ou é uma acção causada pela lei da gravidade e pela deterioração do pedúnculo da maçã?
Ao sustentar que há acções não causadas, Luís Rodrigues nega o princípio da razão suficiente formulado por Schopenhauer segundo o qual «nada acontece sem causa, sem uma razão que lhe dê origem.»
É óbvio que a principal fonte filosófica que informa Luís Rodrigues, Desidério Murcho, Aires Almeida, Pedro Galvão, Paula Mateus, Pedro Madeira, António Paulo Costa e outros autores de manuais é o tão famoso quanto confuso catedrático Simon Blackburn cuja definição de indeterminismo Luís Rodrigues cita:
INDETERMINISMO
Concepção segundo a qual alguns acontecimentos não têm causa: limitam-se a acontecer e nada há no estado prévio do mundo que os explique. Segundo a mecânica quântica, os acontecimentos quânticos têm esta propriedade. (BLACKBURN, Simon, (1997.) Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pag 226).
A mecânica quântica, segundo parece, não sustenta a inexistência de causas: afirma, sim, que as causas são livres, isto é, a mesma causa produz efeitos diversos, não sendo possível estabelecer regularidades exactas. Indetermismo não é, pois, a não existência de causas. É a não existência da série de causas A ligadas infalivelmente à série de efeitos B, isto, é, a negação do determinismo.
Inexistência de causas designa-se por acausalismo.
É também errónea a definição de determinismo dada por Luís Rodrigues:
«O determinismo é a doutrina segundo a qual todos os acontecimentos têm uma causa. Por outras palavras, tudo sem excepção é resultado ou efeito de causas anteriores.» (Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 88).
Isto corresponde ao conceito de causalismo. O princípio do determinismo é outro e formula-se assim: nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos.
Com tantas nuvens de confusão nos manuais de Filosofia adoptados em Portugal - e certificados por uma autoridade nacional! - não é de estranhar que os professores e alunos deslizem, como aviões desgovernados, nos céus da Filosofia e se despenhem no pântano do pensamento caótico.
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O movimento (kínesis), segundo Platão, tem duas formas: alteração (mudança interna de cada coisa, alloíosis) e a translação (mudança externa, de posição, phorá). Platão pretende situar-se num ponto intermédio na disputa entre os partidários do fluxo (os heraclitianos) e os partidários da imobilidade universal (os parmenídeos).
No Teeteto figura a seguinte passagem:
«SÓCRATES
Temos, então, de as examinar uma vez que mostras um desejo tão vivo. Na minha opinião, a investigação relativa ao movimento deve começar pela seguinte questão: que pretenderão eles exactamente afirmar quando dizem que tudo se move? O que pergunto é isto: pensam eles que há uma só espécie de movimento ou, como me parece a mim, haverá duas espécies? Mas não devo ser só eu a defender esta opinião; partilha, também, do mesmo risco a fim de que, sejam quais forem as consequências, as suportemos em conjunto.
TEODORO
Sim.
SÓCRATES
Mas quando a coisa permanece no seu lugar e envelhece, ou de branca se torna preta, ou de dura se torna mole, ou sofre qualquer outra alteração, não será justo dizer que se trata de uma segunda espécie de movimento?
TEODORO
Assim me parece.
SÓCRATES
É de facto, indiscutível. Distingo, portanto, duas espécies de movimento: a alteração (alloíosis) e a translação (phorá). »
(Platão, Teeteto, Inquérito, pags 106-107).
Que relação há entre estes dois movimentos e o tempo? Parece-me que a translação é o lado exterior, a manifestação mais imediatamente visível do tempo, ao passo que a alteração é, supostamente, o carácter interno, essencial, do tempo.
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Há tempos foi divulgada na internet a seguinte mensagem:
«Estão abertas as candidaturas para a edição de 2008 do Prémio de Ensaio Filosófico Vasco de Magalhães-Vilhena SPF. Este prémio é uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Filosofia, que conta com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, e que tem como objectivo eleger, sob um critério de mérito absoluto, o melhor ensaio, submetido anonimamente a concurso, sobre uma questão considerada relevante numa determinada área da investigação filosófica.
Nesta edição, a área seleccionada é a Filosofia da Mente e a questão proposta é a seguinte: Tem a intencionalidade de poder ser reduzida a alguma outra coisa?
O prémio terá um valor de 3.500 euros e o ensaio vencedor será depois publicado na Revista Portuguesa de Filosofia. O regulamento pode ser consultado no sítio da Sociedade Portuguesa de Filosofia, em http://www.spfil.pt. As candidaturas poderão ser apresentadas até ao dia 31 de Dezembro de 2008.
Pede-se divulgação.
A Direcção da Sociedade Portuguesa de Filosofia»
Ressalta a ambiguidade na formulação da questão posta a concurso. Na verdade, a frase «Tem a intencionalidade de poder ser reduzida a alguma outra coisa?» é susceptível de duas interpretações distintas:
1) Tem a intencionalidade de poder ( isto é: os conteúdos de consciência direccionados para o poder) a qualidade de ser reduzida a outra coisa?
2) Tem a intencionalidade (isto é: os conteúdos da consciência direccionados para algo) a qualidade de poder ser reduzida a alguma outra coisa?
Como pode, num concurso desta natureza, ser ambíguo o tema proposto?
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