Quarta-feira, 24 de Janeiro de 2007
O empirista David Hume era também racionalista?

David Hume é, classicamente, definido como um empirista. Sustenta que as impressões sensoriais são a fonte primordial, mas não exclusiva, das nossas ideias, uma vez que a memória e a imaginação são também fonte, conservadora ou criadora, de ideias:

 

«As impressões podem dividir-se em duas categorias: as de sensação e as de reflexão. A primeira categoria surge originariamente na alma, a partir de causas desconhecidas. A segunda é em grande parte derivada das nossas ideias, na seguinte ordem. primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão, a mente tira uma cópia, a qual permanece depois de desaparecer a impressão: é o que denominamos ideia. Esta ideia de prazer ou de dor, quando regressa à alma, produz novas impressões de desejo ou aversão, de esperança e medo, que podem propriamente chamar-se impressões de reflexão. Estas, por sua vez, são copiadas pela memória e pela imaginação, tornando-se ideias, as quais por sua vez talvez gerem outras impressões e ideias.» (David Hume, Tratado sobre o Entendimento Humano, pag 36, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; o negrito é nosso).

 

Sem dúvida, Hume é empirista na questão da origem do conhecimento mas não na construção-génese da totalidade do conhecimento: há ideias que derivam de impressões de reflexão, como por exemplo, a ideia de inferno ou de paraíso celeste que derivam da impressão de queimadura pelo fogo em presença de horríveis demónios ou da impressão de prazer num lugar de paz infinita acima do céu visível.  Não há impressões sensoriais de inferno e de paraíso.

 

Ademais, na questão do «eu», Hume é racionalista, nesta outra dimensão que é o  problema gnosiológico da estruturação final do conhecimento . Joahnnes Hessen, no seu livro «Teoria do conhecimento», refere apenas três campos da gnosiologia: natureza do conhecimento, origem do conhecimento e possibilidade do conhecimento. Talvez haja mais um...

 

Hume escreveu:

 

«Deve haver uma impressão que dê origem a toda a ideia real. Mas o eu, ou pessoa, não é uma impressão mas aquilo a que se supõe que as nossas impressões têm referência. Se alguma impressão gerar a ideia do eu, essa impressão deve permanecer invariavelmente a mesma em todo o curso da nossa existência, uma vez que se supõe que o eu existe dessa maneira. Ora, não há impressão constante e invariável. A dor e o prazer, a tristeza e a alegria, as paixões e as sensações sucedem-se umas às outras e nunca existem todas ao mesmo tempo. Não pode portanto, ser de nenhuma dessas impressões ou de qualquer outra que a ideia do eu é derivada, portanto tal ideia não existe».  (David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag. 300 Livro I, 4ªParte, Secção VI, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é posto por mim).

 

Ao negar o «eu» que nos é sugerido pelas vivências empíricas, Hume é racionalista. Assim, o filósofo inglês é empirista, na origem do conhecimento, e racionalista, na modelação final deste, no que toca ao «eu» pelo menos. 

 

É conveniente, portanto, que os professores de Filosofia em Portugal não se precipitem a cortar dogmaticamente como «erros» as frases dos alunos que refiram Hume como racionalista. As orientações de exame do 11º ano, para este ano de 2007, em Portugal, emanadas do GAVE do Ministério da Educação, parecem «afunilar» o problema do conhecimento para a tríade cépticos, Descartes (suposto racionalista) e David Hume (suposto empirista). Há muito mais do que isto a abordar, nas aulas, no campo da teoria do conhecimento e é recomendável que os professores não se limitem às orientações de exame mas ensinem filosofia, com o sentido da amplitude infinita que caracteriza esta singular disciplina.

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



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Domingo, 14 de Janeiro de 2007
Filosofia e Ciências não são contrários absolutos

 

Supõem alguns que a filosofia é o contrário absoluto da ciência. Isso não é exacto. O contrário antagónico da ciência é a ignorância, a não ciência.

A filosofia é um híbrido, uma espécie de hermafroditismo intelectual: é ciência e não ciência.

As definições dos filósofos são, em muitos casos, teses e raciocínios de ciência especulativa. Por exemplo, definir idealismo como «corrente que sustenta que a matéria é imanente, interior, à mente ou mentes humanas e não possui transcendência a estas» é fazer ciência gnosiológica.

O filosófico, entendido como incerto, especulativonão está na definição em si mesma mas na sua consistência extrínseca ou conformidade com a natureza do mundo real, isto é, no leque de alternativas de verdade que se abre além daquela definição.

Assim a filosofia é um caleidoscópio de interpretações científicas, cada uma delas com uma base empírica e outra base meta empírica ou especulativa.

 

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Sexta-feira, 5 de Janeiro de 2007
Pode separar-se a ética das religiões em geral?

 

Alguns procuram cientificizar a ética (doutrina do bem e do mal em ordem ao comportamento humano) compartimentando-a, separando-a das religiões no seio das quais nasceu e se desenvolveu. É óbvio que há uma ética laicista que saiu do óvulo das religiões tradicionais mas outra ética antiga permaneceu dentro destas. Atentemos na visão e nas definições que nos propõe Desidério Murcho no seu artigo «O que é a Filosofia»:

 

«Comecemos pela ética. A ética não estuda os preconceitos comportamentais -- preconceitos como a ideia católica de que os homossexuais não podem casar e que ninguém deve ter relações sexuais antes do casamento. A ética nada tem a ver com este tipo de coisas. Este tipo de coisas emana de um certo código religioso de comportamentos, que pouco se relaciona na verdade com a ética -- é apenas uma manifestação de uma certa visão religiosa do mundo. Faz-se por vezes uma distinção entre "moral" e "ética" querendo reservar para esta última a acepção filosófica, ao passo que a primeira se referiria aos costumes sociais. Mas esta distinção é artificiosa e caiu em desuso desde há muito tempo.

«A ética ocupa-se de vários tipos de problemas bastante distintos. Os mais fáceis de compreender são os da ética aplicada, que se ocupa de problemas como o aborto e a eutanásia. Será o aborto um mal que deve ser proibido? Repare-se que não se trata de saber se o aborto é um mal aos olhos de Deus ou do Papa ou de qualquer confissão religiosa; trata-se de saber se o aborto é, eticamente, e à luz da nossa razão, algo que deve ser proibido, tal como o assassínio é proibido independentemente das religiões. O que ocupa a reflexão filosófica não é apenas a tentativa de dizer "Sim, o aborto é um mal" ou "Não, o aborto não é um mal". O que distingue a reflexão filosófica é a fundamentação racional: os argumentos que sustentam as nossas posições. O que importa são os argumentos que se apresentam para dizer que sim ao aborto ou para dizer que não. O trabalho da filosofia consiste em estudar esses argumentos e avaliá-los criticamente. A filosofia é algo que cada um faz com a sua própria cabeça, em diálogo crítico com os outros. A filosofia não consiste em ler textos e "comentar" o que esses textos dizem. A filosofia consiste em pensar nos mesmos problemas que são tratados nesses textos, o que é muito, muito diferente. »

«Mas a ética ocupa-se de outras questões menos óbvias. Por exemplo, o que quer dizer "Matar inocentes é um mal" ou "Não devemos matar inocentes"? O que quer realmente dizer a palavra "dever"? Este tipo de problema é enfrentado pelo que se chama "metaética". A metaética ocupa-se da questão de saber qual é a natureza do juízo ético. É a área mais geral e conceptual da ética. Há várias teorias que tentam responder a este problema, algumas delas tecnicamente bastante complexas e precisas. » (Desidério Murcho, «O que é a filosofia», in
www.pensologosou (o negrito é posto por mim).

Desidério Murcho usa a falácia da popularidade ou da mediatização ao escrever que a distinção entre ética e moral «é artificiosa e caiu em desuso desde há muito tempo». Na verdade, ética deriva de ethos que em grego significa carácter e moral deriva de mores que em latim significa costumes. Carácter e costumes não são exactamente o mesmo, ainda que se relacionem de perto. O carácter é capaz de rasgos individuais que quebram os costumes, que não fazem parte destes. É pertinente distinguir ética de moral, ainda que eu não me oponha aos que as identificam como sendo o mesmo.

 

Ao contrário do que sustenta Desidério Murcho, os preconceitos católicos contra o casamento homossexual e contra as relações sexuais antes do casamento são atitudes que transportam valores éticos, encontram-se no cerne da ética e esta estuda-os. Há ética religiosa e ética não-religiosa.

 

Desidério procura desligar, sem sucesso, a ética das religiões - tarefa impossível para um pensador imparcial, objectivo. Chega a ter graça: o Desidério que se levanta indignado contra a «morte da filosofia» decretada por alguns no século XIX com a invasão do positivismo na sua faceta extrema de cientismo, tenta construir um espaço de ética «científica» que, sofisticamente, nega às religiões a componente ética essencial destas. Reintroduz, pela porta do cavalo, no palácio da ética, o cientismo que, aos gritos, «expulsou» pela porta da frente em nome da «liberdade filosófica».

 

Dito de outra maneira: nega-se às religiões domínios  sobre a ética, para que esta seja propriedade de Desidério e dos seus amigos, Sumos Sacerdotes da Religião (encapotada) da Ética Aplicada e da Metaética...

Não existe ética científica: toda a ética é subjectiva ou intersubjectiva. A ética do proletário não coincide por completo com a do capitalista, a ética do ladrão não coincide com a do polícia, a ética do heterossexual não coincide com a do gay...

 

O facto de Desidério ser, por hipótese, a favor do aborto livre «à luz da sua razão» não torna a sua posição eticamente mais científica do que a do papa que condena o aborto livre à luz da «revelação divina». Havia gnósticos no século II DC que sustentavam posição favorável ao aborto, em nome da divindade.

A suposta «ética racional científica» que Desidério Murcho e os seus amigos sustentam não existe: é uma apenas, entre várias leituras possíveis do bem e do mal no comportamento humano (perspectivismo), leituras essas que são, todas elas, um misto de irracionalismo e racionalismo.

Na base de todas as racionalidades, éticas ou de outra natureza, há um elemento irracional, impenetrável, opaco.

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



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Terça-feira, 2 de Janeiro de 2007
A História da Filosofia no Ensino da Filosofia

Desde há mais de uma década, procura impor-se, em Portugal como noutros países do mundo, uma corrente revisionista do ensino da filosofia que visa expurgar deste ou reduzir nele a uma ínfima dimensão, a história da filosofia. Desidério Murcho, um dos arautos desta corrente, escreveu no seu blog «www.pensologosou.no.sapo.pt» um artigo «O que é a Filosofia?» no qual diz o seguinte:

 

«Nas nossas escolas confunde-se filosofia com história da filosofia e esta última com história das ideias. Uma vez mais, esta confusão parece resultar da ideia de que a filosofia "morreu"; logo, só resta fazer a sua história. Isto é de tal forma subterrâneo que as pessoas não sabem distinguir filosofia de história da filosofia, havendo até quem afirme, com sabor a Hegel, que a filosofia consiste na sua história. É impressionante a quantidade de coisas que se inventam para fugir à filosofia; parece que a filosofia incomoda muita gente.

«A filosofia ocupa-se de problemas, teorias e argumentos. A história da filosofia não se ocupa do estudo dos problemas, teorias e argumentos da filosofia, a não ser como meio e não como fim em si. Para um estudante de filosofia, a história da filosofia é um meio para compreender melhor o que determinado filósofo queria realmente dizer; para compreender melhor determinado problema, teoria ou argumento. Mas é apenas um meio. O fim é perguntar-se se o filósofo tem razão, depois de ter compreendido o que ele queria dizer. Haverá boas razões para pensar que sim? Ou melhores razões para pensar que não? Estudar filosofia é aprender a pensar pela sua própria cabeça nos grandes problemas e argumentos da filosofia, e ter uma atitude crítica em relação às grandes teorias que os filósofos inventaram para tentar resolver esses problemas. » (Desidério Murcho; o negrito é da nossa autoria).

 

 

Desmontemos alguns dos sofismas do pseudopensador Desidério:

 

1) Desidério Murcho opõe, sofisticamente, filosofia a história da filosofia. Segundo ele, ensinar, por exemplo, que Platão sustentava a existência de três mundos - o dos Arquétipos ou do Mesmo; o do Tempo, dos Números Móveis e dos movimentos planetários ou do Semelhante; o da Matéria Física ou do Outro- é «fazer história da Filosofia, mas não filosofia». Destituído da racionalidade holística que é apanágio dos verdadeiros filósofos, Desidério Murcho não compreende sequer que a história da Filosofia é uma exposição de raciocínios e teses de filosofias geradas pelos filósofos A,B,C,D, e que, portanto, é, na sua essência, filosofia ou um mosaico de filosofias.

 

Pode não ser a filosofia que o aluno deseje mas é filosofia. Pela parte que me toca, na qualidade de professor de Filosofia no ensino secundário, exponho, em regra, aos meus alunos do 11º ano, as bases da teoria de Platão dos três mundos, e da teoria de Pitágoras dos quatro números figuras (um, o ponto; dois, a recta; três, o plano; quatro, o sólido), isto é, dou história da filosofia, que é, simultaneamente, filosofia. Mas não me cinjo a perguntas de memorização nos testes. Elaboro perguntas filosóficas - como por exemplo: Relacione o papel do número nas teorias de Platão e Pitágoras - a partir das quais emergem os alunos criativos e genuinamente filosóficos e toda a turma é solicitada à reflexão filosófica.

 

A concepção dialéctica é isto: a história da filosofia contém em certa medida o seu contrário, a filosofia, e viceversa.

Os professores que, seguindo Desidério Murcho e os apologistas do vácuo filosófico, não dão teses da história da filosofia e tentam apagar esta em nome da «liberdade de filosofar» conduzem, em regra, os alunos ao analfabetismo filosófico. Abolir a história da filosofia do ensino da filosofia é regressar à idade das cavernas.

 

É como se os arquitectos do século XXI decidissem derrubar o templo de Diana de Évora, o Mosteiro dos Jerónimos, as catedrais góticas, o Alhambra de Granada e todos os monumentos clássicos do mundo inteiro em nome da liberdade de «descobrir e criar a verdadeira arquitectura». Se as diversas ciências fizessem o mesmo, isto é, se a física não ensinasse as leis de Boyle e Gay-Lussac, a lei da gravitação universal de Newton, o modelo de átomo de Bohr, que aprenderiam os alunos, como se desenvolveriam intelectualmente em tempo útil nas escolas?

 

2) Não há contradição nenhuma entre ensinar filosofia e ensinar história da filosofia - a não ser, claro, nas mentes confusas de Desidério Murcho e do seu grupo de «iluminados». O ensino da filosofia compõe-se de duas vertentes: história da filosofia (ou história das ideias filosóficas, que é o mesmo) e heurística (arte de pensar e descobrir a verdade por si mesmo). Os professores inteligentes e competentes sabem combinar estas duas vertentes nas suas aulas (a tradição e a criação inovadora). A história da filosofia está dentro da filosofia embora não esgote a extensão desta. Não são mutuamente extrínsecas entre si.

 

Ao invés do que sugere Desidério, estudar as ideias de Platão, Guilherme de Ockam, Nicolau de Cusa, Leibniz ou Schopenhauer não impede ninguém de filosofar, de pensar pela sua própria cabeça, antes pelo contrário, estimula a verve filosófica de cada aluno. Existe o risco da memorização na avaliação? Sim, mas a memória é necessária à inteligência criativa e não é má, em si mesma. Há um risco ainda maior nos que optam por abolir a tradição filosófica: o do vacuismo anti historicista e conteudal, susceptível de produzir alunos «livres» e ignorantes, porque não solicitados aos desafios do pensamento consagrado historicamente.

 

Aristóteles escreveu, por exemplo:

´

«O agora é a continuidade do tempo, como já dissemos, pois enlaça o tempo passado com o tempo futuro e é o limite do tempo, já que é começo de um tempo e fim de outro. Mas isto não é evidente como é o ponto, que permanece. O agora divide potencialmente, e enquanto divide é sempre distinto, mas enquanto une é sempre o mesmo, como no caso das linhas matemáticas. Porque no pensamento o ponto nem sempre é uno e o mesmo...»  (Aristóteles, Física Livro IV, 222 a)

É antifilosófico estudar isto? De que tem medo Desidério Murcho, senão do pensamento profundo de Aristóteles que o ultrapassa infinitamente, como ultrapassa a grande maioria dos catedráticos de filosofia contemporâneos?

 

3) Não é verdade que a história da filosofia seja apenas um meio para os estudantes compreenderem os problemas filosóficos. É um meio e também um fim porque há correntes - lembro o estruturalismo - que recusam dissociar o conteúdo filosófico do contexto social, político, cultural e religioso em que foi gerado. É também um fim do ensino da Filosofia saber, por exemplo, que o «cogito» de Descartes foi formulado no século XVII no contexto da Contra Reforma e que o «imperativo categórico» de Kant se estruturou nos alvores da revolução burguesa em França de 1789-1795.

 

Só um pseudopensador antidialéctico como Desidério Murcho, que reduz a slogans superficiais e populistas a sua crítica à filosofia genuína, opõe filosofia a história da filosofia. Separa a reflexão, atitude por excelência filosófica, do seu conteúdo ou produto, tal como Descartes separou o cogito (EU PENSANTE) das ideias pensadas. Mecanicismo...

 

O sofisma de Desidério formula-se assim:

 

«A história da filosofia não é filosofia».

«Os professores do secundário ensinam, em regra, história da filosofia,

«Logo, os professores do secundário não ensinam filosofia».

 

E refuta-se deste modo:

 

«A história da filosofia é, em parte não filosofia (história) e em parte filosofia.»

«Os professores do secundário ensinam história da filosofia».

«Os professores do secundário ensinam filosofia, sobretudo aqueles que insistem na heurística adicionada à transmissão da filosofia tradicional».

 

Desidério não é um pensador genuíno, profundo, ainda que a sua produção de artigos, livros e entrevistas seja abundante e o seu trabalho como tradutor de livros de filosofia seja notável. De facto, é um sofista "analítico", um antifilósofo cujas teses e artigos são abundantes em paralogismos que temos posto a nú noutros artigos deste blog. Quase reduz a filosofia à argumentação retórica, não compreendendo sequer que há uma vertente de rigor científico no interior da filosofia que ele não domina e teme - daí o seu «ódio» ao hegelianismo e ao positivismo e a outras correntes.

 

No entanto, o seu activismo jornalístico de homem do marketing «filosófico» - escreve um pouco de tudo em toda a parte, com a insustentável leveza do «não ser» dos cronistas sociais, aproveita o elogio do Eduardo Prado Coelho, ou de outro catedrático, a amizade de editores de filosofia com fraco critério de qualidade para espalhar, em livros, artigos de jornais e revista, as «suas» teses- conferiram-lhe uma projecção que o elevará ao doutoramento no Kingston College ou no Brasil («para inglês e brasileiro ver»).

 

Assim, se somará a uma plêiade de catedráticos mais ou menos incompetentes e arrogantes, «bispos» da igreja «filosófica» que se consubstancia nas cátedras de filosofia institucional em Portugal, Reino Unido e noutros países.

Enquanto nós, talvez os genuínos filósofos, meditamos e produzimos teses, na sombra da pirâmide do conhecimento, sem a vertigem do sucesso fácil a que Desidério acedeu.

 

Nota: Por muito que pareça o contrário, a nossa crítica a Desidério Murcho não é de carácter pessoal. Ele é  decerto, uma pessoa estimável, melhor que muitos catedráticos de Filosofia entronizados nas suas vaidades. Criticamos, sim, as suas ideias e o modelo de Universidade que representa.

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



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Essencialismo: Pobreza e Riqueza na Definição

 

A revista Crítica (www.criticanarede.com), a propósito da Dissertação de Mestrado "Essencialismo Naturalizado, de Desidério Murcho sob a Supervisão de João Branquinho, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,no ano 2000, de 97 páginas, insere a seguinte definição de essencialismo:

O essencialismo é a doutrina que defende que certos particulares, como Sócrates, têm certas

 propriedades essencialmente, ao passo que têm outras propriedades apenas acidentalmente. Assim, uma doutrina essencialista poderá afirmar que Sócrates é essencialmente um ser humano, ao passo que só acidentalmente vivia em Atenas. Isto significa que Sócrates não poderia não ter sido um ser humano, ao passo que poderia não ter vivido em Atenas.» (o negrito é nosso).

 

Esta definição de essencialismo é, no fundo, uma tautologia. Na verdade, todos os seres ou fenómenos são dotados de uma essência ou estrutura fundamental e,assim sendo, todas as ciências e todas as filosofias seriam essencialismos a partir do momento em que postulam propriedades fundamentais inerentes a qualquer ser ou ente (a alma ou a forma física como essência do homem, o átomo como essência da matéria, a célula como essência da vida, etc). Definir desta maneira essencialismo equivale a definir racionalismo como «doutrina que sustenta que todo o homem é dotado de razão».

Ora, também os empiristas sustentam que o homem é dotado de razão...

 

Creio que a definição de essencialismo não pode cingir-se a uma tautologia onde cabem todas as correntes filosóficas. A história da Filosofia, tão menosprezada por alguns revisionistas do ensino filosófico hoje, coloca-nos uma distinção entre existencialismo e essencialismo.

 

Ora a definição de essencialismo expressa na «Crítica» e no Dicionário Oxford de Filosofia de Simon Blackburn, presumivelmente defendida por Desidério Murcho, levaria a classificar a doutrina de Sartre, expressa em «O ser e o nada», como um essencialismo: é que Sartre, que se considerava um existencialista oposto ao essencialismo, sustentava que a essência do homem é a liberdade, a existência pura. Sartre não seria, portanto, existencialista mas sim essencialista, o que levanta uma nuvem de imprecisão conceptual..

 

A definição por excelência de essencialismo não é a tautologia pobre expressa na «Crítica» de que há coisas com propriedades inerentes ou essenciais. Não. A definição mais rica de essencialismo remonta à coluna vertebral da história da filosofia - Platão, Aristóteles, Ockham, Tomás de Aquino, Hegel - e inscreve-se na problemática do ser enquanto essência na sua relação com a existência material e de movimento.

 

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

(Direitos de autor reservados para Francisco Limpo de Faria Queiroz)


 

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 19:42
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