O "paradoxo de Russell" é ou foi um dos muitos pilares da filosofia analítica anglo-saxónica. Blackburn o enuncia-o assim:
«Paradoxo de Russell - O mais famoso dos paradoxos da teoria dos conjuntos, descoberto por Russell em 1901. Algumas classes são membros de si mesmas: a classe de todos os objetos abstractos é um objecto abstracto. Outras não: a classe dos burros não é, ela própria, um burro. Considere-se agora a classe de todas as classes que não são membros de si mesmas. É esta classe um membro de si mesma? Se é, então não é; e se não é, então é.»
(Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 319, Gradiva, 2007; o destaque a negrito é posto por mim).
Russell equivocou-se ao formular o paradoxo: a classe dos burros é um burro em abstrato e um lugar lógico-material de burros singulares, isto é, uma forma físico-vital idealizada, aplicável, mais ou menos, a cada um dos burros concretos, existentes, individuais. Se não tivesse a forma rarefeita ou semi-aberta de um burro, não seria uma classe de burros, mas outra coisa qualquer. Nenhuma classe é membro de si mesma: membro significa ser parte e classe significa ser todo. A classe é o reservatório que contém vários indivíduos de natureza mais ou menos similar. Dizer que a classe dos objectos abstratos é membro de si mesma porque está em cada objecto abstracto é uma falácia: a essência da espécie (eidos) está como qualidade no ente real, individual mas não está como quantidade, como extensão. Ora o conceito de classe é simultaneamente uma qualidade/ intensão, uma forma, e uma extensão de entes reais. Uma classe é uma forma e uma matéria.
A forma (eidos) é, de certo modo, o uno, e a matéria é, de certo modo, o múltiplo. Numerosas classes são membros de uma classe maior, como por exemplo, as espécies galinha, girafa e leopardo (classes menores) são membros do género animal mas não acontece que o género animal seja membro (parte) de si mesmo, os animais girafas, leopardos, leões e outras é que são membros do género animal. Justiça, Bem, Número Sete, Metafísica, são objetos abstratos determinados que fazem parte da classe dos objetos abstratos mas esta última não é membro de si mesmo porque, se o fosse, reduzir-se-ia ao nível de qualquer um desses objetos abstratos como Mal, Número Catorze, Ordem Social.
A parte do texto acima em que Blackburn diz: «É esta classe um membro de si mesma? Se é, então não é; se não é, então é.» é um puro jogo de palavras, um sofisma. É óbvio que a classe de todas as classes que não são membros de si mesmas não é membro de si mesma e se distingue das outras porque não tem forma definida: é um género e as outras são espécies. O erro de Russell começou em postular que há classes que são membros de si mesmas: é o mesmo que dizer «há géneros que são espécies de si mesmos». É fragmentar o que não pode ser fragmentado. Este é um traço comum à maior parte da filosofia analítica: esquizoidia lógico-discursiva, cisão. Russell não dominava a lógica dialética: a correcta hierarquização espécie-género, ambas classes, passou-lhe desapercebida, ao menos no tempo da formulação do "paradoxo de Russell", pelos anos 1901-1903.
Milhares de catedráticos de filosofia obnóxios que ocupam as cadeiras regentes das universidades veneram Russell, o papa da «igreja filosófica» analítica anglo-saxónica no século XX e calam-se e aceitam este pseudo raciocínio de Russell. Nem o próprio Blackburn entendeu ,com clareza, aquilo que escreveu acima. Muitos, não todos, dormem o sono dogmático dos "justos", nesta matéria: nem sonhavam que o paradoxo de Russell seja um sofisma, uma mentira lógico-linguística. Pensarão, verdadeiramente? - no sentido mais nobre, solitário, da palavra pensar?
Russell não descobriu um paradoxo - uma impossibilidade lógica mas realidade ontológica - inventou um pseudoparadoxo, um sofisma. É nisto, no discurso sofístico, que dá à palavra classe dois sentidos distintos - um o de aglomeração de objetos similares, da mesma espécie; outro, de aglomeração de objetos muito diferentes entre si, de várias classes do mesmo género - que assentam vários dos pilares da filosofia analítica anglo-saxónica. Como se vê, se pensarmos em profundidade, o edifício analítico vai ruindo como um baralho de cartas...Os paradoxos e as regras lógicas da chamada filosofia analítica anglo-saxónica impedem, em regra, de atingir as camadas mais profundas do pensar. É certo que, anos mais tarde, Russell rectificou, criando a Teoria dos Tipos.
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